domingo, 16 de março de 2025

VOCAÇÃO - UM PRESENTE DE DEUS PARA NÓS

Dom Gilvan Francisco dos Santos, OSB

(Monge Beneditino)

Salvador, Bahia – 16 de março de 2025

2º Domingo da Quaresma

A verdadeira Vocação acontece quando ouvimos a voz de Deus que nos diz: “Sai da tua terra” ou “Segue-me” e, ao ouvi-lo, deixamos imediatamente tudo e o seguimos com ardor e amor ao seu chamado; fortalecendo-se sempre a cada dia pela oração e os trabalhos diários esse convite de Deus, em união com Jesus Cristo nosso Mestre, para o crescimento do seu Reino na terra. (Dom Gilvan Francisco, O.S.B).

A Vocação, seja ela qual for, é um presente de Deus para nós. Pois, ela é um chamado de Deus para uma missão ou uma função específica para ser desempenhada na vida social, leiga, matrimonial e profissional ou especificamente na vida eclesial, ou seja, na vocação sacerdotal e religiosa.

É importante estarmos sempre atentos a que tipo de vocação nós fomos chamados a desempenhar e se verdadeiramente somos felizes na missão que recebemos de Deus e aceitamos. Por esse motivo, é importante sempre nos perguntarmos: Qual a missão que eu recebi de Deus? Como eu devo agir diante da missão que eu recebi? Eu sou feliz na missão que Deus me concedeu? Essas perguntas são importantes para sabermos se estamos no caminho certo indicado pelo Senhor. Sabemos que cada chamado acontece de forma individual, mesmo sendo este para uma mesma missão, a forma do chamado e o trabalho que será executado em qualquer instituição, será sempre diferente para cada pessoa. É bom sempre sabermos que que o chamado divino é também um precioso convite para uma grande aventura da fé, pois sempre haverá incertezas na caminhada missionária e grandes desafios, caminhos estreitos, pedregosos, espinhosos e portas apertadas para entrar (cf. Mt 7,13-14; 10,38; Lc 9,62; 10,1-16; 13,24; At 20,23-24). Nós cristãos já conhecemos bem a história do Patriarca Abraão, o pai da fé, o primeiro a ser chamado por Deus nas Escrituras; vemos isso com clareza na narração do livro do Gênesis. Como Deus outrora falou para Abraão, assim nos fala ainda hoje: Sai da tua terra (Gn 12,1) e, no Evangelho, Jesus vai chamar os seus primeiros discípulo dizendo: Segue-me(Mt 4,19.21), tanto Abraão, quanto os discípulos de Jesus, não hesitaram em escutar e seguir imediatamente ao chamado de Deus.

Para uma melhor compreensão do termo Vocação, etimologicamente essa palavra vem do latim vocare, que significa "chamar", "convocar" ou "escolher". A cada pessoa Deus chama, escolhe de um modo diferente. Chamado e vocação estão interligados. A Vocação é um chamado específico de Deus para uma missão específica a ser desempenhada. Portanto, não esqueçamos que todos nós somos chamados por Deus, por primeiro, para santidade. Pois, essa é a missão de todo cristão. E dentro desse chamado a santidade, somos escolhidos para uma missão específica; o que chamamos propriamente de vocação.

A resposta a Deus caberá somente a nós; pois, temos a liberdade de dizermos sim ou não ao seu chamado. Um outro grande presente de Deus, ou seja, a nossa liberdade. Ele nada impõe ao ser humano. Essa é a beleza do cristianismo.

Para uma melhor análise da questão vocacional, vejamos quais são os tipos de vocação propriamente ditas? São elas: A Vocação laical, a Vocação religiosa, Vocação sacerdotal, Vocação matrimonial e Vocação profissional. Todas elas tem o seu próprio campo de ação pastoral. Nenhuma delas é menos importante que a outra.

Já vimos que nas sagradas Escrituras, Abraão é a primeira pessoa a ser chamado por Deus para uma vocação e missão específica. (Gn 12,1-3). Dele, partem todos os outros chamados do Antigo e do Novo Testamento. Por esse motivo, temos Abraão como o pai da fé.


Iahweh disse a Abrão: Sai da tua terra, da tua parentela e da casa do teu pai e vai para a terra que eu te mostrarei. Eu farei de ti um grande povo, eu te abençoarei, engrandecerei teu nome; sê uma bênção! Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem. Por ti serão benditos todos os clãs da terra. E Abrão partiu, como lhe disse Iahweh. (Gn 12,1-4).

Interessante que Deus usa o verbo hebraico halak e, este é usado no imperativo, ou seja, “Sai” (sair, partir, andar). E Abraão na sua liberdade tem duas opções, aceitar ou não ao chamado de divino. Mas ele aceitou a proposta de Deus. “Abraão creu no Senhor, e lhe foi tido em conta de justiça” (Gn 15,6). No Novo Testamento, São Paulo, nas suas cartas, vai se valer dessa passagem de Gênesis (cf. Rm 4; Gl 3,6ss).

No Novo Testamento, Jesus, faz o seu primeiro chamado. Ao encontrar os dois irmãos Simão Pedro e André, os convoca para segui-lo: “Estando ele a caminhar junto ao mar da Galileia, viu dois irmãos: Simão, chamado Pedro, e seu irmão André, que lançavam a rede ao mar, pois eram pescadores. Disse-lhes: “Segue-me e eu farei de vós pescadores de homens”. Eles deixando imediatamente as redes, o seguiram (Mt 4,18-20). E, mais adiante, Jesus chama a Tiago filho de Zebedeu, e também o seu irmão João. “Continuando a caminhar, viu outros dois irmãos: Tiago filho de Zebedeu, e seu irmão João, no barco com seu pai Zebedeu, a concertar as redes. E os chamou. Eles, deixando imediatamente o barco e o pai, o seguiram (Mt 4,21-22).

Assim Jesus vai escolhendo todos os seus seguidores. Com Levi (Mateus), o cobrador de impostos, Jesus faz a mesma proposta dos primeiros a serem chamados: “E tornou a sair para a beira-mar, e toda a multidão ia até ele; e ele os ensinava. Ao passar, viu Levi, o filho de Alfeu, sentado na coletoria, e disse-lhe: “Segue-me”. Ele se levantou e o seguiu (Mc 2,14; Mt 9,9; Lc 5,27-28). Atualmente não é diferente o chamado que Jesus nos faz. O Segui-me está direcionado a todos os cristãos que amam a Deus.

Só seremos verdadeiros discípulos de Jesus, quando vivemos com amor e ardor a nossa verdadeira vocação recebida de Deus. Assim, com a nossa vida podemos glorificar a Deus com a missão que nos concedeu. O próprio Jesus nos ensina: “Meu Pai é glorificado quando produzis muito fruto e vos tornais meus discípulos” (Jo 15,8). Por isso, uma vocação frustrada não poderá glorificar a Deus e nem dá frutos para a vida eterna; e, dessa maneira, não seremos discípulos de Jesus. Daí a importância de sempre nos perguntarmos: Será que esta é verdadeiramente a Vocação / Missão a que Deus me chamou, ou é apenas um capricho meu, uma fuga? A isso, somente cada um poderá responder para Deus e para si mesmo.

Há muitas vocações frustradas que nada fazem para o Reino de Deus; e ainda perturbam os que querem seguir verdadeiramente ao seu chamado. Geralmente aqueles que não se encontraram na sua vocação, sofrem, e fazem outros sofrerem com ele, por diversos meios comunitários e sociais. Por isso, nós devemos ter a certeza do que queremos e o amor ao que abraçamos. É muito importante o discurso de Jesus para aqueles que desejavam segui-lo, mas sem a certeza da missão divina que receberiam. Por esse motivo, ouçamos o Evangelho:


Enquanto prosseguiam viagem, alguém lhe disse na estrada: “Eu te seguirei para onde quer que vás”. Ao que Jesus respondeu: “As raposas têm tocas e as aves do céu, ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça”. Disse a outro: “Segue-me”. Este respondeu: Permite-me ir primeiro enterrar meu pai”. Ele replicou: “Deixa que os mortos enterrem seus mortos; quanto a ti, vai anunciar o Reino de Deus”. Outro disse-lhe ainda: “Eu te seguirei, Senhor, mas permite-me primeiro despedir-me dos que estão em minha casa”. Jesus, porém, lhe respondeu: “Quem põe a mão no arado e olha para trás não é apto para o Reino de Deus” (Mt 9,57-62).

Dando seguimento a esse discurso do chamado, Jesus envia em missão setenta e dois discípulos dando-lhes as instruções e as propostas da missão, “[...] A colheita é grande, mas os operários são poucos. Pedi, pois, ao Senhor da colheita que envie operários para a sua colheita” (Lc 10,1-12). Interessante que Jesus nesse capítulo do envio, ele vai proferir alguns “ais” para aqueles que não receberem bem os seus enviados. “Mas em qualquer cidade em que entrardes e não fordes recebidos, saí para as praças e dizei: ‘Até a poeira da vossa cidade que se grudou aos nossos pés, nós a sacudimos para deixa-la para vós. [...]. Ai de ti, Corazim! A de ti, Betsaida! [...]. E tu, Cafarnaum, te elevarás até o céu? Antes, até o inferno descerás! (Lc 10,10-15). E termina o seu discurso dizendo: “Quem vos ouve a mim ouve, quem vos despreza a mim despreza, e quem me despreza, despreza aquele que me enviou” (Lc 10,16).

Todos nós temos uma vocação na vida e quem tem a certeza da sua vocação no mundo, creia que isso é uma grande graça de Deus.

É preocupante e muito triste vermos muitas pessoas com vocações erradas e infelizes na sua escolha de vida. Porém, muitas das vezes o comodismo e a vida fácil para eles, em algumas das instituições que escolheram, os levaram a fazerem essa escolha; porém, a curto ou longo prazo, aparecerão os problemas próprios da tal escolha que fizeram. Por isso, vemos tantos escândalos espalhados pelo mundo em todas as esferas sociais e religiosa. O Papa Francisco constantemente alerta a Igreja e o mundo para essa situação delicada.


Nos últimos anos, o Papa Francisco tem denunciado repetidamente a dinâmica de poder dentro da Igreja, criticando abertamente os padres movidos por ambições pessoais, chamando-os de "carreiristas", "mundanos" e "clericais". No entanto, observando as realidades eclesiais, emerge claramente que o problema mais urgente e em muito maior quantidade são os "leigos autoritários", que usam a Igreja como um espaço para consolidar seu poder pessoal. [...] relatou frequentemente episódios que destacam como alguns indivíduos, para emergir no panorama eclesial, recorrem a métodos vergonhosos com falsas acusações para destruir aqueles que não lhes deram o que queriam ou que são aqueles que os impedem de obtê-lo. Este fenômeno é transversal e está presente em vários contextos: paróquias, oratórios, dioceses, conventos, seminários e até mesmo no Vaticano. Muitas vezes, são jovens que, não conseguindo encontrar seu próprio espaço na sociedade civil, buscam refúgio em estruturas eclesiásticas. Alguns tentam entrar em seminários ou mosteiros, mas são rejeitados por falta de adequação. Contudo, o que os atrai não é o desejo de servir a Deus e à sua Igreja, mas sim a possibilidade de usar um hábito – a batina ou o hábito – como símbolo de autoridade. (Cf. https://silerenonpossum.com/it/pontificioateneosantanselmo-marcocardinali-scandalo).

Em relação a estes problemas estamos atravessando uma crise gigantesca em todas as esferas sociais e eclesiais. Seja do lado do clero ou dos leigos, todos se encontram enquadrados nesse mal atual. Por isso, devemos cultivar, regar e ter a certeza da nossa vocação, seja ela qual for. Essa certeza nos faz felizes e nos ajuda a superar qualquer obstáculo que nos apareça. Daí a sua grande importância.

Para um melhor esclarecimento leiamos todo o capítulo terceiro da segunda carta de São Paulo a Timóteo, que tem como título: Advertência contra os perigos dos últimos tempos, o qual nos ensina com muita sabedoria e inspiração do Espírito Santo sobre os assuntos atuais que estamos tratando. Ele, assim nos fala:


Sabe, porém, o seguinte: nos últimos dias sobrevirão momentos difíceis. Os homens serão egoístas, gananciosos, jactanciosos, soberbos, blasfemos, rebeldes com os pais, ingratos, iníquos, sem afeto, implacáveis, mentirosos, incontinentes, cruéis, inimigos do bem, traidores, atrevidos, enfatuados, mais amigos dos prazeres do que de Deus; guardarão as aparências da piedade, negando-lhe, entretanto, o poder. Afasta-te também destes. Entre estes se encontram os que se introduzem nas casas e conseguem cativar mulherzinhas carregadas de pecados, possuídas de toda sorte de desejos, sempre aprendendo, mas sem jamais poder atingir o conhecimento da verdade. Do mesmo modo como Janes e Jambres se opuseram a Moisés, assim também estes se opõem à verdade; são homens de espírito corrupto, de fé inconsistente. Mas eles não irão muito adiante, pois a sua loucura será manifesta a todos, como o foi a daqueles. Tu, porém, me tens seguido de perto no ensino, na conduta, nos projetos, na fé, na longanimidade, na caridade, na perseverança, nas perseguições, nos sofrimentos que conheci em Antioquia, em Icônio, em Listra. Que perseguições eu sofri! E de todas me livrou o Senhor! Aliás, todos os que quiserem viver com piedade em Cristo Jesus serão perseguidos. Quanto aos homens maus e impostores, progredirão no mal, enganando e sendo enganados. Tu, porém, permanece firme naquilo que aprendeste e aceitaste como certo; tu sabes de quem o aprendeste. Desde a infância conheces as sagradas Letras; elas têm o poder de comunicar-te a sabedoria que conduz à salvação pela fé em Cristo Jesus. Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para instruir, para refutar, para corrigir, para educar na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito, qualificado para toda boa obra. (2Tm 3,1-17).

Esse capítulo é muito importante porque faz uma análise minuciosa da época, mostrando assim as dificuldades no seguimento de Cristo, os erros daqueles que não querem seguir os caminhos de Jesus, terminando com importantes conselhos e pistas para uma boa vida e vivência cristã, bem como os que permanecem firmes na fé e na vocação que abraçaram, certos que estão no caminho indicado por Deus, ou seja, a verdadeira Vocação.

Por isso, ouçamos sempre o nosso Mestre Jesus Cristo: “Disse, então, Jesus aos judeus que nele haviam crido: “Se permanecerdes na minha palavra, sereis verdadeiramente meus discípulos e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”. (Jo 8,31-32). Esse permanecer significa a prática dos ensinamentos divinos.

Peçamos sempre a iluminação do Espírito Santo na nossa caminhada de fé cristã, para que sejamos felizes na nossa missão recebida de Deus. Pois, repito com toda a certeza que: A nossa Vocação é um presente de Deus para nós!


TEXTOS BÍBLICOS SOBRE O CHAMADO

- Mc 3,14 – Jesus ora, escolhe e chama.

- Mt 19,16-22 – O jovem rico.

- Lc 6,12-13 – Jesus ora, escolhe e chama. (A escolha dos 12 Apóstolos).

- Lc 5,10 – Vocação dos quatros primeiros discípulos. A eles jesus diz: “Não tenhas medo”. E a Pedro diz: “Serás pescador de homens”.

- Cl 2,2 – Ânimo nos corações. O ardor na missão recebida.

- 2Cor 4,7 – Tesouro em vaso de barro.

- 2Cor 12,9 – Vencedor na fraqueza.

REFERÊNCIAS

BÍBLIA DE JERUSALÉM. Nova edição, revista e ampliada. São Paulo: Paulus, 2002.

Acesso em 03 de março de 2025:

https://silerenonpossum.com/it/pontificioateneosantanselmo-marcocardinali-scandalo/?fbclid=IwZXh0bgNhZW0CMTAAAR1HnrHYxqOWPOeas7cOdCdVmEKxE10AHlOGYEXgzhBdciudK4O6tpqUfVE_aem_uuHuj3h5wOYZRXg_lTEC1g

Ut In Omnibus Glorificetur Deus (RB 57, 9)

domingo, 1 de dezembro de 2024

O SANTO ADVENTO UM TEMPO PRIVILEGIADO - 1º Domingo do Advento.

 

Dom Gilvan Francisco dos Santos, OSB

(Monge Beneditino)

Salvador, Bahia - 1º de dezembro de 2024

"Faze-me ouvir teu amor pela manhã, pois é em ti que eu confio; indica-me o caminho a seguir, pois eu me elevo a ti”. (Sl 143, 8).

Nós cristãos sabemos que o Ano Litúrgico da Igreja se inicia com o Advento. Esse período também é chamado de CICLO DO NATAL, nome adotado pelo calendário litúrgico da Igreja para indicar o TEMPO DO ADVENTO e o TEMPO DO NATAL de nosso Senhor Jesus Cristo.

A cor usada na liturgia da Igreja para esse período do Advento é a ROXA excetuando o terceiro domingo chamado de Domingo Gaudete, ou seja, o domingo da alegria ou o domingo rosa, no qual pode-se usar a cor ROSA nos paramentos e alfaias da igreja, pois nele as celebrações litúrgicas tem um tom mais festivo.

O período do Advento tem a duração de quatro semanas que antecede o Natal do Senhor Jesus Cristo. Nas duas primeiras semanas temos a expectativa da vinda definitiva de Cristo e as duas outras semanas são para a preparação da celebração do Santo Natal de Jesus, ou seja, a sua primeira vida ao mundo.

Nesse sagrado tempo a Igreja nos propõe a Esperança. A espera confiante para a vinda de Cristo. “Eis que a jovem concebeu e dará à luz um filho e dar-lhe-á o nome de Emanuel”. (Is 7,14), e a purificação da nossa vida. Portanto, ao celebrarmos esse santo Tempo do advento, abramo-nos a ação do Espírito Santo e deixemos ele agir em nós.

A Igreja na sua caminhada litúrgica nos proporciona dois tempos sagrados de uma maior conversão a Deus e de expectativa da vinda de Cristo. Estes dois ciclos são o sagrado Tempo do Advento e Tempo da santa Quaresma, ambos são tempos de expectativa, esperança e de conversão. Fiquemos atentos a essas chances que a Igreja na sua sabedoria, nos concede, para que assim possamos nos converter das nossas más condutas e dos nossos pecados, para celebrarmos com amor e piedade os santos mistérios do Nascimento, Paixão, Morte e a Ressurreição de Jesus; recebendo através destes mistérios as bênçãos de Deus.

Uma característica desse período é o costume nas igrejas e oratórios, fazerem a coroa do Advento. São quatro velas devidamente ornamentadas com as cores para cada semana; geralmente são verde, vermelha, rosa (3º domingo – Gaudete) e branca. Elas são acesas a cada domingo. Cores que engloba todo o ano litúrgico da Igreja e também são os símbolos das grandes etapas da salvação. A primeira vela a ser acesa no primeiro domingo, é a de cor verde. Geralmente são acesas antes da celebração.

Em todo esse período das celebrações para a vinda do Senhor, digamos com fé e perseverança com o coração sincero, a Deus: “[...]; indica-me o caminho a seguir, pois eu me elevo a ti”. (Sl 143,8). Aguardando na esperança alegre a promessa do mesmo Deus para nós, pois o profeta Isaías diz: “Gotejai, ó céus, lá do alto, derramem as nuvens a justiça, abra-se a terra e produza a salvação, ao mesmo tempo faça a terra brotar a justiça!” (Is 45,8). Nas celebrações em todo o santo período do Advento cantamos um belo hino chamado Rorate coeli, uma tradução desse versículo das profecias de Isaías, que fala sobre a promessa de Deus para o povo de Israel, fazendo uma prefiguração da vinda de Jesus Cristo, o Messias esperado, o salvador.

Nesse tempo privilegiado busquemos a fé, a caridade e a esperança, pois atualmente vivemos em um mundo cheio de orgulho, de autossuficiência, com um desprezo pelas coisas de Deus e pelo nosso próximo. É fato, que isso está gerando sérios problemas na vida das pessoas; problemas corporais em forma de doenças e principalmente no psicológico delas. Precisamos urgentemente tomar sérias medidas e decisões em nossa vida em relação a esses problemas sociais. Levantemo-nos do sono espiritual e do nosso comodismo. “Tanto mais que sabeis em que tempo vivemos: já chegou a hora de acordar, pois nossa salvação está mais próxima agora do que quando abraçamos a fé. A noite avançou e o dia se aproxima. Portanto, deixemos as obras das trevas e vistamos a armadura da luz”. (Rm 13,11-12).

Uma das primeiras medidas que devemos ter em relação a esse problema, é pedirmos a ajuda de Deus na oração e termos uma íntima amizade com ele. Uma segunda seria ficar mais atento às necessidades dos outros e, uma terceira, não menos importante, buscar a ajuda da medicina no caso das nossas doenças corporais e psicológicas. Esses são os passos fundamentais para uma vida cristã saudável e feliz.

Estamos vendo atualmente uma grande quantidade de pessoas sem propósitos algum em sua vida; em um faz de contas, não se importando com os resultados das suas ações e tão pouco preocupados com o seu próximo. Elas estão fazendo as coisas apenas por obrigação e sem amor algum, não querendo entender nem saber o propósito delas. Grande parcela dessa massa estão vazias e doentes por não analisarem mais as suas ações e as suas ideias. Por isso, constantemente devemos pedir que o Espírito Santo que nos conduza sempre. Dizendo como o salmista: “Vosso Espírito bom me dirija e me guie por terra bem plana”. (Sl 142). (Trad. Saltério Romano Monástico). Nós que somos cristãos devemos pedir a ajuda do Espírito Santo, pois é o Espírito quem santifica todas as coisas; para que ele possa nos conduzir por terrenos planos na nossa caminhada para o Reino de Deus. Peçamos que nos aqueça com o seu fogo de amor, porque a cada dia estamos vemos o esfriamento, o desânimo na vida de fé de muitos cristãos. Isso acontece porque não damos a importância devida à ação do Espírito Santo e aos mistérios da nossa fé. Por isso, fiquemos mais atentos a presença do Espírito em nossa vida, pois é ele que nos vivifica, santifica, ilumina e nos conduz a Deus. Por isso, esse salmo 142 vem nos alertar sobre esse pedido de socorro diante do Espírito, para que ele nos conduza e nos guie sobre terrenos planos, ou seja, na graça de Deus e nos retos caminhos. Portanto, nesse sagrado Tempo do Advento, abramo-nos a ação do Espírito Santo. 

TEMPO DO ADVENTO 

Primeiro Domingo do Advento

- Algumas normas do Diretório Litúrgico da Congregação Beneditina do Brasil referentes ao Tempo do Advento – Início do Ano Litúrgico – 1º.12.2024.

1. Até o dia 16 inclusive, não se permitem as Missas para diversas necessidades, votivas ou cotidianas pelos defuntos, a não ser que a utilidade pastoral o exija (IGMR, n. 333), mas podem ser celebradas as Missas das memórias que ocorrem ou dos Santos inscritos no Martirológio nos respectivos dias (IGMR n. 316b).

2. O órgão e os outros instrumentos musicais devem usar-se e o altar adorna-se com flores, com aquela moderação que convém ao caráter próprio deste tempo, de modo a não antecipar a plena alegria do Natal do Senhor. No domingo Gaudete (3º do Advento), pode-se usar o cor-de-rosa (C.B., n. 236).

3. Na celebração do matrimônio, seja dentro ou fora da Missa, dá-se sempre a bênção nupcial mas admoestem-se os esposos a se absterem de pompa demasiada.

4. No Ofício:

a) Vigílias: antífonas do Invitatório Vinde, adoremos o Rei que vai chegar. Leituras do Ano II.

b) Vigílias, Laudes e Vésperas: hinos próprios.

c) Horas menores (ou Hora Média) e Completas: os hinos que se encontram no Próprio do Tempo.

d) Completas: Antífona mariana Alma Redemptoris (até a Festa do Batismo do Senhor, inclusive).

e) Na Bênção do Santíssimo, canta-se Rorate coeli com versículo e oração próprias.

5. Na Missa: leituras dominicais do ano C


REFERÊNCIAS 

BÍBLIA DE JERUSALÉM. Nova edição, revista e ampliada. São Paulo: Paulus, 2002.

DIRETÓRIO LITÚRGICO DA CONGREGAÇÃO BENEDITINA DO BRASIL / Rio de Janeiro: Edições Lumem Christi – 2024.

Ut In Omnibus Glorificetur Deus (RB 57,9)

 


segunda-feira, 25 de novembro de 2024

ALGUMAS DIFICULDADES ATUAIS NA CAMINHADA DE FÉ DA VIDA CRISTÃ (III)

 

Dom Gilvan Francisco dos Santos, O.S.B

(Monge Beneditino)

Salvador, Bahia – 25 de novembro de 2024


"É necessário que o Filho do Homem sofra muito, seja rejeitado pelos anciãos, chefes dos sacerdotes e escribas, seja morto e ressuscite ao terceiro dia”. (Lc 9,22)

Dou início a essa reflexão com o versículo acima citado onde São Lucas nos ensina a termos forças para seguir a Jesus Cristo, nessa perícope ele vem nos mostrar que o percurso da vida humana não é fácil; principalmente em relação ao seguimento religioso. Mas fiquemos certos de que Deus não se alegra com os sofrimentos dos homens, pois se ele sentisse prazer nisso, ele seria um Deus masoquista, sádico, e isso não faz parte da sua natureza. Ele nos criou para a felicidade, porém com o ingresso do mal no mundo, ingressou também o pecado e os sofrimentos. (Cf. Gn 3,1-24; 4,1-26). Portanto, vivemos imersos nas alegrias e também nas amarguras, as quais nos seguirão até alcançarmos a felicidade plena e eterna como nos prometeu Jesus Cristo em seus ensinamentos. Os verdadeiros cristãos devem ter essa consciência das promessas de Jesus.

Constantemente vemos uma parcela significativa de pessoas que não conseguem mais enxergar a vida como um conjunto de sentimentos, ações, relações. Uns ficam presos na busca desenfreada pela felicidade plena aqui neste mundo, e sabemos bem que isso não é possível; enquanto outros acreditam na inexistência da felicidade vivendo num constante sofrimento o que também não é correto pensar. Enquanto estivermos nesse corpo mortal viveremos as duas realidades, ou seja, momentos de alegrias e sucessos, bem como momentos de tristezas, perdas e fracassos. Podemos até dizer que isso é natural em nossa existência humana.

Na vida cristã há diversas dificuldades a serem enfrentadas por nós e será algumas delas que iremos analisar aqui.

A primeira delas é o avanço da secularização um fator preocupante em relação a busca de Deus e da felicidade e também das relações humanas. Por causa disso, os homens estão se isolando praticamente de tudo o que é necessário para a vida em sociedade. Não sabendo ele que esse comportamento a longo ou curto prazo lhe trará sérios problemas corporais, espirituais e psicológicos.

Com a chegada das redes sociais e o seu mau uso o homem tornou-se mais pobre de conhecimentos sólidos, portanto, suscetível a abandonarem suas crenças, abalando assim a sua fé e seu credo. Com isso não desejo dizer que as redes sociais sejam ruins; ela é uma ferramenta extraordinária para fazer o bem, para evangelizar, para a ciência e tantas outras áreas do conhecimento. O problema está no uso incorreto desses meios de comunicação. Vemos e escutamos todos os dias tantos e variados crimes cometidos através da internet e outros meios de comunicações sociais. É devido a esse mau uso que os homens ficam titubeantes e perdidos num turbilhão de informações de todos os tipos que aparecem constantemente em nossas casas ou setores de trabalhos, em relação não só a fé, mas a outras realidades de nossas vidas. Por essa razão, eles não conseguem enxergar ou com muito custo, analisarem questões sociais e religiosas a sua volta, assim não sabendo firmar-se numa linha de pensamento e muito menos ancorar-se naquilo que lhe foi passado pelos seus antepassados, seus pais e educadores. Eis o grande problema atual. A cada avanço e a cada dia percebemos claramente ser uma geração enfraquecida. Existem muitos vazios, e daí nascem muitas doenças psicológicas, psicossomáticas, depressão, ansiedades, desavenças entre famílias, entre amigos, nos setores de trabalho e muitas coisas nocivas à saúde e a vida do homem na terra.

Diante dessa realidade perigosa e sufocante a fé fica comprometida e os homens tornam-se fracos em todos os aspectos, gerando situações nunca vistas, mudando assim o curso de suas vidas e o curso natural da história universal.

É interessante que todos esses problemas atuais atingem de forma significativa a nossa fé cristã e também a todos os outros credos. Jesus já advertia os apóstolos quando perguntava aos discípulos: “que diz os homens que eu sou?” Eles responderam: “uns pensam que és Elias ou alguns dos Profetas”. Mas Jesus lhes pergunta querendo assim saber se eles estavam mesmo firmes no que acreditavam: “e voz quem dizeis que eu sou?” Fazendo essa pergunta, Jesus quer deixar claro que devemos ter certeza do que acreditamos e o que seguimos, e a resposta de São Pedro é bem direta. “Tu és o Cristo filho de Deus vivo”. Isso sim, é ter a certeza no que se acredita. Isso é ter fé.

Se formos a segunda epístola a São Timóteo, assim ele se expressa: “Eis por que sofro estas coisas. Todavia não me envergonho, porque eu sei em quem depositei a minha fé, e estou certo de que ele tem o poder para guardar o meu depósito, até aquele dia”. (2Tm 1,12). Ou seja, até o dia da nossa Páscoa definitiva para Deus. Portanto, a certeza no que e em quem acreditamos é imprescindível para a caminhada cristã de fé.

As constantes e as rápidas mudanças, bem como as muitas informações que são transmitidas e muitas vezes impostas sobre nós, continuam a nos empobrecer a cada dia mais. Tornando assim mais difícil conseguirmos nos firmar num assunto ou mesmo em uma linha de pensamento que nos ajude nas nossas questões pessoais, religiosas e sociais. Muitos não conseguem mais ter consistência e uma certa consciência no que expõem e bem menos no que acreditam. As vezes ficam mirabolando em assuntos que nem tem competência para expor, falando e fazendo coisas absurdas em relação a sua crença e as dos outros. Coisa detestável aos olhos de Deus. Pois Deus é pura verdade e caridade (amor). Em razão disso, vemos tantas pessoas com deficiências cognitivas, com défice de atenção, falando e fazendo tantas coisas estranhas que as vezes custamos a acreditar em certas atitudes e falas de muitos. Vivendo de aparências. Pessoas de plástico.

Essas pessoas que vivem de aparências geralmente em nada conseguem se firmar e na mais das vezes não tem a capacidade de aprenderem o que quer que seja. As suas mentes estão atrofiadas. Isso é uma questão humana muito séria. Por isso vemos os conflitos nos relacionamentos o esfriamento nas amizades, a preguiça para as resoluções de questões sociais sérias, e necessárias, bem como muitos outros males que surgem a cada dia.

Portanto, nós cristãos devemos estar atentos todos os dias as nossas atitudes humanas e as nossas relações humanas; principalmente aos nossos comportamentos em relação a fé e a religião que seguimos e acreditamos. A nós que dizemos seguir e amar a Jesus Cristo nosso Mestre, dizemos constantemente sermos cristãos, mas, muitas vezes as nossas ações dizem o contrário. Cuidado! E cuidemo-nos! Só seremos cristãos verdadeiros se realmente nos configurarmos a Cristo o Senhor da vida e da História. Por conseguinte, devemos nos perguntar todos os dias ou mesmo várias vezes durante o dia:  Somos bons e verdadeiros cristãos? (Cf. verdadeiros cristãos. I) Eu estou configurado ao meu Senhor Jesus Cristo a quem eu acredito, amo e sigo? (Cf. Os absurdos atuais em relação a fé cristã. II) Basta aqui essas duas perguntas para refletirmos na nossa caminhada de fé.  Em detrimento de ambas, a resposta nós a daremos com as nossas ações e o conhecimento que tivermos do Cristo Jesus.

Analisando várias situações diárias, quantas vezes nós dizemos em vários momentos que seguir a Cristo não é fácil. Pois para isso, implica renúncias, dores físicas e espirituais, humilhações e perdas e tantas outras dificuldades e muitos sofrimentos. Fazemos belos discursos, homilias, conferências para retiros, etc, em relação a esse seguimento e ao amor que devemos ter para com Jesus, mas na prática tudo é bem diferente das teorias e das palavras que proferimos. É muito comum o nosso desejo de seguir a Cristo com uma vida cômoda, feliz, isento de problemas e dores. É verdadeiramente aí que nascem as complicações da vida e da caminhada de fé. A falta de coerência, a hipocrisia e outros vícios que cultivamos e mimamos em nossas almas.

Não há outro caminho para seguir a Cristo que não seja pelo sofrimento. Isso não quer dizer que o homem deve ser amargurado, abatido. Nada disso. O verdadeiro cristão não se abate e muito menos se amargura diante dos sofrimentos. Ele vive e enfrenta tudo com força, resignação e fé n’Aquele que ele diz ser seu Deus e o seu Mestre, o próprio Jesus Cristo. Vemos que muitas vezes as dificuldades e dores são para nos fortalecermos mais na fé. Sabemos que o sucesso sempre vem pelos trabalhos que desempenhamos bem, ou seja, o nosso coroamento pelas fadigas enfrentadas com coragem.

Jesus na sua humanidade era um homem pleno, apesar de tantos sofrimentos desde o seu nascimento, infância, juventude, até a sua morte a qual foi tão violenta. Mas no final dos sofrimentos humanos ele ressuscitou glorioso como o Senhor de tudo com o Pai. Por isso, ele nos ensinou: Dizia ele a todos: “Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia e siga-me. Pois aquele que quiser salvar sua vida a perderá, mas o que perder sua vida por causa de mim, a salvará. Com efeito, que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se se perder ou arruinar a si mesmo? Pois quem se envergonhar de mim e de minhas palavras, o Filho do Homem dele se envergonhará, quando vier em sua glória e na do Pai e dos santos anjos. (Lc 9,23-26). Cf. Lc 14,27; Mt 10,38; 16,24-27; Mc 14,27; Jo 12,25.

Então diante das dificuldades que aparecerem na nossa caminhada da vida cristã não fujamos dela; enfrentemo-la com coragem. Não sejamos como o Profeta Jonas que ao ser chamado por Deus para ir a pregar na cidade de Nínive, ele foge da missão recebida. Muitas vezes essa também é a nossa atitude diante da missão que recebemos de Deus. Fugirmos da sua face e missão. “A palavra de Iahweh foi dirigida a Jonas, filho de Amati: “Levanta-te, e vai a Nínive, a grande cidade, e anuncia contra ela que a sua maldade chegou até mim”. E Jonas levantou-se para fugir para Társis, para longe da face de Iahweh. Ele desceu a Jope e encontrou um navio que ia para Társis, pagou a passagem e embarcou para ir com eles para Társis, para longe da face de Iahweh”. (Jn 1,1-3). Nós somos como Jonas. É bom lermos todo o livro para que entendamos bem o que Deus lhe pede. E ainda podemos ver no capítulo quarto o profeta aborrecido com a ação de Deus. (Jn 4,6-11). Esse livro é importante para a nossa missão.

Realmente as coisas acontecem dessa maneira: quando estamos bem de saúde, de vida estabilizada, de bem com os amigos e familiares, etc. Falamos a Deus que o amamos e jamais o deixaremos; bem como tantas outras juras de amor fazemos diante d’Ele, no entanto, quando acontece qualquer sofrimento ou perda ou até um aborrecimento qualquer, as vezes dificuldades pequenas e já mudamos de atitude diante de Deus. Já o vemos com outros olhos. Tudo o que dissemos anteriormente, parece que esquecemos completamente. Dizemos que ele nos puniu, nos esqueceu, nos abandonou, perguntamos onde Ele estava? Por que deixou isso acontecer comigo ou com o outro? E outros inúmeros questionamentos sem fundamento nenhum que verdadeiros cristãos que dizemos ser, jamais deveríamos fazer a Deus, que é onisciente (sabe de tudo). Pois é! É bom constantemente nos perguntarmos. Onde está o bom cristão que dizíamos ser enquanto estávamos bem? Estas são algumas das dificuldades atuais; a falta de conhecimento e de fé no que acreditamos. A cada dia a Igreja encontra e enfrenta inúmeras dificuldades diante de uma geração enfraquecida e perdida nos seus conceitos principalmente os da fé. Geração que trazem muitas bagagens teóricas, porém, pouco aprofundamento nelas. Portanto, tudo isso atinge de modo direto e indireto a caminhada e a vida da Igreja. Diante de todas essas e outras dificuldades que nos aparecer estejamos atentos para não sermos enganados pelo inimigo de Cristo. Peçamos sempre a luz do Espírito Santo para que ele nos guie e nos ilumine na grande caminhada que nos conduz a Deus. Também nos lembremos sempre do que nos disse o nosso bom Pastor Jesus Cristo: “Eu sou o bom pastor; conheço as minhas ovelhas e as minhas ovelhas me conhecem, como o Pai me conhece e eu conheço o Pai. Eu dou minha vida pelas minhas ovelhas”. (Jo 10,14-15).


Cf. Devemos ser verdadeiros cristãos. (I)

Cf. Os absurdos atuais em relação a fé cristã. (II)


REFERÊNCIAS

BÍBLIA DE JERUSALÉM. Nova edição, revista e ampliada. São Paulo: Paulus, 2002.

Ut In Omnibus Glorificetur Deus (RB 57,9)

 


quarta-feira, 23 de outubro de 2024

OS ABSURDOS ATUAIS EM RELAÇÃO A FÉ CRISTÃ. (II)

 

Dom Gilvan Francisco dos Santos, O.S.B

(Monge Beneditino)

Salvador, Bahia – 23 de outubro de 2024


"Houve, contudo, também falsos profetas no seio do povo, como haverá entre vós falsos mestres, os quais trarão heresias perniciosas, negando o Senhor que os resgatou e trazendo sobre si repentina destruição. Muitos seguirão suas doutrinas dissolutas e, por causa deles, o caminho da verdade cairá em descrédito. Por avareza, procurarão, com discursos fingidos, fazer de vós objeto de negócios; mas seu julgamento há muito está em ação e a sua destruição não tarda”. (2Pd 2,1-3). 

Já tendo analisado um pouco como devemos ser verdadeiros cristãos (I), agora passemos a análise de alguns absurdos que aparecem constantemente em relação ao seguimento da nossa fé cristã. Problemas sérios que afetam diretamente a nossa vida como um todo.

A história da humanidade, das religiões, das instituições, das seitas, das famílias, em fim, das relações humanas em geral, sempre foram muito complexas e delicadas. Sempre houve, há, e haverá muitos absurdos referentes a fé e a vida cristã e não só a elas, mas, em qualquer outra crença abraçada. O homem, por estar sempre buscando respostas pelo que não conhece completamente, ou seja, o mistério, muitas vezes criam ou se agarram a coisas que não estão em conformidade com o modo de vida que ele diz abraçar. Isso é muito comum, principalmente na sociedade atual. A insegurança na crença que diz ter, a falta do conhecimento do que segue e do que acreditam, faz o seguidor se desviar do caminho que dizem seguir. Não se aprofundam mais no seguimento escolhido. Escutamos muito essa expressão: “Eu gosto dessa linha de seguimento, então, eu sigo sem problema nenhum para o que eu acredito”. Isso é uma falácia. Há muitas coisas que gostamos, sim, fora da nossa crença, mas não convém a fé que abraçamos. Isso é em relação a qualquer outra crença e não só a cristã. Por causa desse pensamento temos muitas dificuldades no caminho escolhido, muitas discórdias, divisões e diversos sofrimentos.

As relações humanas com o cosmos, com o seu próximo, com os animais, com a natureza, etc, na mais da vezes sempre foram e são muito complexas, conflituosas e confusas. Isso é tão certo, que muitas realidades humanas não entendemos nem em relação a nós mesmos; certos atos nossos e reações que praticamos, seja em relação a nós mesmos, ou ao que está fora, a nossa volta. É justamente isso que nos tornam seres tão complexos. Porquanto, todo esse emaranhado de coisas e reações nossas são a causa muitas vezes dos conflitos gerados em nós, e entre nós humanos, também com a natureza e os outros seres, ou seja, a causa de muitos sofrimentos na história universal.

Vemos surgir a cada dia opiniões muitas vezes estranhas a sociedade, a fé, aos bons costumes; opiniões e conceitos que estão fora da caridade e das outras virtudes. Conceitos bizarros em relação a vida, a religião, a família, a educação. Notícias falsas de todos os tipos, constantes golpes, crimes cometidos em nome de Deus e da religião, profecias falsas que a muitos deixam aterrorizados, e estagnados no caminho, etc. Tudo isso, estão deixando as pessoas anestesiadas, impermeabilizadas, desconfiadas uma das outras, enlouquecidas diante das relações com os outros e tudo o que está a sua volta. Pessoas tão perdidas nos seus conceitos cristãos que não conseguem mais caminhar naturalmente na fé. Vemos uma grande quantidade de pessoas com depressão, ansiedades, com diversos problemas de saúde, com doenças de todos os tipos e psicologicamente perturbadas. Isso é um fato e uma séria realidade social e eclesial. O corpo humano não consegue guardar e digerir tantas informações e mudanças repentinas, bem como uma grande injeção de coisas nocivas a sua existência e a sua fé. Parece-me que não mais estão percebendo a gravidade dessas mudanças sociais e eclesiais que a cada dia só pioram. Portanto, faz-se necessário pararmos um pouco para refletirmos a cada dia como estamos seguindo a nossa fé cristã. Não só a cristã, mais qualquer outra linha de pensamento que abraçamos para a nossa vida, e, com isso, nos perguntemos sempre diante dessas situações mundiais: como estou vivendo em meio a tantas coisas nocivas que nos apresentam constantemente? E, O que devo guardar dos conceitos constantemente apresentados, para que eu tenha uma vida saudável? Devemos ficar alerta, pois muitas coisas são apresentadas como boas, mas por trás não são. Então, mais cedo ou mais tarde, nos fará um grande mal.

Sabemos que sempre houve na história muitas interpretações falsas e com isso também muitas profecias falsas na caminhada da Igreja e da humanidade. Porém, nos dias atuais estas falsas interpretações e falsas profecias se tornaram mais perigosas em detrimento das redes sociais, a globalização, e o alcance mundial que tem as plataformas digitais. O que hoje é lançado, mesmo de um lugar remoto, repercute no mundo inteiro com mais ou menos intensidade, porém repercute. E numa rapidez impressionante. Vemos as claras um turbilhão de maluquices, memes pesados com as coisas sagradas, sátiras em relação a sérios assuntos humanitários e instituições, interpretações de todos os tipos por muitos que não tem nenhuma competência filosófica nem teológica, os quais fazem muitos cristãos que não tem uma boa instrução teológica e muitas vezes formação adequada, ao menos o básico, caírem em muitas heresias e desvios da fé. Heresias, estas que já foram resolvidas por séculos pelos Concílios da Igreja com a inspiração do Espírito Santo. É por causa disso, que vemos uma grande quantidade de gente na Igreja ou em qualquer outra credo, que nada fazem ou mesmo perturbam a estrutura. Estão ali apenas por estar. São seguidores falaciosos que carregam apenas o nome da religião que dizem seguir.

Para nós cristão, as sagradas Escrituras será sempre o livro inspirado onde devemos como verdadeiros cristãos, buscar as respostas do bom seguimento do Senhor Jesus Cristo e não nos deixarmos enganar por qualquer profecias ou interpretações errôneas que escutarmos. São Pedro, na sua carta, com muita sabedoria nos alerta sobre isso, ao dizer: “Temos, também por mais firme a palavra dos profetas, à qual fazeis bem em recorrer como a uma luz que brilha em lugar escuro, até que raie o dia e surja a estrela d'alva em nossos corações. Antes de mais nada, sabei isso: que nenhuma profecia da Escritura resulta de interpretação particular, pois que a profecia jamais veio por vontade humana, mas os homens impelidos pelo Espírito Santo falaram da parte de Deus”. (2Pd 1,20-21). Portanto, tenhamos muito cuidado e atenção quanto a isso! Há muitos falsos doutores que nada tem de inspiração divina, mas deseja guiar a muitos nos seus próprios rebanhos e não no rebanho do Senhor Jesus Cristo.

Muitos atualmente por não se encontrarem mais consigo mesmos, nem com os outros, criam seus próprios mundos, suas ideias e seus conceitos sobre tudo, principalmente sobre as religiões. Estes, tentam colocar, quase que impondo na cabeça das pessoas, conceitos errôneos sobre as religiões, os governos, os sistemas a séculos já consolidados e corretos, propagando pensamentos de ódio e muitas vezes até contra a vida. Eles, não querem mais se adequar a nada que esteja fora do seu pensamento e das suas ideias, daí nascem as desmistificações das coisas imprescindíveis a vida humana, que é a caridade fraterna, a amizade, o cuidado do corpo, e da natureza em geral. Na mais das vezes, estas pessoas não possuem um vasto conhecimento dos assuntos que eles vomitam e querem impor para a sociedade, são rasos e vazios. Portanto, tenhamos cuidado com o que concordarmos e o que devemos guardar em nossas mentes ou repassarmos para outros!

Os dias atuais como os de outrora, estão cheios de falsos doutores. Enganamo-nos ao dizermos que os tempos antigos eram melhores que os atuais. Cada tempo tem as suas particularidades. A história sempre se repete, apenas de uma forma diferente. Tudo o que vemos nos dias atuais, sempre existiu. Hoje, de forma diferente, porque são tempos diferentes, é claro. São Pedro na sua carta nos dirá: “Houve, contudo, também falsos profetas no seio do povo, como haverá entre vós falsos mestres, os quais trarão heresias perniciosas, negando o Senhor que os resgatou e trazendo sobre si repentina destruição. Muitos seguirão suas doutrinas dissolutas e, por causa deles, o caminho da verdade cairá em descrédito. Por avareza, procurarão, com discursos fingidos, fazer de vós objeto de negócios; mas seu julgamento há muito está em ação e a sua destruição não tarda”. (2Pd 2,1-3). Tudo isso que São Pedro ensina e alerta os cristãos nos primeiros séculos da Igreja, acaso há diferença nos dias atuais?

Por essa razão que devemos estar sempre atentos para não cairmos em ciladas. Fugamos das paixões e sigamos a justiça, numa luta contra os perigos atuais dos falsos doutores e profetas, os perigos da globalização. Na epístola segundo São Timóteo temos vários conselhos para um bom seguimento de Cristo. Um deles é este: “Foge das paixões da mocidade. Segue a justiça, a fé, a caridade, a paz com aqueles que, de coração puro, invocam o Senhor. Repele as questões insensatas e não educativas. Tu sabes que elas geram brigas. Ora, o servo do Senhor não deve brigar; deve ser manso para com todos, competente no ensino, paciente na tribulação. É com suavidade que deve educar os opositores, na expectativa de que Deus lhe dará não só a conversão para o conhecimento da verdade, mas também o retorno à sensatez, libertando-os do laço do diabo, que eu tinha cativos de sua vontade”. (2Tm 2,22-26).

Para um melhor esclarecimento leiamos todo o capítulo terceiro da segunda carta de São Timóteo, que tem como título: Advertência contra os perigos dos últimos tempos, o qual nos ensina com muita sabedoria e inspiração do Espírito Santo sobre os assuntos que estamos tratando. Ele, assim nos fala:

“Sabe, porém, o seguinte: nos últimos dias sobrevirão momentos difíceis. Os homens serão egoístas, gananciosos, jactanciosos, soberbos, blasfemos, rebeldes com os pais, ingratos, iníquos, sem afeto, implacáveis, mentirosos, incontinentes, cruéis, inimigos do bem, traidores, atrevidos, enfatuados, mais amigos dos prazeres do que de Deus; guardarão as aparências da piedade, negando-lhe, entretanto, o poder. Afasta-te também destes. Entre estes se encontram os que se introduzem nas casas e conseguem cativar mulherzinhas carregadas de pecados, possuídas de toda sorte de desejos, sempre aprendendo, mas sem jamais poder atingir o conhecimento da verdade. Do mesmo modo como Janes e Jambres se opuseram a Moisés, assim também estes se opõem à verdade; são homens de espírito corrupto, de fé inconsistente. Mas eles não irão muito adiante, pois a sua loucura será manifesta a todos, como o foi a daqueles. Tu, porém, me tens seguido de perto no ensino, na conduta, nos projetos, na fé, na longanimidade, na caridade, na perseverança, nas perseguições, nos sofrimentos que conheci em Antioquia, em Icônio, em Listra. Que perseguições eu sofri! E de todas me livrou o Senhor! Aliás, todos os que quiserem viver com piedade em Cristo Jesus serão perseguidos. Quanto aos homens maus e impostores, progredirão no mal, enganando e sendo enganados. Tu, porém, permanece firme naquilo que aprendeste e aceitaste como certo; tu sabes de quem o aprendeste. Desde a infância conheces as sagradas Letras; elas têm o poder de comunicar-te a sabedoria que conduz à salvação pela fé em Cristo Jesus. Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para instruir, para refutar, para corrigir, para educar na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito, qualificado para toda boa obra”. (2Tm 3,1-17). Esse capítulo é muito importante porque faz uma análise minuciosa da época, mostrando assim as dificuldades no seguimento de Cristo, os erros daquele que não querem seguir os caminhos de Jesus e termina dando importantes conselhos e pistas para uma boa vida e vivência cristã.

Mesmo diante de tantas dificuldades, sofrimentos e fadigas, sejamos sempre fortes na fé que abraçamos. Ninguém ressuscita se não morrer, ou seja, para conseguirmos a coroa de glória que Deus preparou para cada um de nós, teremos que passar pela cruz. O próprio Jesus Cristo nos mostrou isso com a sua santa vida. Ele passou pela Paixão, Morte e, por fim a Ressurreição. Fugir da cruz não é atitude de verdadeiro cristão. Abracemos com amor e resignação a cruz que foi posta ou imposta em nossos ombros, pois cada um sabe bem qual é a sua. Saibamos que, a nossa fé sempre será provada como o ouro na fornalha. Não permitamos que a nossa fé seja vacilante. Ouçamos a São Tiago nos ensina: “Bem-aventurado o homem que suporta com paciência a provação! Porque, uma vez provado, receberá a coroa da vida, que o Senhor prometeu aos que o amam”. (Tg 1,12).

Diante de tudo, que, aqui, foi explanado, estejamos sempre atentos todos os dias as nossas atitudes e relações humanas; principalmente relativos aos nossos comportamentos em relação a fé cristã e a religião que seguimos e acreditamos. 


Cf. Devemos ser verdadeiros cristãos. (I)


REFERÊNCIAS

BÍBLIA DE JERUSALÉM. Nova edição, revista e ampliada. São Paulo: Paulus, 2002.

Ut In Omnibus Glorificetur Deus (RB 57, 9)


sábado, 28 de setembro de 2024

DEVEMOS SER VERDADEIROS CRISTÃOS. (I)

 

Dom Gilvan Francisco dos Santos, O.S.B

(Monge Beneditino)

Salvador, Bahia – 28 de setembro de 2024


"Aquele que não toma sua cruz e não me segue não é digno de mim”. (Mt 10,38). 

 Em todas as religiões, bem como nas outras denominações cristãs, ouvimos constantemente os seus seguidores falarem: Eu sou cristão! Eu sigo a Jesus Cristo! Eu pratico os seus ensinamentos. E, tantas outras justificativas que damos quando nos perguntam sobre a nossa religião e o nosso seguimento cristão. Mas, será que isso é uma verdade? Seguimos verdadeiramente a Cristo? Somos mesmo verdadeiros cristãos? Estas são perguntas importantes para nós todos que nos denominamos cristãos. Mas, o que é ser um verdadeiro cristão? A resposta, entre muitas outras, a mais correta e direta é: O verdadeiro cristão é aquele que está configurado com Jesus Cristo. Ou seja, estar sempre caminhando com Jesus, ajustado aos seus ensinamentos, fazendo a opção de segui-lo em tudo e ser sempre fiel a essa promessa. Sabemos que está configurado implica no permanecer nas definições as quais foram configuradas por nós. Pois, configurar é uma definição de opções ou parâmetros, um ajuste a uma pessoa, a um sistema informático, um objeto ou a algum equipamento.

Mas, quando e onde surgiu essa nomenclatura de cristãos para os discípulos seguidores de Jesus? Se formos aos Atos dos Apóstolos, veremos que o autor desse livro nos diz: “Entretanto, partiu Barnabé para Tarso, a procura de Saulo. De lá, encontrando-o, conduziu-o a Antioquia. Durante um ano inteiro, conviveram na Igreja e ensinaram numerosa multidão. E foi em Antioquia que os discípulos, pela primeira vez, receberam o nome de “cristãos”. (At 11,25-26). Foram os ensinamentos, e mais ainda, os testemunhos de Paulo e Barnabé, com os outros discípulos os quais trabalhavam incansavelmente, pondo em prática com firmeza tudo o que pregavam. Esse foi o motivo de serem chamados cristãos, ou seja, eles estavam de acordo com a doutrina e ensinamentos de Jesus Cristo, portanto, configurados com ele. Só assim seremos verdadeiros cristãos. Não há outra maneira. O verdadeiro cristão vive configurado ao Cristo. Dessa resposta partem todas as outras possibilidades de seguimentos e resoluções na caminhada para Deus.

É muito reconfortante e revigorante para nós que verdadeiramente seguimos a Jesus Cristo, sabermos os caminhos que deveremos percorrer e os ensinamentos verdadeiros que devemos seguir, para que assim possamos chegar a glória do Pai. Mas, quais ensinamentos devemos seguir e quais caminhos percorrer? O próprio Jesus nos dirá que deveremos seguir os seus ensinamentos, os quais são verdadeiros, e percorrer os caminhos do amor, dos sofrimentos, da paz, da esperança, etc, porém, todos eles passam pela cruz. É justamente essa configuração com a cruz do Senhor, que muitos fogem, como fez o jovem rico que não quis distribuir as suas posses para os pobres e seguir o Mestre. Interessante nesse diálogo, é, que, após, Jesus, lhes mostrar os Mandamentos de Deus, o jovem lhe responde que guarda a todos, e pergunta a Jesus, o que me falta ainda? Quando Jesus lhe diz: “se desejas ser perfeito, venda tudo o que tens e dê para os pobres”, então, o moço, se entristece e vai embora. (cf. Mt 19,16-22). Aqui, vemos como abraçar a cruz é custoso para nós cristãos.

Todos nós que nos denominamos cristãos deveremos estar em conformidade com a sua doutrina e sua cruz. Por isso, o verdadeiro cristão segue com serenidade os difíceis caminhos. Foi o próprio Senhor quem nos mandou percorrê-los, e foi ele quem nos mostrou com a sua santa vida, como seriam estes caminhos. Não foram os anjos. Os profetas do Antigo Testamento. Os Apóstolos e os santos. Não! Nenhum deles nos mandou nem nos mostrou, por primeiro, estes seguimentos. O próprio Jesus nos ensinou e nos mostrou o caminho para o Pai.

Em várias passagens dos Evangelhos e de todo o Novo Testamento, os autores sagrados nos mostram e afirmam com ênfase quem nos mandou percorrê-los, na alegria e paciência, para assim podermos permanecer firmes nos difíceis caminhos para o céu. Sabemos bem que as vitórias não se conquistam com facilidade, e, em vista disso, costumo dizer sempre para as pessoas que vem em busca de conselhos, que: “Ninguém vai para o céu de sapatilhas”, ou seja, temos que pisar em pedras, espinhos, lamas, ter perdas, as vezes nos rebaixarmos para não gerar contendas, nos calarmos, etc, para lá chegar. Tudo isso, foi o próprio Jesus Cristo quem nos ensinou. Como deveremos segui-lo e como deveremos nos configurarmos a ele, quando ele nos fala: Aquele que não toma sua cruz e não me segue não é digno de mim. Aquele que acha a sua vida, a perderá, mas quem perde sua vida por causa de mim, a achará”. (Mt 10,38). Pois bem! Jesus não vem a nós com meias palavras, dando aquele jeitinho como nós costumamos fazer. Ele diz: Tome a sua cruz e siga-me. Ou seja, não há outra maneira de imitar-me senão pela cruz. Venham atrás de mim e não errarão jamais. Por causa disso, vemos na história da humanidade uma constelação de pessoas de todas as idades, raças, línguas e condições sociais que se santificaram por que levaram a sério em suas vidas a configuração ao Cristo Jesus, nosso Senhor.

Portanto, não basta apenas crê, é preciso praticar os ensinamentos daquele a quem temos por Mestre. Muitas vezes ficamos apenas na teoria, dizendo tenho fé, sou cristão, mas não progredimos no seguimento de Jesus. Por isso, Jesus fala para os judeus: “Disse, então, Jesus aos judeus que nele haviam crido: “Se permanecerdes na minha palavra, sereis verdadeiramente meus discípulos e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”. (Jo 8,31-32). Esse permanecer significa a prática dos ensinamentos. Jesus, assim falou, porque sabia bem que os judeus conheciam bastante os mandamentos, mas tinham dificuldades em praticá-los. Por isso, vemos em outras passagens onde Jesus vai ser bem categórico e duro com eles, dizendo que eles impunham fados pesados sobre os ombros dos outros, onde não tocam nem com um só dedo, e, assim, lança sobre os fariseus e escribas, aqueles que tem essa prática, sete maldições (cf. Mt 23,13-39). “[...] não imiteis suas ações, pois dizem mas não fazem. Amarram fardos pesados e os põem sobre os ombros dos homens, mas eles mesmos nem com um dedo se dispõem a movê-los. Praticam todas as suas ações com o fim de serem vistos pelos homens”. (Mt 23,2-5). Jesus abomina a hipocrisia e a injustiça.

Por isso ele nos ensinou: Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia e siga-me. Pois aquele que quiser salvar sua vida a perderá, mas o que perder sua vida por causa de mim, a salvará. Com efeito, que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se se perder ou arruinar a si mesmo? Pois quem se envergonhar de mim e de minhas palavras, o Filho do Homem dele se envergonhará, quando vier em sua glória e na do Pai e dos santos anjos. (Lc 9,23-26). (cf. Mt 10,38; 16,24-27; Mc 8,34-38; Lc 14,27 e Jo 12,25). Estas são passagens importantíssimas para os verdadeiros cristãos, e para os que desejam ser.

Como já foi dito, conhecer apenas os mandamentos, isso não nos torna verdadeiros cristãos. Devemos conhecê-los e praticá-los. Isso é abraçar a cruz de Cristo.

Lembremo-nos da passagem em que Filipe conhecia bem os mandamentos e andava com Jesus, pois era o seu discípulo, mas ainda não conhecia bem o seu Mestre. Quando Jesus falava do Pai, ou seja, de si mesmo, Filipe ficava confuso e, por isso, ele lhe pergunta: “Senhor, mostra-nos o Pai e isso nos basta!” Diz-lhe Jesus: “A tanto tempo estou convosco e tu não me conheces, Filipe? Quem me vê, vê o Pai. Como podes dizer: ‘Mostra-nos o Pai!’? Não crês que estou no Pai e o Pai está em mim? As palavras que vos digo, não as digo por mim mesmo, mas o Pai que permanece em mim realiza suas obras. Crede-me: eu estou no Pai e o Pai em mim”. (Jo 14,8-10). Com isso, Jesus quis mostrar que, se ele estava no Pai, os seus discípulos também deveriam permanecer nele. E seguir os seus passos em tudo. Assim sendo, São Paulo na carta aos Gálatas nos diz: “Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim. Minha vida presente na carne, vivo-a pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou a si mesmo por mim”. (Gl 2,20). E prossegui: “Doravante ninguém mais me moleste. Pois trago em meu corpo as marcas de Jesus”. (Gl 6,17).

Um belo Apoftegma dos Padres do deserto (antigos monges) traduzido do copta, exprime para nós, de modo muito belo a importância da vida interior, a perseverança que devemos ter na caminhada para Deus, e o foco que todos nós cristãos devemos ter na pessoa de Jesus Cristo.  Isso indispensável a toda existência e vivência cristã. A vida monástica a qual o texto se refere, cada um saberá na sua caminhada do que se tratará. Vejamos:


“Um monge encontra outro e lhe pergunta: “Por que tantos abandonam a vida monástica? Por quê? E o outro monge respondeu: “A vida monástica é como um cão que percebe uma lebre. Ele corre atrás da lebre latindo; muitos outros cães, ouvindo seu latido o alcançam e correm todos juntos atrás da lebre. Mas no fim de algum tempo, todos os cães que correm sem ver a lebre dizem: mas aonde é que nós vamos? Por que corremos? Eles se cansam, se perdem e param de correr, um depois do outro. Somente os cães que veem a lebre continuam a persegui-la até o fim, até que eles a apanhem”. E a história conclui: apenas aqueles que têm os olhos fixados na pessoa de Cristo na Cruz perseveram até o fim...

Portanto, devemos abraçar a cruz e permanecermos seguros no Cristo e nos seus ensinamentos, os quais nos conduzirão ao Reino de Deus. 

PASSAGENS RELATIVAS A

 CONFIGURAÇÃO COM CRISTO.

 

- Mt 19,16-22 – O jovem rico.

- Mt 23,27-32 – Crítica aos fariseus.

- Jo 6,60-69 – Alguns que não creem.

- At 11,26 – Chamados cristãos pela primeira vez.

- At 20,23-24 – Os sofrimentos.

- 1Cor 2,2 – Saber apenas do Cristo crucificado.

- 1Cor 1,23-24 – Pregar Jesus e não se escandalizar.

- 1Jo 5,4-5 – Vence o mundo quem nasce de Deus.

- Fl 3,18 – Inimigos de Cristo.

- Gl 2,20 – A glória da cruz. Crucificados com Cristo.

- Gl 5,24 – Crucificar a carne por amor a cristo.

- Gl 6,14-17 – Gloriar-me na cruz de Cristo. 


Cf. Os absurdos atuais em relação a fé cristã. (II)

Cf. Algumas dificuldades atuais na caminhada de fé da vida cristã (III).

REFERÊNCIAS

BÍBLIA DE JERUSALÉM. Nova edição, revista e ampliada. São Paulo: Paulus, 2002.

Ut In Omnibus Glorificetur Deus (RB 57, 9)