Santo
Antonio de Pádua
“Martelo dos hereges”
O grande Santo de Pádua – ou de Lisboa, sua cidade natal – embora com uma curta
existência terrena, tornou-se um dos santos mais populares do mundo, sendo
venerado tanto no Oriente quanto no Ocidente.
Protetor
dos pobres, o auxílio na busca de objetos ou pessoas perdidas, o amigo nas
causas do coração. Assim é Santo Antônio de Pádua, frei franciscano português, que
trocou o conforto de uma abastada família burguesa pela vida religiosa.
“Doutor da Igreja”, “Martelo dos Hereges”, “Doutor Evangélico”, “Arca do
Testamento”, “Santo de todo o mundo” – são alguns dos títulos com que os
Soberanos Pontífices honraram aquele cuja vida foi, no dizer de um de seus
biógrafos, um milagre contínuo.
É o santo
dos milagres, tal a quantidade de fatos extraordinários e sobrenaturais,
obtidos através de sua oração, que acompanhavam a sua pregação.
Sua língua está miraculosamente conservada em Pádua, há 775 anos. A sua devoção
no Brasil foi uma rica herança dos portugueses.
Natural
de Lisboa onde nasceu em 15 de agosto 1195, Ele era o filho único herdeiro dos
nobres Martinho de Bulhões e Teresa Taveira, o futuro santo recebeu no batismo
o nome de Fernando. De boa índole, inclinado à piedade e às coisas santas, sua
formação espiritual e intelectual foi confiada aos cônegos da Catedral de
Lisboa por seu pai, oficial no exército de D. Afonso. Reservado, Fernando
preferia a solidão das bibliotecas e dos oratórios às discussões religiosas.
Segundo
alguns de seus biógrafos, na adolescência Fernando foi acometido por violenta
tentação contra a pureza. Para aplacá-la, estando na catedral, o jovem traçou
uma cruz com os dedos, numa coluna de mármore, ficando nela impressa como em
cera. Avaliando nessa ocasião os perigos que corria, o adolescente quis entrar
para o mosteiro de São Vicente de Fora, dos Clérigos Regulares de Santo
Agostinho, nos arredores da capital portuguesa, quando contava 19 anos de
idade.
Ali
permaneceu dois anos, findos os quais, por ser muito procurado por parentes e
amigos, pediu aos superiores que o transferissem para o mosteiro Santa Cruz de
Coimbra, casa-mãe do Instituto.
Foi
ordenado sacerdote em 1220. Frei Fernando, entretanto, almejava abraçar um
gênero de vida mais perfeito e mais de acordo com suas íntimas aspirações.
Transferência para a Ordem Franciscana
Quando
chegaram a Coimbra os restos mortais dos cinco protomártires franciscanos, que
deram sua vida pela Fé no Marrocos, Frei Fernando sentiu imenso desejo de
imitá-los, vertendo também seu sangue por Cristo.
Um dia,
no verão de 1220, quando dois franciscanos foram ao seu mosteiro pedir esmola,
Frei Fernando perguntou-lhes se, passando ele para sua Ordem, o enviariam à
terra dos mouros para lá sofrer o martírio. Eles deram resposta afirmativa. No
dia seguinte, depois de obter, a duras penas, autorização de seu Superior,
mudou-se para o eremitério franciscano, onde se tornou um filho de São
Francisco de Assis.
Frei
Fernando mudou então seu nome para o do onomástico do eremitério, Antonio, que
ele imortalizaria.
Conforme
o combinado, Frei Antonio foi enviado no fim desse mesmo ano à África.
Entretanto não estava nos planos da Providência que ele ilustrasse a Igreja
como mártir, mas com suas pregações e santa vida.
Assim, chegando
ao continente africano, foi atacado de terrível doença, que o reteve no leito
por longo período. Os superiores decidiram que, para curar-se, Frei Antonio
deveria voltar a Portugal.
Guiado pela mão da Divina Providência.
A mão da
Providência, no entanto, desejava-o em outro campo de luta. O navio em que
estava o convalescente, levado pela tempestade, foi parar nas costas da Itália,
onde o santo encontrou abrigo em Messina, na Sicília. Lá soube que o seráfico
São Francisco havia convocado um Capítulo em Assis, para maio de 1221. Antonio
poderia, enfim, ver o pai e fundador dos franciscanos e contemplar sua angélica
virtude.
Naquela
grande assembléia o Provincial da Romênia resolveu levá-lo consigo. Homem
de oração, Santo Antônio (que se tornou santo porque dedicou toda a sua
vida para os mais pobres e para o serviço de Deus.) sentiu a
necessidade de se retirar para um local afastado e ali sentir Deus.
Frei
Antonio obteve dele licença para permanecer no eremitério do Monte Paulo a fim
de entregar-se ao isolamento e à contemplação. Ali viveu como eremita;
partilharam desta mesma idéia alguns dos seus companheiros de hábito
Franciscano. O quarto onde dormia era simples, teciam a própria roupa, faziam
os serviços mais humildes. Foi um período de aproximadamente um ano. Entretanto
a mão de Deus velava sobre ele, e chegou o tempo em que aquela luz
deveria brilhar para o bem do mundo inteiro.
Inicia a vida Apostólica como grande Pregador
Foi
enviado a Forli com alguns franciscanos e dominicanos que deveriam receber as
ordens sacras. O Padre guardião do convento em que se hospedavam pediu que
algum dos presentes dissesse algo para a glória de Deus e edificação dos
demais. Um a um, foram todos escusando-se por não estarem preparados. Restava
Antonio. Sem muita convicção, o Superior mandou-lhe então que falasse, à falta
dos demais.
Era a
primeira vez que Antonio falava em público, e então viu-se a maravilha: de sua
boca saíram palavras de fogo, demonstrando profundo conhecimento teológico e
das Escrituras, tudo exposto com uma lógica, clareza e concisão que conquistou
a todos.
Entusiasmado,
o Guardião comunicou aquele sucesso ao Provincial, que transmitiu a notícia a
São Francisco. O Poverello mandou então que Frei Antônio estudasse teologia
escolástica para dedicar-se à pregação. Pouco depois, em vista de seus
progressos, ordenou-lhe S. Francisco que trabalhasse na salvação das almas. Era
o ano 1222.
Força irresistível de suas palavras.
Segundo
seus biógrafos, ele tinha um exterior polido, gestos elegantes e aspecto
atraente. Sua voz era forte, clara, agradável, e sua memória feliz. A essas
vantagens, juntava uma ação cheia de graça.
Entretanto,
seu traço característico, o milagre constante de sua existência, é a força
incontestável de sua pregação, o poder de sua voz sobre os corações e as
inteligências.
Quando
ele fulminava os vícios e as heresias — das quais o mundo estava então
extremamente infectado — era como uma torrente de fogo que revira tudo, e à
qual ninguém pode resistir. Freqüentemente, se bem que falasse (durante o
sermão) uma só língua, era entendido por pessoas de toda espécie de países. Daí
seu sucesso extraordinário, tanto na Itália quanto na França. Por isso, o Provincial
o encarregou da ação apostólica contra os hereges na região da Romanha e no
norte da Itália quando se tornou extraordinário pregador popular.
Após
alguns anos de frade itinerante, foi nomeado, por carta, por São Francisco, o
primeiro Leitor de Teologia da Ordem. Mas, este magistério de teologia
para os franciscanos de Bolonha demorou pouco porque o Papa mobilizou todos os
pregadores dominicanos e franciscanos para combater a heresia albigense na
França. Por isso, passou três anos, lecionando, pregando e fazendo milagres no
sul da França – Montpellier, Toulouse, Lê Puy, Bourges, Arles e Limoges.
Os Milagres.
As
multidões acorriam, e até os comerciantes fechavam suas lojas para ir ouvi-lo;
a cidade e toda a redondeza literalmente paravam. Sendo pequenas as igrejas
para tanta gente — às vezes chegavam a juntar-se até 30 mil pessoas num só
sermão — ele falava nas praças públicas. Quando terminava, “era necessário que
alguns homens valentes e robustos o levantassem e protegessem das pessoas que
vinham beijar-lhe a mão e tocar-lhe o hábito”. O número de sacerdotes que o
acompanhavam era pequeno para depois ouvirem as confissões dos que, tocados por
seu sermão, queriam emendar-se de vida.
Seus
sermões eram seguidos de milagres como não se viam desde o tempo dos Apóstolos.
Praticamente não havia coxo, cego ou paralítico que, depois de receber sua
bênção, não ficasse são. Numa ocasião converteu 22 ladrões, que por curiosidade
foram ouvi-lo. O número de hereges por ele convertidos não tem fim.
Pregação aos peixes para confundir os indiferentes.
Um dos
milagres mais conhecidos de Santo Antonio foi sua pregação aos peixes. Na
cidade italiana em Rimini ao norte da Itália, os hereges impediam o povo de ir
aos seus sermões. Algumas pessoas correram na frente de Antônio e preveniram o
povo daquela cidade afirmando que o frei era mentiroso e falso.
Durante
seu sermão, o povo se mantinha indiferente. Então, apelou para o milagre
abandonando seus ouvintes, foi pregar à beira-mar. Milhares de peixes de vários
tipos e tamanhos puseram a cabeça fora da água para ouvir o santo. Antônio
elogiou a participação dos peixes na história da salvação. Assim daria uma
lição ao povo do vilarejo, e alguns que viram o acontecimento, tinham sido
testemunha, para o restante da população. Este milagre invadiu a cidade com entusiasmo
e os hereges ficaram envergonhados.
Santo
Antonio foi cognominado “Martelo dos Hereges”, porque a heresia não teve
inimigo mais formidável. Sua mais antiga biografia, conhecida pelo nome de
Assídua, relata: “Dia e noite tinha discussões com os hereges; expunha-lhes com
grande clareza o dogma católico; refutava vitoriosamente os preceitos deles,
revelando em tudo ciência admirável e força suave de persuasão que penetrava a
alma dos seus contrários”.
O testemunho na presença real de Jesus na Santíssima
Eucaristia.
Um herege
negava a Presença Real no Santíssimo Sacramento. Para acreditar,
dizia, queria um milagre.
E propôs
o seguinte:
Deixaria
sua mula sem comer durante três dias. Depois disso, oferecer-lhe-ia feno e
aveia, e Frei Antonio a Hóstia consagrada. Se a besta deixasse a comida
para ir adorar a Hóstia, ele creria, disse. Isso foi
feito diante de toda a cidade. E a mula faminta, tendo que escolher entre o
alimento e o respeito à Hóstia consagrada, foi ajoelhar-se diante
desta, que o santo Antônio segurava nas mãos.
Desde a
mais tenra infância Antonio fora devoto de Nossa Senhora, e Ela várias vezes o
socorreu. Um dia, por exemplo, em que o demônio não podia mais suportar o bem
que o santo fazia, agarrou-o pelo pescoço tão violentamente, que o enforcava.
Antonio mal pôde balbuciar as palavras da antífona a Nossa Senhora, “O
Gloriosa Domina”. No mesmo instante o demônio fugiu apavorado.
Recomposto, Antonio viu a seu lado a Rainha do Céu resplandecente de glória.
O Menino Jesus.
Certa vez
Frei Antônio se hospedou na casa de uma família muito amiga. A noite o dono da
casa percebeu uma luz tão forte que vinha do quarto de Antônio que não poderia
ser das velas. Vencido pela curiosidade levantou-se e foi espiar. O que viu?
Antônio com o menino Jesus no colo. O menino, tendo os bracinhos enlaçados ao
redor do pescoço do frade. Conversavam amigavelmente.
A Morte de Santo Antônio
Em 1229,
foi morar com os seus irmãos franciscanos, perto de Pádua, no convento de
Arcella, em Camposampiero. Antônio estava muito doente. Tinha hidropisia.
Apos as
pregadas da Quaresma de 1231, sentiu-se cansado e esgotado. Precisava de
repouso. Os frades fizeram para ele um quarto em cima de uma árvore, mas mesmo
assim o povo o procurava e Antônio já muito debilitado falava ao povo de cima
de uma nogueira em Camposampiero.
Decidiram
então levá-lo a Pádua. (Pádua está situada na Região de Veneto, norte da
Itália, rica em belezas naturais, obras de arte e arquitetura. Antiga cidade
universitária que possui uma ilustre história acadêmica).
Agasalharam
o frei e colocaram em um carro puxado por bois. A viagem era longa. Antônio foi
piorando. Pararam em um povoado que havia um convento franciscano. Antônio
piorava, precisava ficar sentado pois sofria de falta de ar. Recebeu os
sacramentos e se despediu de todos e ainda cantou o bendito: "Ó Virgem
gloriosa que estais acima das estrelas..." Depois ergueu os olhos para o
céu e disse "Estou vendo o Senhor". Pouco depois morreu. Era dia 13
de junho de 1231. Frei Antônio tinha 36 anos de idade.
Imediatamente
as crianças de Pádua saíram espontaneamente pelas ruas gritando: “O santo
morreu! O santo morreu!”. Ao mesmo tempo, em Lisboa, sua cidade natal, os sinos
puseram-se a repicar por si sós, e o povo saiu às ruas. Somente mais tarde é
que souberam do ocorrido. Santo Antônio é o santo padroeiro dos casamentos.
A Canonização de Santo Antônio
Foi tanta
a repercussão de sua morte e tantos os milagres, que, onze meses após sua
morte, é canonizado pelo Papa Gregório IX em 1232; Foi o processo mais
rápido da história da igreja.
Em 1263,
quando seu corpo foi exumado, sua língua estava intacta e continua intacta até
hoje, numa redoma de vidro, na Basílica de Santo Antônio, em Pádua, onde estão
seus restos mortais.
Em 1946 é
oficialmente proclamado Doutor da Igreja por Pio XII, sendo-lhe atribuído o
epíteto de Evangélico pelo vasto conhecimento das Sagradas Escrituras patente
nos seus Sermões.
A VIDA DE SANTO
ANTÔNIO
Fernando de Bulhões
(verdadeiro nome de Santo Antônio), nasceu em Lisboa em 15 de agosto de 1195,
numa família de posses. Aos 15 anos entrou para um convento agostiniano,
primeiro em Lisboa e depois em Coimbra, onde provavelmente se ordenou.
Em 1220 trocou o nome
para Antônio e ingressou na Ordem Franciscana, na esperança de, a exemplo dos
mártires, pregar aos sarracenos no Marrocos. Após um ano de catequese nesse
país, teve de deixá-lo devido a uma enfermidade e seguiu para a Itália.
Indicado professor de
teologia pelo próprio são Francisco de Assis, lecionou nas universidades de
Bolonha, Toulouse, Montpellier, Puy-en-Velay e Pádua, adquirindo grande renome
como orador sacro no sul da França e na Itália. Ficaram célebres os sermões que
proferiu em Forli, Provença, Languedoc e Paris. Em todos esses lugares suas
prédicas encontravam forte eco popular, pois lhe eram atribuídos feitos
prodigiosos, o que contribuía para o crescimento de sua fama de santidade.
A saúde sempre
precária levou-o a recolher-se ao convento de Arcella, perto de Pádua, onde
escreveu uma série de sermões para domingos e dias santificados, alguns dos
quais seriam reunidos e publicados entre 1895 e 1913. Dentro da Ordem
Franciscana, Antônio liderou um grupo que se insurgiu contra os abrandamentos
introduzidos na regra pelo superior Elias.
Após uma crise de
hidropisia (Acúmulo patológico de líquido seroso no tecido celular ou em
cavidades do corpo). Antônio morreu a caminho de Pádua em 13 de junho de 1231.
Foi canonizado em 13 de maio de 1232 (apenas 11 meses depois de sua morte) pelo
papa Gregório IX.
A profundidade dos textos doutrinários de santo Antônio fez com que em
1946 o papa Pio XII o declarasse doutor da igreja. No entanto, o monge
franciscano conhecido como santo Antônio de Pádua ou de Lisboa tem sido, ao
longo dos séculos, objeto de grande devoção popular.
Sua veneração é muito difundida nos países latinos, principalmente em
Portugal e no Brasil. Padroeiro dos pobres e casamenteiro, é invocado também
para o encontro de objetos perdidos. Sobre seu túmulo, em Pádua, foi construída
a basílica a ele dedicada
ICONOGRAFIA
ANTONIANA
Do grego, ícone (eicón) traz
consigo uma idéia de imagem, representação de uma coisa sagrada. Iconografia,
como derivada, é a ciência que caracteriza o estudo, a descrição e os
conhecimentos de imagens.
Há, de certa forma, na palavra um
relativo equívoco, uma vez que ícone é uma representação plana (quadro) e não
tridimensional (imagem). Mas como modernamente iconografia é a ciência dos
quadros e imagens sacras, vamos lá. Quase como sinônimo, temos a palavra
iconologia.
Toda imagem, toda obra de arte,
tem em si uma leitura, feita através de atributos e sinais identificadores.
Essa leitura pode mudar de acordo com os tempos, os enfoques históricos e a
interposição de ciências particulares.
O artista coloca suas palavras
através da obra de arte que ele cria. O público, através dos tempos, estabelece
critérios de leitura e releitura das obras de arte, sejam elas mundanas ou
sacras.
Os símbolos favorecem a
hermenêutica, a leitura interpretativa de uma imagem. Os atributos detalham a
simbologia. A iconografia de Santo Antônio - pinturas, estátuas e outras
expressões artísticas - apresenta grande variedade e riqueza e propicia uma
leitura muito ampla da vida, do múnus e da santidade do retratado.
Olhando as imagens, santinhos e
quadros mais conhecidos, nota-se logo a incidência de alguns traços e símbolos
que permitem a diferenciação. Como sabemos a diferença, por exemplo, entre São
Jorge e São José?
A iconografia nos dá muitas
pistas: um aparece vestido de guerreiro, montado a cavalo, combatendo um
dragão. O outro é representado por um homem idoso, com o menino Jesus no colo,
e geralmente portando um lírio ou um bastão de peregrino. Uma breve visão
iconográfica nos possibilita a identificação.
A iconografia é, sem dúvida, uma
bela e significativa expressão da religiosidade popular. O povo cria suas
imagens, onde o homenageado é quase sempre jovem, belo, transpira santidade e
veste-se, quando não ricamente, pelo menos de modo bem apurado.
É a representação, por exemplo,
em imagens de Nossa Senhora, onde ela aparece ricamente vestida, com jóias e
coroa de ouro na cabeça. O imaginário popular exacerba-se na representação
devocional.
A iconografia inspira a evolução
de religiosidade. Nessa práxis, os devotos apreciam mais olhar a imagem ou o
santinho, do que ler a biografia ou estudar os escritos ou discursos do santo
homenageado.
Na verdade, por uma leitura
correta dos símbolos e atributos de uma imagem, podem-se estabelecer alguns
traços da biografia de um santo.
Para avançar, vejamos a diferença
entre símbolos e atributos, em iconografia.
Os símbolos dão a idéia geral da
imagem e alguns critérios de interpretação. Por exemplo, na imagem de Santo
Antônio, há símbolos de santidade, pertença à Ordem Franciscana, eleição divina
e indicação de que foi pregador.
Esses símbolos, santidade,
eleição, pregador e franciscano, são mais ou menos universais e imutáveis. Os
atributos, que os caracterizam, o lírio, o menino, a Bíblia e o hábito são
mutáveis e sujeitos, a cada época, a um tipo de leitura.
Vejamos os atributos:
a) O
hábito franciscano
É um atributo que aparece desde a
primeira hora e sempre serviu como mesma chave-de-leitura: quer dizer que ele
foi franciscano. No século XV apareceram algumas breves representações que
mostravam o santo com um hábito cinza, dos penitentes ou mendicantes; o corte
tonsurado do cabelo tem o mesmo significado.
b) O
livro (o atributo mais antigo)
Representa o Evangelho e a
sabedoria de Antônio, primeiro mestre de Teologia da Ordem dos Frades Menores e
doutor da Igreja. Lembra o pregador que arrebatava as multidões com as palavras
do Evangelho. Por sua sabedoria bíblica, o Papa Gregório IX chamou-o de
"Armário (Arca) do Testamento".
c) O
menino
O menino é visto em três tipos de
representação:
1. Em cima do livro Em geral
aparece sobre o livro aberto que o santo tem na mão, em gesto de quem abençoa,
ou, usando um gesto de origem grega, com os dedos médio e indicador levantados,
juntos, como a chamar a atenção para alguém que vai falar (no caso, o santo,
pregando); pode representar a visão presenciada pelo Conde Tiso, em sua
residência; o estar em cima do livro (Bíblia) evoca a característica de Frei
Antônio como pregador do Verbo encarnado; o menino, segundo algumas fontes, nos
primeiros tempos, não seria Jesus, mas as crianças, por quem o santo tinha
enorme predileção; numa obra de El Greco, o menino (Jesus) aparece como
brotando das páginas do livro, onde Antônio mostra a revelação do Verbo.
2. No colo do santo Em outras representações,
o livro aparece de lado, e o menino Jesus está no colo de Antônio, numa atitude
de extraordinária familiaridade, acariciando-lhe o rosto.
3. Sendo mostrado ao santo, pela
Virgem Maria. Um quadro (reproduzido em alguns "santinhos", mostra a
Virgem apresentando o Filho à adoração de Antônio).
d) O
lírio
O lírio é um símbolo-atributo que
aparece nas representações artísticas após o século XV e se toma popularíssimo;
tem dois significados: o mais antigo remete a Pádua; o lírio é a flor da
estação na qual Antônio morreu; é a flor do campo, ornamental,
perfumada,medicinal e frágil. O outro significado simbólico, posterior ao
primeiro, refere-se à pureza, à castidade, à pobreza e ao vigor do testemunho
de vida, na entrega do coração virginal a Deus. Há ainda um terceiro atributo,
paralelo: a natureza, mostrada, pelos franciscanos, como sinal de Deus.
e) A
cruz na mão
A cruz na mão (do século XVI)
pode significar duas coisas: o espírito missionário do santo, ou, seu desejo de
tomar-se um mártir da fé.
f) Os
pés desencontrados
Se observarmos as imagens de
Santo Antônio, veremos que seus pés não estão um ao lado do outro, mas um mais
à frente do outro; trata-se de um indicativo de "em marcha", "a
caminho", atitude que sempre caracterizou seu trabalho missionário.
g) A
fisionomia adolescente
O rosto jovem, alegre e belo é
consequência, como já vimos, daquela perfeição que a religiosidade popular
passa à arte, relativamente aos santos e bem-aventurados; significa, também, a
jovialidade do espírito do cristão.
h) O
pão
Em certas obras de arte antigas
(século XVI-XVII) vê-se o santo distribuindo o "pão dos pobres"; esse
atributo é o mais recente; apareceu em Messina, na Sicília, em meados do século
XIX, durante uma época de fome.
i) A
chama
A chama de fogo que aparece em
alguns ícones, especialmente orientais, simboliza o amor divino, o zelo e a
paixão do santo por Jesus e seu Evangelho.
j) A
nogueira
Esta é uma representação não
muito conhecida; pouco antes de morrer, com falta de ar. Frei Antônio pediu que
armassem sua cela no topo de uma nogueira frondosa, possivelmente nas
propriedades do Conde Tiso. O santo já estava doente; falam em hidropisia e
asma; há quem suspeite de obesidade ("adquirira certa
corpulência...") e diabetes; ali, além da altura (que proporcionava o ar
fresco), o odor das resinas da árvore mantinha-o defendido dos mosquitos; pois
mesmo ali vinha gente ouvir sua palavra. Uma pintura renascentista mostra o
santo em cima da árvore, pregando ao povo, sentado, com a Bíblia na mão, como
se estivesse numa cátedra, tendo, abaixo de si, São Boaventura, na época, o
coordenador geral dos franciscanos; o estar na árvore é figura do desprender-se
da vida terrena, já que o santo estava nos últimos dias de vida.
l) O
terço
Para explicitar que Santo Antônio
era um homem de oração, a iconografia do século XVI representou-o com um terço
pendurado à cintura. O terço foi criado por São Domingos de Guzman (f 1221),
utilizando antigos modelos orientais.
Há vários aspectos da vida, das
pregações e dos milagres de Santo Antônio constantes de sua iconografia. O
"sermão aos peixes", em Rimini, o "coração do avarento dentro do
cofre", em Florença, "a mula ajoelhada diante do Santíssimo" em
Rimini, fazem parte desse emocionante acervo, criado por mestres da pintura. A
morte do santo, em Arcella, e lá fora as crianças fazendo o miraculoso anúncio,
está magistralmente pintada numa obra de Murillo.
A icnografia leva-nos, como foi
dito, a uma leitura analítica mais atenta de todos os símbolos e atributos que
a devoção popular e oficial creditaram aos santos. Iconografia é para se ver e
entender, independentemente de valores estéticos. Uma obra de arte, seja um
quadro sofisticado ou uma rude representação popular, não é para ser achada
bonita ou feia, mas para ser entendido o seu sentido.
No caso místico, as imagens de
Deus e dos santos servem para criar aquela aproximação física que nossas
carências reclamam, para um ajutório de memória, e para avivar a fé,
relembrando as práticas e os sacrifícios daquele que está ali retratado.
E nós, hoje? Somos daqueles que
entendemos que, pelo fato de possuirmos essa ou aquela imagem em nossa casa, já
temos comunhão com quem está ali representado? Há pessoas que vão à igreja,
oram diante das imagens, acendem velas e esquecem-se de reverenciar a Cristo,
vivo e presente ali na Eucaristia. Somos desses?
Temos formação suficiente que nos
dê uma exata noção entre santidade e divindade, imagem, representação,
mediação, pessoa e divindade?
Extraído do livro "Santo Antônio, a realidade
e o mito", de Carmen Sílvia Machado Galvão e Antônio Mesquista Galvão, da
Editora Vozes.
Biografia de Santo Antônio de Padua por Colasanti, Pecora e Frei Paulo
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Início
Santo Antônio nasceu em Portugal, na
cidade de Lisboa, no fim do século XII, sendo a data mais mencionada nas
biografias a de 15 de agosto de 1195. Seus pais, Martim de Bulhões e Tereza
Taveira, eram muito religiosos e o educaram com muito carinho na religião
cristã. Sobre a casa de seus pais, em Lisboa, foi erguida a Igreja de Santo
Antônio, bem próxima à catedral de Santa Maria…Santo Antônio recebeu na pia
batismal o nome de Fernando. Desde muito pequeno acompanhava os pais nas
celebrações religiosas na Catedral. Ainda menino foi encaminhado para a escola
dos Cônegos Regulares, onde recebeu boa formação humana e educação cristã
aprimorada. A mãe teria consagrado o menino à Santíssima Mãe de Deus, desde os
primeiros anos de vida. E ele foi crescendo em sabedoria e graça, servindo ao
altar de Deus como acólito (p.9 e p.14. Frei Paulo Back – Nova Trezena de Santo
Antônio).
Cronologia da vida de Santo Antônio
1195(ou 1190) Em 15 de agosto
nasce em Lisboa, Portugal, Fernando de Bulhões (depois Frei Antônio).
1201(a 1210) Fernando frequenta a
escola da catedral de Lisboa. Reside no mosteiro agostiniano de Santa Cruz, em
Coimbra, onde inicia seus estudos de Filosofia e Teologia.
1220 Provável ano de sua ordenação
sacerdotal. Em 16 de janeiro desse ano, cinco frades franciscanos são
martirizados em Marrocos e seus despojos são venerados no Mosteiro de Santa
Cruz. No verão, Fernando adere ao movimento franciscano e recebe o hábito de
São Francisco no Convento de Olivas, em Coimbra, com o nome de Frei Antônio.
Parte em missão para o Marrocos.
1221 Doente, inicia a viagem de retorno a
Portugal, mas o navio naufraga e ele chega à ilha de Sicília (Itália), no convento
de Messina. Entre 30 de maio e 8 de junho desse ano, participa do Capítulo das
Esteiras, em Assis (Itália), e conhece pessoalmente São Francisco. Frei Antônio
é transferido para o Convento de Monte Paulo (Eremitério).
1222 Convidado a participar de uma ordenação
sacerdotal em Forli, faz um sermão de improviso, revelando grande dom de
oratória e seu profundo conhecimento da Bíblia;
Em setembro é nomeado pregador.
1223 Realiza pregações missionárias em
Rimini
1224 Professor de Teologia em Bologna.
1224(a 1227) É missionário na
França, em montpellier, Toulose e Limonges. É nomeado Custódio dos frades em
Limonges; funda o convento de Brive e participa do Sínodo de Bourges. Realiza
pregações em Saint-Julien e na Abadia de Solignac, tornando-se guardião dos frades
em Le Puy.
1227 No final do ano retorna à Itália
1228(a1230) Como Ministro
Provincial, visita os conventos do norte da Itália e viaja várias vezes a
Milão. Prega em Marca Trevignana e termina em Pádua seus Sermões Dominicais.
1230 Ensina Teologia para os frades em
Pádua. Renuncia ao cargo de Provincial. É recebido pelo Papa Gregório IX para
interpretar a Regra da Ordem Franciscana. Retorna a Pádua e compõe os Sermões
Festivos.
1231 De 5 de fevereiro a 23 de março prega
os Sermões da Quaresma. Em 17 de março, por mediação de Santo Antônio, a
prefeitura promulga um decreto que torna menos cruel a condição dos que devem e
não conseguem pagar suas dívidas. Em meados de maio, abençoa a cidade de
Pádua.Na segunda quinzena de maio até 13 de junho vive no eremitério de Campo
Sampiero, em Arcela, nos arredores de Pádua. Em 13 de junho, à tarde, morre
Frei Antônio.
Até 17 de junho realizam-se solenes
funerais. Em 1 de junho desse ano inicia-se o processo de sua canonização.
1232 Em 30 de maio, menos de um ano após sua
morte, ocorre a solene canonização de Santo Antônio na catedral de Spoleto,
pelo papa Gregório IX.
1263 Solene exumação dos restos mortais de
Santo Antônio e a descoberta da língua intacta, na presença de São Boaventura.
1931 Na celebração do centenário de sua
morte (700 anos), o Papa Pio XI lança um programa espiritual: “Por Antônio a
Jesus” (Retornar ao Senhor por meio de Santo Antônio).
1946 Em 16 de janeiro, Santo Antônio é
proclamado (“Doutor Evangélico”, pelo Papa Pio XII. (p.5-7. Frei Paulo Back –
Nova Trezena de Santo Antônio).
Aos 15 anos
Já aos 15 anos de idade, o jovem
Fernando de Bulhões sentiu o desejo de buscar o caminho da vida religiosa. Foi
aceito pelos cônegos regulares de Santo Agostinho, os frades agostinianos, no
Mosteiro de São Vicente, em Lisboa. Jovem inteligente, durante dois anos
recebeu destes frades excelente formação intelectual e religiosa. Como estava
em sua cidade natal, recebia muitas visitas de amigos e familiares. Por esse
motivo, pediu para ser transferido para Coimbra, para o Mosteiro de Santa Cruz,
cerca de 200km de Lisboa. Permaneceu ali 8 anos, recebendo a mais sólida
formação filosófica e teológica. (p.19. Frei Paulo Back – Nova Trezena de Santo
Antônio).
Excelente pregador
A sólida formação que o jovem Fernando
recebeu em Coimbra junto aos frades agostinianos, proporcionou-lhe a graça de
poder receber a ordenação sacerdotal. Como padre, ele adquire uma grande
familiaridade com a Sagrada Escritura. A inteligência e a facilidade que tinha
para decorar textos dão a ele a capacidade de adquirir um conhecimento
extraordinário da Bíblia Sagrada. Irá ser um grande pregador da palavra de
Deus. A Igreja vai lhe confiar a difícil tarefa de pregar contra os erros dos
hereges albigenses. A Ordem Franciscana vai fazer dele o primeiro grande
professor de teologia e ele virá a ser chamado de “Arca do Testamento”. (p.25.
Frei Paulo Back – Nova Trezena de Santo Antônio).
Chamado em sua própria época de “o
martelo dos hereges” e “arca do testamento”, ele combateu heresias que contestavam
o valor de toda a vida, a autoridade da Igreja e a própria natureza de Deus.
Era eloqüente e eficiente na pregação da verdade para uma sociedade que em
geral a ignorava. Além disso, não só proclamou o Evangelho, mas também o viveu
plenamente, de modo que sua própria vida atestava a profunda verdade de suas
palavras. (p.16. Madeline Pecora Nugent. Antônio, Palavras de fogo, vida de
luz. Ed.Paulinas.2008).
Santo Antônio e a vocação franciscana
O modo de viver do Frades Menores
suscitava admiração e estima junto aos habitantes de Coimbra e das cercanias.
Todos, pequenos e grandes, queriam troc ar algumas palavras com eles para
também contagiar-se com sua alegria. Fernando também havia se encontrado com
eles, muitas vezes, pelos caminhos da cidade, e acolhera-os no mosteiro.
Tinha ouvido deles algumas das
maravilhosas experiências vividas por Francisco de Assis: o convite que lhe
fizera o Crucifixo de São Damião, para que lhe restaurasse sua igreja; o beijo
no leproso; a renúncia à herança paterna diante do bispo; a escolha da pobreza
evangélica, para assemelhar-se mais intimamente ao Cristo crucificado
etc…(p.16.Giovanni M Colasanti. Antônio de Pádua. Um santo também para você..
Ed. Paulinas).
Todos os dias Francisco pregou aos
frades e aos camponeses – senhoras e senhores que também vinham para ouvi-lo.
“A luxúria deste mundo é curta, mas a punição que segue é infinita”, lembrou
ele. “Os sofrimentos nesta vida são curtos, mas glórias na vida futura são
infinitas. (p.80. Madeline Pecora Nugent. Antônio, Palavras de fogo, vida de
luz. Ed.Paulinas.2008).
Quando o jovem Fernando era estudante
de Teologia, em Coimbra, ele conheceu os filhos de São Francisco que morava no
convento de Santo Antão de Olivas, muito próximo ao seu mosteiro. Em fevereiro
de 1220, Fernando fica sabendo que os frades menores que tinham ido pregar
missões em Marrocos haviam sido martirizados.
Os restos mortais dos Franciscanos
foram velados na capela do Mosteiro da Santa Cruz. Fernando decide ser
franciscano também. E em 1221 ele é admitido na Ordem Franciscana, recebendo o
nome de Frei Antônio e vestindo o hábito de São Francisco, com o grande sonho
de poder morrer mártir também. (p.30. Frei Paulo Back – Nova Trezena de Santo
Antônio).
Pregação aos Peixes
em Rimini
“Então eu disse coisas que vocês não
querem ouvir,” reverberou a voz de Antônio acima da multidão em dispersão. O
frade levantou os olhos para o céu e fez uma brevíssima pausa. Então pulou da
rocha e encaminhou-se para o rio.
“Ouçam a palavra de Deus, vocês, peixes
do mar..já que os hereges não a querem escutar…Meus irmãos peixes, vocês devem
muitíssimo, na medida em que são capazes, agradecer a seu Criador por ter lhes
dado um elemento tão nobre no qual viver….água salgada. Deus deu-lhes muitos
abrigos contra as tempestades e alimento que podem viver.”
… “Deus, seu amável e gentil criador,
quando criou vocês ordenou-lhes que crescessem e se multiplicassem. Ele lhes
deu sua benção. Quando o grande dilúvio engoliu todo o mundo e todos os outros
animais foram destruídos, Deus preservou somente vocês sem dano ou prejuízo…
…A vocês, Deus deu a ordem de preservar
Jonas, que havia sido jogado no mar, e, depois de três dias, um de vocês o
lançou para a praia são e salvo. Um de vocês manteve em sua boca o tributo de
que nosso Senhor Jesus Cristo necessitava, o qual ele, pobre e humilde, não
poderia pagar se vocês não lhe tivessem dado a moeda. Vocês foram a comida do
Rei eterno, Cristo Jesus, antes da Ressurreição e, de novo, depois
dela,…quando nosso Senhor…comeu peixe na praia com seus apóstolos. Por todos
esses favores, vocês devem louvar e bendizer a Deus que lhes concedeu tantos
benefícios.”
Benedetto não sabia para onde olhar.
Para a praia, onde a multidão volúvel estava começando a se movimentar em
direção ao sacerdote. Para a água, que estava cintilando com fileiras de
peixinhos…Ou para Antônio, cujo olhar passeava, de um lado para o outro, sobre
as ondas mansas como se estivesse exortando criaturas racionais a louvar a
Deus.
“Bendito seja o Deus eterno, pois
peixes da água honram-no mais do que pessoas que negam sua doutrina. Os animais
irracionais escutam mais prontamente a palavra de Deus do que a humanidade sem
fé.”
…Minha gente boa e meus queridos
peixes, obrigado por ouvirem com o coração. Voltem agora em paz para casa.”
As águas movimentaram-se e borbulharam.
Quando Benedetto enxugou os olhos e conseguiu enxergar de novo, a superfície do
rio estava coberta de círculos que rapidamente se ampliavam onde milhares de
peixes tinham mergulhado sob as ondas.
Fonte: (p.117-121) Madeline Pecora
Nugent. Antônio, Palavras de fogo, vida de luz. Ed.Paulinas.2008).
Milagre com o Santíssimo Sacramento em Rimini
Milagre Eucarístico
em Rimini
Santo Antônio, durante uma pregação na
cidade de Rimini (Itália), foi envolvido numa disputa com uns hereges, que
negavam a presença real de Jesus na Eucaristia e que pretendiam ver uma prova
irrefutável disso.Um dos hereges, de nome Bonovillo, disse-lhe: ‘Não acredito
que a Hóstia seja o Corpo de Cristo! Mas quero desafiar-te, ó frade: se a minha
mula se ajoelhar diante da Hóstia, então acreditarei’. ‘Aceito o desafio’ –
respondeu Santo Antonio – ‘Daqui a três dias, trarás a mula a esta mesma praça,
diante do povo. Eu trarei a Eucaristia e o animal ajoelhar-se-á diante do Pão
consagrado.’
O herético aceitou, dizendo: ‘Está bem.
Vou manter a mula fechada e em jejum estes três dias. Depois trazê-la-ei aqui,
à presença de todos os habitantes, e apresentar-lhe-ei a cevada.
E tu apresentar-lhe-ás a Hóstia, que
dizes que é o Corpo do Homem-Deus. Se a mula ignorar a cevada e se ajoelhar
diante da Hóstia, far-me-ei católico’. Santo Antônio retirou-se para o convento
e durante aqueles dias dirigiu-se ao Senhor com a oração e o jejum. No dia
estabelecido, Santo Antônio apresentou-se com o Santíssimo Sacramento. À vista
do Santo que avançava, um profundo silêncio estendeu-se por toda aquela
multidão. Então Santo Antônio, em voz alta ordenou à mula: ‘Em nome do teu
Criador, que trago vivo, verdadeiro, real e substancial nas minhas mãos, embora
indignamente, ordeno-te, ó mula, que venhas já ajoelhar-te diante d´Ele, a fim
de que estes hereges reconheçam que toda a criação é submissa e obediente ao
Cordeiro que Se imola sobre os nossos altares’. O herético suava frio, gritando
com a besta e tentando-a com o seu alimento preferido. Mas o animal, recusando
a cevada do patrão, aproximou-se docilmente do religioso: dobrou as patas
anteriores diante da Hóstia e assim ficou. O herético veio então lançar-se aos
pés de Santo Antônio, confessando publicamente o seu erro e, a partir daquele
dia, tornou-se um dos mais zelosos colaboradores do Santo. Toda a sua família
entrou também com ele no seio da verdadeira Igreja e ele, no ardor do seu
reconhecimento para com Deus, fundou com o seu dinheiro uma igreja dedicada ao
Príncipe dos Apóstolos, São Pedro. (p.41.Giovanni M Colasanti. Antônio de
Pádua. Um santo também para você.. Ed. Paulinas).
Natureza de Jesus
A natureza divina vem do Pai celestial;
a natureza humana de sua mãe terrena.
(p.137. Madeline Pecora Nugent.
Antônio, Palavras de fogo, vida de luz. Ed.Paulinas.2008).
Contra a usura
“São Mateus o diz bem. ‘Espaçoso é o
caminho que leva a perdição’. Quem vai por este caminho? Certamente, não
os pobres de Cristo que entram pela porta estreita. O caminho para a destruição
é um mar imenso pelo qual nadam os usurários a caminho do inferno. Essas
pessoas gananciosas abundam em todo o oceano, tendo o mundo em seu poder.”…Os
pobres de Bolonha estavam na miséria por causa da usura. Trapaceiros
emprestavam dinheiro aos necessitados a trinta cinqüenta e até oitenta por
cento de juros. Como os pobres definhando em miséria, poderiam pagá-lo de
volta? Ás vezes, em desespero, os tomadores de empréstimo contratavam
assassinos para matar os homens a quem deviam dinheiro…os usurários engordavam
e bebiam vinhos finos que bem poderiam ter sido feitos com o suor e sangue dos
destituídos…Essas pessoas miseráveis não se preocupam nem um pouco com as
realidades da vida. Jamais pensam como entraram neste mundo completamente nuas,
nem pensam que vão sair dele enroladas em alguns trapos. Como entraram na posse
de tantas coisas? Antônio fez uma pausa. “Por meio de roubo e logro…Portanto,
levantem os olhos..não temam…se levantarem os olhos e reconhecerem seus
pecados, ‘certamente viverão e não morrerão’. (p.148-149;p.151. Madeline Pecora
Nugent. Antônio, Palavras de fogo, vida de luz. Ed.Paulinas.2008).
Santo Antônio confessava mendigos
As confissões continuariam até que o
último mendigo foi absolvido.
(p.153. Madeline Pecora Nugent.
Antônio, Palavras de fogo, vida de luz. Ed.Paulinas.2008).
Oração pedindo intercessão à Nossa
Senhora
“Oramos a ti, Nossa Senhora, nossa
esperança. Somos jogados de um lado para o outro pela tempestade dos mares da
vida. Que tu, Estrela-do-Mar, nos ilumine e conduza para nosso porto seguro.
Assiste-nos com tua presença protetora quando estivermos prestes a partir desta
vida, para que mereçamos deixar esta prisão sem medo e alcançar alegremente o
reino do júbilo sem fim. Esperamos receber esses favores de Jesus Cristo, a
quem tu carregaste em teu ventre bendito e alimentaste em teu santíssimo seio.
A ele seja dada toda honra e glória, para todo o sempre. Amém.” (p.160.
Madeline Pecora Nugent. Antônio, Palavras de fogo, vida de luz.
Ed.Paulinas.2008).
Importância de ser verdadeiro
Não temas as pessoas, padre. A verdade
não deve ser abandonada por se temer oposição. Por temerem oposição, os
pregadores cegos ficaram sujeitos à cegueira da alma. São ‘cegos guiando
cegos’. Alguns homens ricos dão a pregadores o esterco de bens terrenos para
escapar de repreensões. No entanto, padre, peço-lhe que seja um pregador
autêntico que não dá importância alguma a prata e ao ouro. (p.162. Madeline
Pecora Nugent. Antônio, Palavras de fogo, vida de luz. Ed.Paulinas.2008).
Importância de ser afável
Um pregador deve ser afável, tratando as almas
arrependidas e humildes com compaixão e misericórdia. Assim, quando você pregar
a palavra de Deus, pregue com determinação e firmeza para tocar o coração de
seus ouvintes. Entretanto, se esses ouvintes proferirem insultos e afrontas
contra você, permaneça gentil, clemente e amistoso. (p.163. Madeline Pecora
Nugent. Antônio, Palavras de fogo, vida de luz. Ed.Paulinas.2008).
Após a benção no lago as rãs ficam
silenciosas
Antônio tinha abençoado a água de um
lago e pedido às rãs barulhentas que estavam ali que fizessem silêncio. Depois
disso, elas jamais tinham voltado a coaxar. (p.183. Madeline Pecora Nugent.
Antônio, Palavras de fogo, vida de luz. Ed.Paulinas.2008).
Temperança
Com um irmão caído, precisamos nos
mostrar nem demasiadamente afáveis nem demasiadamente duros, nem brandos como
carne nem duros como osso; nele, temos de amar nossa própria natureza humana,
enquanto odiamos sua falha. (p.187. Madeline Pecora Nugent. Antônio, Palavras
de fogo, vida de luz. Ed.Paulinas.2008).
A importância do bom testemunho
Quando os dois chegaram aos subúrbios
da cidade, Antônio comentou: “Acabamos de pregar um bom sermão meu rapaz”. O
comentário surpreendeu o noviço. “Mas não dissemos coisa alguma”.
“Nossas maneiras pacíficas e nossa
aparência modesta foram um sermão para as pessoas que nos viram. Muitas vezes o
ser pode influenciar mais do que o falar. (p.187. Madeline Pecora Nugent.
Antônio, Palavras de fogo, vida de luz. Ed.Paulinas.2008).
“Ó valor inestimável da pobreza! Quem
não a tem não possui coisa alguma, mesmo que possua tudo. Que alegria há em
você! Pois, quando somos pobres e humildes, esvaziamos a nós mesmos de tudo que
possuímos. Então ficamos ocos, podendo conter tudo que seja derramado em nós.
Em nós, ó Deus, derrama uma infusão de graça divina até transbordarmos de
alegria”. (Santo Antônio). “Senhor, faze com que eu não tenha coisa alguma,
para que tenha tudo que és tu”, sussurrou o noviço. (p.193. Madeline Pecora
Nugent…);
Importa que eu diminua e Deus cresça
“A Igreja foi confiada a Pedro por
Cristo, com as palavras: ‘Apascenta minhas ovelhas’. Não uma vez, mas três
vezes. Nem uma vez sequer Ele disse a Pedro para tosquiá-las ou tosá-las. É
como se Jesus dissesse: ‘Se tu me amas por causa de mim mesmo, apascenta minhas
ovelhas, não tuas ovelhas, mas as minhas. Procura minha glória entre elas, não
a tua; meu ganho, e não o teu, pois o amor de Deus é provado pelo amor ao
próximo. (p.202. Madeline Pecora Nugent…);
Oração
“Ó Luz do mundo, Deus infinito, Pai da
eternidade, Doador de sabedoria e conhecimento, e inefável Concessor de toda
graça espiritual, tu conheces todas as coisas antes que sejam feitas. Tu, que
crias as trevas e a luz, estende tua mão e toca minha boca. Torna-a como uma
espada afiada para proferir eloqüentemente tuas palavras. Torna minha língua, ó
Senhor, como uma seta escolhida para declarar fielmente teus prodígios. Coloca
teu Espírito, ó Senhor, em meu coração para que eu perceba. Coloca-o em minha
alma para que eu o conserve na memória. Coloca-o na minha consciência para que
eu medite. Se forma amorosa, santa, misericordiosa, clemente e gentil,
inspira-me com tua graça. (p.204. Madeline Pecora Nugent…);
Conselho ao herege sincero
Muitas vezes acontece que pessoas
sinceras estão sinceramente equivocadas. (p.217. Madeline Pecora Nugent…);
Chagas de Jesus
Cristo mostrou suas chagas para gravar
em nosso coração os sinais de seus sofrimentos; e, quarto, para evocar em nós
compaixão, de modo que não o crucificássemos de novo com os cravos de nossos
pecados….Cristo mostra-nos as chagas em suas mãos, seus pés e no seu lado e
diz: ‘Vejam as mãos que criaram e formaram vocês; vejam como foram perfuradas
por cravos… “Quando nosso Senhor mostrou aos apóstolos as chagas em suas mãos,
seus pés e na lateral de seu corpo, ele repetiu: ‘A paz esteja convosco’.
Somente se mantivermos em nosso coração a memória das chagas de Cristo e
ouvirmos suas palavras, encontraremos a verdadeira paz de coração. (p.220.
Madeline Pecora Nugent…);
Santo Antônio e o
menino Jesus
O barão abriu os olhos e ergueu a
cabeça. Levantou-se e sacudiu um joelho e então o outro, para afastar a rigidez
que os acometera…o corredor que levava aos seus aposentos estava fracamente
iluminado com uma única tocha no centro. Junto ao quarto do barão havia um
quarto de hóspedes em que Antônio estava alojado. Os superiores de Antônio
tinham-no instruído a escrever seus sermões da Páscoa para que outros sacerdotes
pudessem usá-los…Por isso, o barão esperava ver…a luz de vela sob a porta de
Antônio. Em vez disso, o que ele notou foi um brilho intenso. Ao mesmo tempo,
ouviu o balbucio de uma criança no quarto….nenhum dos servos da casa tinha
criança pequena…a essa altura, a criança estava dando risadinhas…o barão
inclinou-se e espiou pelo buraco da fechadura…Antônio estava banhado por uma
luz, que vinha de uma criancinha…sentada um pouco oscilante sobre o livro mais
grosso. Enquanto o barão observava, o frade segurava as mãos na frente da
criança, seus dois dedos indicadores estendidos para o bebê. A criança levantou
as mãos e agarrou um dedo com cada uma das mãozinhas…com a ajuda do sacerdote,
pôs-se na ponta dos pés. As pernas do garotinho subiam e desciam, enquanto ele
ria…O sacerdote virou o rosto para a porta, pois a criança subitamente estendeu
os braços exatamente na direção do senhor do castelo. Enquanto o garotinho
fazia isso, quase caindo dos braços do sacerdote, o barão curvou a cabeça em
espanto por uma fração de segundo. Quando ergueu os olhos de novo, os braços de
Antônio estavam vazios…O barão curvou a cabeça e ajoelhou-se. Estava espantado
demais, comovido demais, com profunda alegria, até para chorar….”Meu senhor”,
disse o frade suavemente, “Cristo permitiu que você o visse e recebesse sua
mensagem.(p.230-233. Madeline Pecora Nugent…);
O notário…ao dobrar a rua, viu um frade
de túnica cinza que não lhe era familiar caminhando em sua direção. Quando o
notário chegou perto, o frade olhou para ele, então se ajoelhou e baixou a
cabeça até o chão. O notári continuou a cavalgar. O novo frade deve pensar que
sou um rei, pensou ele. Poucos dias depois, o notário vo0ltou a se encontrar
com o frade. Dessa vez, o notário estava cambaleando, meio bêbado, saindo da
taverna local com uma das prostitutas da cidade pendurada em seu braço. De novo
Antônio ajoelhou-se e curvou a cabeça até o chão.
No dia seguinte, quando a mente do
notário ficou lúcida, ele pensou no segundo ato de reverência do sacerdote.
Talvez esteja zombando de mim. Mais duas vezes aconteceu este mesmo tipo de
incidente. O notário começou a se sentir constrangido. Observava por onde
caminhava ou cavalgava e, se via algum frade de túnica cinza na mesma rua,
tomava outro rumo….O notário estava cavalgando pela praça cheia de gente,
quando, ao contornar a tenda de um agricultor, defrontou-se com Antônio. De
novo, o padre ajoelhou-0se e curvou-se.
Enquanto duas jovens senhoras
elegantemente sufocavam o riso, o notário falou rispidamente; “Padre, eu deveria
golpeá-lo com a espada para punir a zombaria….Por que se curva diante de mim e
me faz de bobo publicamente?…Antônio ergueu a cabeça e olhou para o notário,
mas não se levantou. Ó irmão, você não sabe a honra que Deus reservou a você.
Tornei-me um pobre irmão menor de Francisco, porque desejava ser um mártir para
a glória de Deus…Entretanto, Deus revelou-me que, um dia, você alcançará o
sonho que eu tinha para mim mesmo.
O notário começou a gargalhar. “Que
coisa mais ridícula”.
“Quando sua hora bem-aventurada chegar,
peço-lhe que se lembre de mim”. Padre, você está enganado”. O notário cuspiu o
rosto do frade, que estava erguido para ele, e esporeou seu cavalo.(p.243).
“Que Deus o abençoe exclamou Antônio. E quando chegar sua hora lembre-se de
mim.
…A conversão viera lentamente, como o
gotejar incessante de uma água produzindo uma marca em uma pedra.Depois do
Batismo de Filipe, o notário começou a ter dificuldades para dormir; imagens
perturbavam-no. Imagens de sua infância, de sua fé, de padre Antônio…Uma manhã
quando os pássaros cantavam…ele parou o cavalo junto a um córrego cristalino e
rezou enquanto o animal bebia sedentamente. Senhor, se tu realmente existes,
mostra-me o que devo fazer. Todo dia, durante uma semana, cavalgou para o
mesmo lugar e fez a mesma oração. Então o bispo foi para Puy-em-Velay e pregou
palavras de fogo às pessoas. Exortou a se unirem a ele em uma cruzada à Terra
Santa para converter os sarracenos à verdadeira fé em Cristo…As pessoas que
morressem lá na causa de Cristo, dizia o bispo, podiam ter a certeza de que
iriam para o céu. Esta era sua resposta – uma oportunidade para obter a
remissão de seus pecados. No fundo de sua alma ele sabia que não retornaria da
terra santa…No caminho para lá, na missa diária e em oração, sua fé cresceu e
aprofundou-se…Quando o grupo de cavaleiros e crentes cristãos chegou a
Jerusalém, o bispo começou a pregar….falou aos seguidores de Maomé sobre sua
própria vida e sua maldade e proclamou a grandeza de Cristo como verdadeiro
Filho de Deus…Todos foram torturados e todos iriam morrer…Com uma prece pelo
sacerdote em seus lábios, foi lançado sobre a areia. Alguém empurrou um CEP de
madeira para debaixo de seu pescoço. Senhor abençoa o sacerdote. Abençoa a
missão dele, orou ele enquanto ouvia o movimento de uma espada impelida em
direção ao seu pescoço. (p.237-248. Madeline Pecora Nugent…);
Sabedoria
“Mesmo que as tentações da carne e a
impureza sejam fortes, a verdade de Cristo é mais forte e vence todos esses
pecados.” Cristo é vida para as pessoas sem vida. ‘(p.268. Madeline Pecora
Nugent…);
É mais fácil um camelo passar pelo
buraco da agulha…
“Havia uma porta EM Jerusalém chamada
de ‘buraco da agulha’. Era tão estreita que um camelo não conseguia passar por
ela, pois o camelo é um animal orgulhoso e altivo. Ele se recusava a se abaixar
o suficiente para passar pela porta. Essa porta é o Cristo humilde. Os
orgulhosos e avarentos, aqueles que carregam falsas pretensões e riquezas, não
podem entrar por essa porta. Os que desejam entrar têm de se humilhar
curvando-se. Têm de se ajoelhar diante de Cristo, o mais humilde de todos, e
admitir seus pecados. Então entrarão pela porta e serão salvos, contanto que
perseverem.”…Louvor a ti, meu Senhor Cristo, ‘o caminho, a verdade e a vida’,
‘a porta’ através da qual o pecador humilde pode entrar no reino de Deus.
Amém.”(p.269-270. Madeline Pecora Nugent…);
A comida envenenada
As conversões que as pregações de
Antônio operavam, um pouco em toda parte, suscitavam raiva e desejo de vingança
entre os chefes das seitas heréticas. Nos debates públicos, não conseguiam
derrubá-lo nem fazê-lo calar…Pensaram então, em matar frei Antônio…envenená-lo…
Certo dia, um pequeno grupo de hereges cultos fingiu pedir esclarecimentos a
frei Antõnio, sobre algumas dúvidas a respeito da bondade de Deus. Como eram
muito ocupados e não dispunham de muito tempo suplicaram a Antônio para que
viesse tomar a refeição junto com eles, assim poderiam conversar…Quando a
conversa já estava ao auge, serviram a Antônio uma perdiz. Essa- disse o dono
da casa – mandei preparar só para você…Frei Antônio olhou-a atentamente;
depois, como se estivesse sido iluminado do Alto, disse: -Mas por que desejam
envenenar-me?…os hereges empalideceram…até que um deles..disse…-Olhe, Pai! Não
tínhamos a intenção de fazer-lhe mal. Só queríamos saber se realmente Jesus
falava a verdade, quando dizia que, se seus discípulos bebessem ou comessem
algo envenenado, não lhe faria mal algum. (p.42-43.Giovanni M Colasanti.
Antônio de Pádua. Um santo também para você.. Ed. Paulinas).
Então, mantendo sua mão direita acima
do trigo envenenado, ele fez o sinal da cruz. Apanhou sua colher, mergulhou-a
na comida e então levou-a a boca….O sacerdote engoliu uma colherada e então
outra. “Você deve dizer ao cozinheiro-chefe para envenenar mais a comida…jamais
saboreei algo tão gostoso….No final, o conde Silvestro e vários outros crentes
tinham prometido voltar à Igreja Católica. .”(p.323. Madeline Pecora Nugent…);
Conhecimento de si mesmo
Jamais podemos conhecer a verdade sobre
Cristo a não ser que saibamos a verdade sobre nós mesmos. Nosso valor provém
não de nós mesmos, pois somos apenas humildes animais, mas do fato de , como o
asno do Domingo de Ramos, estamos carregando Cristo. Se nos virmos dessa
maneira, um dia Cristo, nossa verdade, nos dirá em seu eterno banquete: ‘Meu
honesto e humilde amigo, venha mais para cima”. (p.388. Madeline Pecora
Nugent…);
Humildade
Assim como todos os vícios dependem do
orgulho, pois este é o início de todo pecado, a humildade é a mãe e a raiz de
todas as virtudes. Deus resiste ao orgulhoso, mas mostra-se ao humilde e usa-o.
(p.388. Madeline Pecora Nugent…);
“A verdadeira humildade não pode sofrer
nem dor por causa de alguma injustiça nem rancor por causa da boa sorte de
outra pessoa.” (p.389. Madeline Pecora Nugent…);
Contemplação
A oração dá-nos a graça de agir para
Deus. Somente das alturas da contemplação podemos descer para instruir e
trabalhar entre os fiéis, para mostrar em nossa própria vida o caminho da
salvação. (p.390. Madeline Pecora Nugent…);
Não se preocupar com os bens temporais
“Se o espírito colocar de lado o
cuidado ansioso com coisas temporais, jamais se aproximará de Deus. As pessoas
que estão presas em infinitas preocupações temporais fazem com que os fardos do
pecado e o peso da preocupação com o mundo alcancem sua alma. As coisas
temporais são como uma nuvem matinal. Não são absolutamente nada, no entanto,
como uma nuvem, parecem ser algo. A nuvem matinal impede que vejamos o sol, e o
excesso de bens temporais desvia a alma dos pensamentos de Deus. (p.423.
Madeline Pecora Nugent…);
Cura
Um jovem chamado Leonardo tinha
procurado Antônio para se confessar…Como fazia com todos os penitentes, Antônio
tinha ouvido pacientemente, dado conselhos e a absolvição e enviado o jovem
para casa. Não muito tempo depois, disseram a Antônio que Leonardo tinha
cortado fora seu pé. Ele e Lucas foram às pressas para a casa do jovem…tomando
o rosto de Leonardo em suas mãos, Antônio perguntou com a voz cheia de agonia:
“Leonardo por que você fez isso? Padre, chorou o tremulo rapaz, ‘quando lhe
contei que tinha chutado minha mãe, você disse que “Se o seu pé é ocasião de
escândalo para você corte-o. É melhor você entrar para a vida sem um dos pés,
do que ter os dois pés e ser jogado no inferno.”
…Por que você fez isso? Perguntou o
santo – Não precisava cortar seu pé, bastava só controlar-se a si mesmo e
dominar sua raiva….Leonardo, o corpo é o templo de Deus. Nunca, nunca o mutile.
Oh Leonardo, meu sincero penitente.
Onde está o pé?
Antônio levantou a cabeça, seus olhos
fechados abriram-se e um profundo suspiro escapou do seu peito. “Vamos rezar,
Leonardo.” Durante longos momentos, os quatro na casa oraram em conjunto. Então
Antônio levantou-se para ir embora. “Não remova a atadura durante muitas
semanas. Continuarei a orar pela cura. Muitas semanas mais tarde, quando
Leonardo removeu a atadura, o pé permaneceu preso. (p.439-440. Madeline Pecora
Nugent…); (p.81-82.Giovanni M Colasanti. Antônio de Pádua. Um santo também para
você.. Ed. Paulinas).
O verdadeiro pregador
“O pregador deve saber primeiro o quê,
a quem e quando prega, e depois deve se perguntar se vive segundo aquilo que
prega”…“Quem segue verdadeiramente Jesus deseja que todos o sigam.” (Nova
Trezena de Santo Antônio. Frei Paulo Back, OFM. p.43).
Confissão
“Confesso-me a um homem, não como a um
homem, mas como a Deus”. O sacramento da penitência é chamado ‘Casa de Deus’,
porque os pecadores se reconciliam com Deus, como filho pródigo se reconcilia
com o pai, que o acolhe novamente em casa. É também chamado de ‘porta do
paraíso’ porque através da confissão o penitente é chamado a beijar os pés, as
mãos e a face do Pai celeste.” (Nova Trezena de Santo Antônio. Frei Paulo Back,
OFM. p.48).
Santo Antônio – Casamenteiro
Uma moça queria se casar, mas como era
muito pobre, não tinha condições de alcançar seu objetivo. Pôs-se a rezar
diante da imagem do santo, pedindo a graça. Caiu nas mãos da moça um bilhete,
que dizia: “Vá até o comerciante mais rico da cidade e peça que ele lhe dê em
ouro o equivalente ao peso do bilhete. Quando o comerciante colocou o bilhete
na balança, o bilhete pesava tanto que a moça conseguiu a quantia que precisava
para o seu casamento. O certo é que, em vida, Santo Antônio sempre se dedicou a
ajudar os casais em crise a superar os momentos de conflito, a combater a
imoralidade e o adultério. (Nova Trezena de Santo Antônio. Frei Paulo Back,
OFM. p.66).
Biografia de Santo Antônio pelo Vaticano
CERIMÓNIA LITÚRGICA POR OCASIÃO DA
COMEMORAÇÃO
DO 750º ANIVERSÁRIO DA MORTE DE SANTO ANTÓNIO
HOMILIA DO CARDEAL AGOSTINO CASAROLI
Basílica de Pádua
Domingo, 6 de Setembro de 1981
Enquanto, na recolhida grandiosidade
desta Basílica, se aproximam do fim as celebrações litúrgicas comemorativas do
septingentésimo quinquagésimo aniversário da morte daquele que os paduanos, e
muitos dos que chegam aqui peregrinos de todas as partes da terra, chamam
afectuosamente o “Santo”, parece-me quase ver — reunidos aqui hoje connosco, e
com o Santo Padre João Paulo
II que, impossibilitado de vir nesta ocasião a Pádua, nela está contudo
espiritualmente presente — parece-me quase ver multidões de homens que,
espalhados por todos os Continentes, dirigem o pensamento e a oração para o
“Santo do mundo inteiro”, como o definiu o grande Pontífice Leão XIII.
Na realidade, bem difícil é descobrir
cidade ou aldeia do orbe católico onde não se encontre um altar, ou ao menos
uma imagem, de António de Pádua; e a sua serena e tranquilizadora imagem ilumina,
com o sorriso, milhões de casas cristãs, nas quais à fé alimenta, por seu meio,
a esperança na Providência do Pai celeste.
Santo da Providência na verdade, sempre
pronto e poderoso intercessor junto dela, é considerado e sentido pelos
crentes, especialmente pelos mais humildes e indefesos, mas não por eles só,
este filho da generosa terra portuguesa, arribado às praias da Sicília e de lá
subindo a caminho de Assis, radiosa ainda com a presença do seu Pobrezinho, e
depois para o norte da Itália, para fazer por último, desta ilustre cidade, a sua
cidade, indissoluvelmente ligada durante os séculos ao seu nome.
Ele, que o Papa Paulo VI com grandiosa
expressão chamou uma vez “este querido, bom e, digamos ainda, também tão
cortês, porque cheio de serviços, o querido Santo António”, continua a
exercitar a sim extraordinária atracção sobre inúmeros fiéis, esperançados em
encontrar, nele, paciente e benévola audição, também nas pequenas dificuldades
e contrariedades da vida quotidiana, e ainda mais nas maiores, que impelem o
homem a procurar quem apresente, apoie e torne eficaz a sua súplica a Deus.
“Si quaeris miracula…” Se desejas milagres
— é a antiga hinódia — que Julião da Spira compôs pouco depois da canonização
de António, ou seja pouco mais de um ano a contar da sua morte — a qual
prossegue caracterizando a relação de muitos cristãos com o Taumaturgo de
Pádua. E esta relação às vezes parece empobrecer um pouco a figura do Santo,
senão mesmo favorecer formas pouco iluminadas de religiosidade popular.
Longe de mim querer perturbar esse
clima de confiança que séculos de experiência criaram, dando lugar aquilo que
não injustamente foi chamado “o fenómeno antoniano”.
Mas, numa circunstancia excepcional
como esta, e depois de um reflorescimento de estudos apaixonados ter procurado,
e conseguido, fazer dalgum modo redescobrir, na sua justa estatura, na sua
verdadeira dimensão, o Santo de Pádua, é necessário perguntarmo-nos se ele não
tem ainda outra, mais vasta, mais elevada, mensagem para lançar ao mundo,
recolhido este ano, na recordação do longínquo 13 de Junho de 1231, quando na
solidão do ermitério da Arcella, depois do fatigante regresso do seu refúgio de
Camposampiero, o grande filho de São Francisco, a menos de cinquenta anos do
piíssimo trânsito do Pai, o seguia na glória do Céu, realizando em si mesmo
quanto ele escrevera num seu Sermão para a Ressurreição do Senhor: “Quando a
alma está a tal ponto iluminada, a tal ponto elevada, é então que o vigor do
corpo falta, o rosto empalidece e a carne se afrouxa”.
A sua morte, prematura se calculamos os
anos da sua breve existência, chegava coroando uma vida a tal ponto iluminada,
que maior luminosidade e maiores alturas nunca poderia atingir.
Os últimos dez anos da sua breve mas
intensa peregrinação terrestre, além de nos cuidados do ensino e no triénio de
governo provincial, passara-os no exercício do ministério sacerdotal, e
sobretudo na pregação. Depois do início imprevisto e surpreendente de Forlì,
ei-lo, pregoeiro da Palavra, a percorrer incansável a Itália do norte e o sul
da França, para voltar depois à Itália, até à Quaresma por ele pregada aqui em
Pádua na vigília, agora, do fim da sua vida, extenuado nas forças, mas
arrebatador ainda numa oratória feita de ensino e exemplo. “A vicia do pregador
— deve ser quente e a doutrina luminosa”, deixará escrito ele mesmo.
Entre os seus ouvintes contam-se também
doutos e poderosos — na primavera de 1228 o Papa Gregário IX quis que ele fosse
pregador dos Cardeais e dos Prelados da Cúria Romana —, mas o seu público
habitual eram as grandes multidões, compostas sobretudo de gente simples e
pobre.
Todavia, o ensinamento por ele dado a
estes, como aos outros, era o fruto de longa e profunda preparação. Oh, os anos
serenos da adolescência e da juventude, gastos no solene silêncio dos claustros
agostinianos de Lisboa e de Santa Cruz em Coimbra, na oração e no estudo, como
atleta preparado misteriosamente pela Graça para a extraordinária aventura que
o veria entre os primeiros grandes franciscanos, exemplo de humildade, de
pobreza e de penitência, mas simultaneamente portador — na Ordem recém-nascida
— da exigência de um vigoroso esforço cultural, que Francisco pareceu durante
um momento temer, quase como um perigo para “o estudo da oração e o espírito de
devoção”, que ele considerava ser característica, primeira e fundamental, dos
seus Irmãos.
As antigas figurações do Santo
apresentam-no tendo na mão o símbolo da ciência e da sabedoria: o livro. E a
sabedoria, bem mais que a virtude taumatúrgica, é, juntamente com a santidade
da vida, aquilo que celebram os contemporâneos de António, como característica
sua, própria e excepcional.
A sua cultura, que não desprezava os
conhecimentos das ciências humanísticas e nem sequer as naturais, então (para
dizer a verdade) ainda nos princípios, centrava-se no Livro Sagrado, a Bíblia,
Gregório IX, depois de o ouvir, pôde chamar-lhe “Arca do Testamento” e “Escrínio
das Sagradas Escrituras”. É tradição que o mesmo Pontífice, ao proceder à sua
canonização em Espoleto, a ele se dirigiu com a invocação “O Doctor optime,
Ecclesiae sanctae lumen, beato Antoni…!” — Doutor admirável, luz da santa
Igreja, Santo António — reconhecendo-o assim como Doutor da Igreja.
Este reconhecimento foi solenemente
ratificado, em 1946, pelo Papa Pio XII. Mas o que sobretudo me impressiona é o
apelativo que, em relação com os outros luminares da Igreja — com nomes
ilustres e títulos sugestivos — lhe é atribuído, quase como seu distintivo: Doctor
Evangelicus! — Doutor Evangélico.
E em tal apelativo parece-me poder
descortinar qual é, na realidade, a mensagem que António de Pádua tem para
enviar também a nós, homens do fim do século XX da era cristã.
Esta mensagem bem se enquadra naquela
acção taumatúrgica, naquela “cortesia” em escutar e servir, da qual falava o
Papa Paulo VI, cortesia que, aos olhos de muitos cristãos, quase velou o
verdadeiro rosto de Santo António: Doutor e evangelizador. Ele, de facto, como
os Apóstolos de Jesus enviados através do mundo, pregou e quer ainda hoje
pregar o Evangelho de Cristo, e fá-lo “Domino cooperante et sermonem
confirmante, sequentibus signis” — O Senhor cooperava com eles,
confirmando-lhes a palavra com os milagres que a acompanhavam — (Mc 16,
20). Demonstração de bondade e de amor, os sinais maravilhosos, que o povo
cristão continua a atribuir à intercessão do Santo, para isto são
principalmente destinados: para confirmar os homens na verdade, para reforçar a
fé vacilante ou para a despertar adormecida, para levar a que seja acolhida —
pelos doutos e pelos indoutos — a luz do Evangelho.
Com muita razão, qual mote inspirador
do ano antoniano em curso, foi escolhida a afirmação que atribuiu Cristo a Si e
António ele Pádua fez própria: Evangelizare pauperibus misit Me (Lc
4, 18) — (Deus) enviou-Me para anunciar a boa nova aos pobres.
Disto, do Evangelho, é que tem
necessidade o mundo de hoje.
Do Evangelho: da Sua doutrina e do Seu
espírito.
Ele apareceu no mundo, há quase dois
milénios, como luz nas trevas, como mensagem de esperança: anúncio de alegria
para os incertos, os oprimidos, os desiludidos e os desesperançados; fogo de
amor trazido à terra, para toda ser por ele incendiada.
A tantos séculos — desde que a voz do
Mestre se levantou num ângulo perdido do grande Império de Roma, difundindo-se
depois por todo o orbe — devemos perguntar-nos que é feito, hoje, daquela luz,
daquela esperança, daquele incêndio: Quantos olhos se erguem para o céu, que
Ele nos abre para mostrar-nos o Pai e indicar-nos o caminho que a Ele conduz?
Quantos corações aceitam verdadeiramente a Sua lei de amor e de fraternidade,
que não conhece barreiras nem confins, nem ódios, nem injustiças, nem
opressões, nem guerras?
Enquanto o homem moderno muitas vezes
se interroga, angustiado, sobre o seu ser e o seu destino, enquanto a
humanidade tem agora de perguntar-se se não está para ficar sepultada, de um
momento para o outro, debaixo dos seus crescentes triunfos nas ciências e na
técnica, esta antiga e sempre nova voz deve, com renovada insistência, ressoar
forte na terra.
A isto nos convida, a nós sacerdotes, a
nós cristãos todos, o Doutor Evangélico. E a todos convida ele a não fecharmos
os olhos a tanta luz; os ouvidos, o coração, a tão grande Mensagem: que é
Mensagem de salvação, Mensagem de justiça, Mensagem de amor, Mensagem de paz.
Desça a sua Bênção sobre a Itália e sobre o mundo todo. E seja ela nova
primavera de esperança, na luz da Boa Nova, para a humanidade inteira!
PAPA BENTO XVI
AUDIÊNCIA GERAL
Quarta-feira, 10 de Fevereiro de 2010
São António de Pádua
Queridos irmãos e irmãs!
Há duas semanas apresentei a figura de São Francisco de Assis. Esta manhã gostaria
de falar de outro santo pertencente à primeira geração dos Frades Menores:
António de Pádua ou, como é também chamado, de Lisboa, referindo-se à sua
cidade natal. Trata-se de um dos santos mais populares de toda a Igreja
Católica, venerado não só em Pádua, onde foi construída uma maravilhosa
Basílica que conserva os seus despojos mortais, mas em todo o mundo. São
queridas aos fiéis as imagens e as imagens que o representam com o lírio,
símbolo da sua pureza, ou com o Menino Jesus no colo, em recordação de uma
milagrosa aparição mencionada por algumas fontes literárias.
António contribuiu de modo significativo
para o desenvolvimento da espiritualidade franciscana, com os seus salientes
dotes de inteligência, equilíbrio, zelo apostólico e, principalmente, fervor
místico.
Nasceu em Lisboa numa família nobre,
por volta de 1195, e foi baptizado com o nome de Fernando. Uniu-se aos cónegos
que seguiam a regra monástica de Santo Agostinho, primeiro no mosteiro de São
Vicente em Lisboa e, sucessivamente, no da Santa Cruz em Coimbra, famoso centro
cultural de Portugal. Dedicou-se com interesse e solicitude ao estudo da Bíblia
e dos Padres da Igreja, adquirindo aquela ciência teológica que fez frutificar
na actividade do ensino e da pregação. Aconteceu em Coimbra o episódio que
contribuiu para uma mudança decisiva na sua vida: ali, em 1220 foram expostas
as relíquias dos primeiros cinco missionários franciscanos, que tinham ido a
Marrocos, onde encontraram o martírio. A sua vicissitude fez nascer no jovem
Fernando o desejo de os imitar e de progredir no caminho da perfeição cristã:
então, pediu para deixar os Cónegos agostinianos e para se tornar Frade Menor.
O seu pedido foi aceite e, tomando o nome de António, partiu também ele para
Marrocos, mas a Providência divina dispôs de outro modo. Após uma doença, foi
obrigado a partir para a Itália e, em 1221, participou no famoso “Capítulo das
Esteiras” em Assis, onde encontrou também São Francisco. Em seguida, viveu
algum tempo no escondimento total num convento de Forli, no norte da Itália,
onde o Senhor o chamou para outra missão. Enviado, por circunstâncias totalmente
casuais, a pregar por ocasião de uma ordenação sacerdotal, mostrou ser dotado
de ciência e eloquência, e os Superiores destinaram-no à pregação. Começou
assim na Itália e na França, uma actividade apostólica tão intensa e eficaz que
induziu muitas pessoas que se tinham afastado da Igreja a reconsiderar a sua
decisão. António foi também um dos primeiros mestres de teologia dos Frades
Menores, ou até o primeiro. Iniciou o seu ensino em Bolonha, com a bênção de
São Francisco, o qual, reconhecendo as virtudes de António, lhe enviou uma
breve carta, que iniciava com estas palavras: “Agrada-me que ensines teologia
aos frades”. António lançou as bases da teologia franciscana que, cultivada por
outras insignes figuras de pensadores, teria conhecido o seu ápice com São
Boaventura de Bagnoregio e com o beato Duns Escoto.
Tornando-se Superior dos Frades Menores
da Itália setentrional, continuou o ministério da pregação, alternando-o com as
funções de governo. Concluído o cargo de Provincial, retirou-se para perto de Pádua,
aonde já tinha ido outras vezes. Após um ano, faleceu nas portas da cidade, a
13 de Junho de 1231. Pádua, que o tinha acolhido com afecto e veneração durante
a vida, tributou-lhe para sempre honra e devoção. O próprio Papa Gregório IX,
que depois de o ter ouvido pregar o tinha definido “Arca do Testamento”,
canonizou-o só um ano depois da morte, em 1232, também após os milagres que se
verificaram por sua intercessão.
No último período de vida, António pôs
por escrito dois ciclos de “Sermões”, intitulados respectivamente “Sermões
dominicais” e “Sermões sobre os Santos”, destinados aos pregadores e aos
professores dos estudos teológicos da Ordem franciscana. Nestes Sermões ele
comentava os textos da Escritura apresentados pela Liturgia, utilizando a interpretação
patrístico-medieval dos quatro sentidos, o literal ou histórico, o alegórico ou
cristológico, o antropológico ou moral, e o analógico, que orienta para a vida
eterna. Hoje redescobre-se que estes sentidos são dimensões do único sentido da
Sagrada Escritura e que é justo interpretar a Sagrada Escritura procurando as
quatro dimensões da sua palavra. Estes Sermões de Santo António são textos
teológico-homiléticos, que reflectem a pregação bíblica, na qual António propõe
um verdadeiro itinerário de vida cristã. É tanta a riqueza de ensinamentos
espirituais contida nos “Sermões”, que o Venerável Papa Pio XII, em 1946,
proclamou António Doutor da Igreja, atribuindo-lhe o título de “Doutor
evangélico”, porque desses escritos sobressai o vigor e a beleza do Evangelho;
ainda hoje os podemos ler com grande proveito espiritual.
Nestes Sermões Santo António fala da
oração como de uma relação de amor, que estimula o homem a dialogar docilmente
com o Senhor, criando uma alegria inefável, que suavemente envolve a alma em
oração. António recorda-nos que a oração precisa de uma atmosfera de silêncio
que não coincide com o desapego do rumor externo, mas é experiência interior,
que tem por finalidade remover as distracções causadas pelas preocupações da
alma, criando o silêncio na própria alma. Segundo o ensinamento deste insigne
Doutor franciscano, a oração é articulada em quatro atitudes indispensáveis
que, no latim de António, são assim definidas: obsecratio, oratio,
postulatio, gratiarum actio. Poderíamos traduzi-las do seguinte modo: abrir
com confiança o próprio coração a Deus; é este o primeiro passo do rezar, não
simplesmente colher uma palavra, mas abrir o coração à presença de Deus;
depois, dialogar afectuosamente com Ele, vendo-o presente comigo; e depois muito
natural apresentar-lhe as nossas necessidades; por fim, louvá-lo e
agradecer-lhe.
Deste ensinamento de Santo António
sobre a oração captamos uma das características específicas da teologia
franciscana, da qual ele foi o iniciador, isto é, o papel atribuído ao amor
divino, que entra na esfera dos afectos, da vontade, do coração, e que é também
a fonte da qual brota uma consciência espiritual, que supera qualquer
conhecimento. De facto, amando, conhecemos.
Escreve ainda António: “A caridade é a
alma da fé, torna-a viva; sem o amor, a fé esmorece” (Sermomes Dominicales
et Festivi II, Messaggero, Pádua 1979, p. 37).
Só uma alma que reza pode realizar
progressos na vida espiritual: é este o objecto privilegiado da pregação de
Santo António. Ele conhece bem os defeitos da natureza humana, a nossa
tendência a cair no pecado, e portanto exorta a continuar a combater a
inclinação da avidez, do orgulho, da impureza, e a praticar as virtudes da
pobreza e da generosidade, da humildade e da obediência, da castidade e da
pureza. No início do século XVIII, no contexto do renascimento das cidades e do
florescer do comércio, crescia o número de pessoas insensíveis às necessidades
dos pobres. Por este motivo, António convidou várias vezes os fiéis a pensar na
verdadeira riqueza, a da cruz, que tornando bons e misericordiosos, faz
acumular tesouros para o Céu. “Ó ricos assim exorta ele tornai-vos amigos… dos
pobres, acolhei-os nas vossas casas: serão depois eles, os pobres, quem vos
acolherão nos eternos tabernáculos, onde há a beleza da paz, a confiança da
consciência, a opulenta tranquilidade da eterna saciedade” (Ibid., p.
29).
Não é porventura este, queridos amigos,
um ensinamento muito importante também hoje, quando a crise financeira e os
graves desequilíbrios económicos empobrecem não poucas pessoas, e criam
condições de miséria? Na minha Encíclica Caritas in veritate recordo: “A economia tem
necessidade da ética para o seu correcto funcionamento não de uma ética
qualquer, mas de uma ética amiga da pessoa” (n. 45).
António, na escola de Francisco, coloca
sempre Cristo no centro da vida e do pensamento, da acção e da pregação. Esta é
outra característica típica da teologia franciscana: o cristocentrismo. Ela
contempla benevolamente, e convida a contemplar, os mistérios da humanidade do
Senhor, o homem Jesus, de modo particular, o mistério da Natividade, Deus que
se fez Menino, se entregou nas nossas mãos: um mistério que suscita sentimentos
de amor e de gratidão para com a bondade divina.
Por um lado a Natividade, ponto central
do amor de Cristo pela humanidade, mas também a visão do Crucifixo inspira em
António pensamentos de reconhecimento para com Deus e de estima pela dignidade
da pessoa humana, de modo que todos, crentes e não-crentes, possam encontrar no
Crucificado e na sua imagem um significado que enriquece a vida. Escreve Santo
António: “Cristo, que é a tua vida, está pendurado diante de ti, para que tu
olhes para a cruz como para um espelho. Nela poderás conhecer quanto mortais
foram as tuas feridas, que nenhum remédio teria podido curar, a não ser o do
sangue do Filho de Deus. Se olhares bem, poderás dar-te conta de como são
grandes a tua dignidade humana e o teu valor… Em nenhum outro lugar o homem
pode aperceber-se melhor do seu valor, a não ser olhando para o espelho da
cruz” (Sermones Dominicales et Festivi III, pp. 213-214).
Meditando estas palavras podemos compreender
melhor a importância da imagem do Crucifixo para a nossa cultura, para o nosso
humanismo nascido da fé cristã. Precisamente olhando para o Crucifixo vemos,
como diz Santo António, como é grande a dignidade humana e o valor do homem. Em
nenhum outro ponto se pode compreender quanto o homem vale, precisamente porque
Deus nos torna tão importantes, nos vê tão importantes, que somos, para Ele,
dignos do seu sofrimento; assim, toda a dignidade humana aparece no espelho do
Crucifixo e olhar em sua direcção é sempre fonte do reconhecimento da dignidade
humana.
Queridos amigos, possa António de
Pádua, tão venerado pelos fiéis, interceder pela Igreja inteira, e sobretudo
por aqueles que se dedicam à pregação; oremos ao Senhor para que nos ajude a
aprender um pouco desta arte de Santo António. Os pregadores, inspirando-se no
seu exemplo, tenham a preocupação de unir doutrina sólida e sã, piedade
sincera, incisiva na comunicação. Neste Ano sacerdotal, rezemos para que os
sacerdotes e os diáconos desempenhem com solicitude este ministério de anúncio
e de actualização da Palavra de Deus aos fiéis, sobretudo através das homilias
litúrgicas. Sejam elas uma apresentação eficaz da eterna beleza de Cristo,
precisamente como António recomendava: “Se pregas Jesus, Ele comove os corações
duros; se o invocas, alivia das tentações amargas; se o pensas, ilumina o teu
coração; se o lês, sacia-te a mente” (Sermones Dominicales et Festivi
III, p. 59).
Saudações
Saúdo, com fraterna amizade, os grupos
vindos de São Paulo, Rio de Janeiro, Ribeirão Preto e demais peregrinos de
língua portuguesa, desejando que esta visita aos lugares santificados pela
pregação e martírio dos Apóstolos Pedro e Paulo possa confirmar a todos na fé,
esperança e caridade. A Virgem Mãe vos acompanhe e proteja!
CARTA DO PAPA JOÃO PAULO II
CENTENÁRIO DO NASCIMENTO DE
SANTO ANTÔNIO DE PÁDUA
…
Aprendi com grande satisfação que as
quatro famílias franciscanas estão se preparando para celebrar com as medidas
adequadas VIII centenário de Santo António, figura carismática universalmente
venerado e invocado.
A Ordem Franciscana inteira está
envolvida na sua preparação para o Jubileu do modelo exemplar, junto com a
cidade de Pádua, que admite no seu território o centro da devoção de Anthony, e
com a de Lisboa, onde o santo nasceu…
Durou apenas 36 anos sua existência
terrena. Os quatorze primeiros foram gastos na escola episcopal de sua cidade.
Aos quinze anos, ele pediu para entrar entre os Cônegos Regulares de Santo
Agostinho, foi ordenado sacerdote aos vinte anos: dez anos de vida
caracterizado pela busca e rigorosos cuidados de Deus, através do estudo
intensivo de teologia… e aperfeiçoamento interior.
Mas Deus continuou a questionar o
espírito do jovem padre Fernando: esse era o nome que recebeu na fonte
batismal. No mosteiro de Santa Cruz, em Coimbra, conheceu um grupo de
franciscanos…de Assis, que foi para o Marrocos para testemunhar o Evangelho,
mesmo à custa do martírio. Nessa ocasião, o jovem Fernando experiências com um
novo desejo: proclamar o Evangelho aos gentios, sem parar, para enfrentar o
risco de vida.
No outono de 1220 ele deixou o mosteiro
e se tornou um seguidor de Francisco de Assis, tomando o nome de Antonio.
Partiu, em seguida, para Marrocos, mas uma grave doença o obrigou a desistir do
seu ideal missionário.
Assim começou o último período de sua
existência, durante o qual ele foi guiado por Deus nas estradas que nunca teria
pensado em ir. Depois de arrancados de sua terra natal e seus projetos no
exterior da evangelização, Deus o levou a viver a forma ideal de vida
evangélica em solo italiano. Anthony viveu experiência franciscana onze anos
apenas, mas assimilados a ponto de, “Cristo” e o ideal do Evangelho, se
tornarem para ele uma regra de vida encarnada no cotidiano.
Seguimos você, como a criatura segue o
Criador, o Pai como filhos, como a mãe das crianças como o pão ao faminto, o
doente como o médico, o cansaço da cama, como os exilados casa “(S. Augustini, Sermões,
II, p. 484).
Em Cristo, ele construiu sua vida
Toda a sua pregação foi uma contínua e
incansável proclamação do Evangelho. Anúncio verdadeiro, corajoso, claro. A
Pregação era sua maneira de transformar a fé nas almas, para purificá-los,
confortá-los, iluminá-los (p. 154).
…
Em Cristo, ele construiu sua vida. As
virtudes do Evangelho, sobretudo a pobreza de espírito, mansidão, humildade,
castidade, a misericórdia, a coragem da paz foram os temas constantes de sua
pregação.
…
Ele usou todos os instrumentos
científicos então conhecido de aprofundar o conhecimento da verdade do
Evangelho e para tornar mais compreensível o anúncio. O sucesso de seu
ministério confirmou que ouviu falar a mesma língua dos seus ouvintes, capazes
de comunicar eficazmente os conteúdos da fé e aceitar os valores do Evangelho
na cultura popular de seu tempo.
…
Pedindo ao Senhor, Pastor e Mestre de
todas as almas, por intercessão de Santo António, um pregador eminente e
padroeiro dos pobres, será dada a todos com generosidade e seguir fielmente os
ensinamentos do Evangelho, eu concedo uma especial Bênção Apostólica para você,
a família franciscana inteira e todos os devotos do grande santo.
Cidade do Vaticano, em 13 de junho de
1994, o décimo sexto do meu Pontificado.
IOANNES PAULUS
PP. JOHN PAUL PP. II II
Escreve Santo Antônio de Pádua:
“Cristo, que é a tua vida, está suspenso diante de ti, para que tu olhes para a
cruz como num espelho… se olhares para Ele, poderás perceber como são grandes a
tua dignidade… e o teu valor…. Em nenhum outro lugar, o homem pode perceber
melhor quanto ele vale do que contemplando-se no espelho da cruz” (Sermones
Dominicales et Festivi III, pp. 213-214).
Sermões de Santo Antônio
SERMÕES DE SANTO
ANTÔNIO DE PÁDUA
Santo Antônio examinando as Sagradas Escrituras
Na solidão encontrarás o Senhor
1. Naquele tempo disse Jesus a Pedro:
“Segue-me” (Jo 21,19). Neste passo do Evangelho, podem-se observar duas coisas:
a imitação de Cristo e seu amor para com seu fiel discípulo.
I – A Imitação de Cristo.
2. A imitação de Cristo está expressa
nas palavras: “Segue-me”. Sim, isso ele o diz a Pedro, mas também a todo
cristão: “segue-me, tu também, nu como nu o sou, livre de todo apego como livre
o sou”. Por isso é que Jeremias afirma: “ Chamar-me-ás de Pai e não te cansarás
de andar atrás de mim” (3,19). Segue-me, portanto, e joga fora o peso que
levas, pois, carregado como estás, não podes andar atrás de mim que corro.
“Corri, diz o salmista, tendo sede” (Sal 61,5); sede, entende-se, de salvar a
humanidade. E para onde ele corre? Na direção da cruz. Por isso, corre também
tu atrás de Cristo para que assim como ele tomou sua cruz por ti, tu também
tomes a tua cruz por ti. Lê-se no evangelho de Lucas: “Se alguém quer vir após
mim, renegue a si mesmo” (9,23), quer dizer, sacrifique a própria vontade, tome
sua cruz mortificando a carne, todos os dias, isto é, continuamente, e assim
siga-me. Portanto: segue-me! Ou então, se quiseres vir a mim e encontrar-me,
segue-me, isto é, procura-me à parte. Ele diz aos discípulos: “Vinde à parte a
um lugar deserto e descansai um pouco. Com efeito, tão grande era a multidão
que ia e vinha que ele não tinha nem mesmo o tempo para comer” (Mc 6,31). Que
coisa! Quantas paixões da carne, que multidão de pensamentos vão e vêm pelo
nosso coração! E assim não temos nem o tempo de nos alimentar com o alimento da
eterna doçura, nem de sentir o sabor da contemplação interior. Eis porque o
bondoso Mestre diz ainda: “Vinde à parte, para longe da multidão, vinde a um
lugar apartado, isto é, à solidão interior, da mente e do corpo, e descansai um
pouco.
Sim, “um pouco”, porque como diz o
Apocalipse: “Fez-se silêncio no céu por mais ou menos uma meia hora” (8,1) e o
Salmo 54,7: “Quem me dará asas de pomba para voar e encontrar repouso?”. E o
profeta Oséias também diz: “Eis que eu a amamentarei e conduzi-la-ei ao deserto
e lhe falarei ao coração” (2,16). Nestas três expressões
(amamentarei-conduzirei-falarei ao coração) podem-se notar também três
situações: aquela de quem está no começo, aquela de quem está progredindo e
aquela de quem já está na perfeição. É a graça que amamenta quem está no começo
e o ilumina para que cresça e progrida de virtude em virtude; e por isso o
conduz do barulho dos vícios, do tumulto dos pensamentos à solidão, isto é, à
quietude interior da mente. Aí então, torna-o perfeito, fala-lhe ao coração e ele
sente a doçura da inspiração divina e pode elevar-se de corpo e alma à alegria
do espírito. E então, como é grande em seu coração a devoção! E como são
grandes também a contemplação e o êxtase! Através da grandeza da devoção, a
pessoa eleva-se acima de si mesma.
Através da sublime contemplação ela se
sente como que transportada ainda acima de si mesma e, através do êxtase, ela é
levada como para fora de si mesma. Por isso: “segue-me”. O Senhor fala como uma
mãe carinhosa que quando está ensinando seu nenê a caminhar, mostra-lhe o pão
ou uma maçã e lhe diz: “Vem, vem, eu vou te dar!” E quando a criança está
pertinho, pronta para pegar, a mãe, devagarinho.. vai se afastando e
dizendo-lhe, mostrando o pão e a maçã: “Vem, vem, pega!” Existem também pássaros
que tiram do ninho seus filhotes e, voando, os ensina a voar e segui-los. Assim
faz Cristo: ele mesmo se coloca como exemplo para que o sigamos e promete o
prêmio no Reino dos Céus.
3. Segue-me, portanto, porque eu
conheço o bom caminho pelo qual conduzir-te. No Livro dos Provérbios
encontra-se escrito a este propósito: “Mostrar-te-ei o caminho da sabedoria.
Conduzir-te-ei pelos caminhos da retidão. Quando neles entrares, teus passos
não serão trôpegos e, se correres, não haverás de
tropeçar” (4,11-12). O caminho da
sabedoria é o caminho da humildade. Bem diferente é o caminho da estultícia,
porque é o caminho do orgulho. Jesus mesmo no-lo mostrou quando disse:
“Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração e encontrareis descanso
para vossas almas” (Mt 11,29). O caminho é estreito, dá apenas para dois pés,
de tal modo que nenhum outro possa passar. Diz-se em latim `semita’, isto é,
“meia estrada”,`semis iter’, pois “semis” quer dizer metade e `iter’ quer dizer
caminho. Caminhos da retidão
são os da pobreza e da obediência. Por
eles é que Cristo te conduz com seu exemplo, ele mesmo pobre e obediente.
Nesses caminhos não existe estrada tortuosa; tudo é bem plaino, bem reto! Mas o
que causa maravilha é o fato que, mesmo sendo assim tão estreitos, os passos
dados neles não são indecisos, sem jeito. O caminho do mundo, ao contrário, é
largo e espaçoso. E, no entanto, os seculares, aqueles que vivem segundo o
mundo, acham que ele nunca é suficientemente largo: são como bêbados que acham
sempre estreito qualquer caminho, mesmo o largo. Com efeito, a maldade tem uma
estreiteza conatural. A pobreza e a obediência, ao contrário, contêm, é claro,
uma restrição, mas por isso mesmo doam também liberdade, porque a pobreza torna
rico e a obediência livre. Quem percorrer esses caminhos seguindo a Jesus,
jamais encontrará o tropeço das riquezas ou o tropeço da própria vontade.
Segue-me, portanto, e mostrar-te-ei “aquilo que olho não viu, ouvido não ouviu
nem penetrou em coração de homem” (1Cor 2,9). “Segue-me e dar-te-ei, diz
Isaías, tesouros escondidos e riquezas ocultas” (45,3). E o mesmo: “Ù vista
disso ficarás radiante de alegria e teu coração estremecerá e se dilatará”
(60,5). Haverás de ver a Deus face a face, assim como ele é e te encherás de
delícias e riquezas na dupla estola da alma e do corpo. Teu coração admirará as
ordens dos anjos e a moradia dos bem-aventurados e, por causa da imensa
felicidade, se dilatará na exultação e no louvor. Portanto: segue-me! II – O
Amor de Cristo para com o seu discípulo fiel.
4. O amor de Cristo para com a pessoa
que lhe é fiel é bem demonstrado, por exemplo, na seguinte passagem: “Pedro,
então, tendo-se voltado, viu que o estava seguindo o discípulo que Jesus amava,
aquele que na ceia tinha se inclinado sobre o seu peito” (Jo 21,20). Quem
realmente segue a Cristo, deseja que todos sigam o Senhor. Eis porque se dirige
ao próximo com carinho, com oração devota e com a pregação. O voltar-se de
Pedro significa exatamente isto e concorda com o final do Apocalipse – “O esposo
e a esposa, isto é, Cristo e a Igreja, dizem: Vem! E quem escuta diga por sua
vez: Vem! (22,17). Cristo, por meio da inspiração celeste, e a Igreja, por meio
da pregação, dizem ao homem e à mulher: Vem! E quem ouve essas palavras, diga
por sua vez ao próximo: Vem! Não queres seguir a Jesus? Portanto: tendo-se
voltado, Pedro viu que o estava seguindo aquele discípulo que Jesus amava. E
Jesus ama quem o segue. No livro dos Números diz-se o seguinte: “O meu servo
Caleb, que me seguiu fielmente, eu o introduzirei na terra que ele percorreu. E
a sua
geração dela tomará posse” (14,24). A
Glossa, sem dizer o nome, mas com as palavras “que Jesus amava” está indicado o
discípulo João e ele se distingue dos outros não porque Jesus amasse somente a
ele, mas porque amava mais a ele do que aos outros. Amava também os outros, mas
a este o amava com “maior afeição”. E Jesus gratificou-o com uma ternura maior
de seu amor, pois o havia chamado quando era ainda virgem e virgem ele
permaneceu; por isso a ele Jesus confiou sua própria mãe. Este foi um gesto
imenso de amor! Somente João repousou a cabeça no peito de Jesus” no qual estão
encerrados todos os tesouros da sabedoria e da ciência” (Col 2,3). Nesse mesmo
gesto estava como que prefigurado o fato dos inumeráveis segredos divinos que
ele haveria de escrever, a diferença dos demais evangelistas.
5. Pode-se observar também que Jacó
descansou sobre uma pedra e João sobre o peito de Jesus. Aquele durante a
caminhada, este durante a ceia. Em Jacó são representados os peregrinos sobre a
terra, em João os bem-aventurados. Aqueles, durante a caminhada terrena, estes,
já chegados à pátria celeste. No livro do Gênesis, se diz: “Jacó partiu de
Bersabéia e dirigia-se a Haran. Querendo descansar, pegou uma pedra, colocou-a
sob a cabeça e dormiu. E, em sonho, viu uma escada em pé e anjos subindo e
descendo por ela e o Senhor no topo da escada.” (28,10-13). Jacó é o justo
ainda peregrino sobre esta terra onde tem muito que lutar. Ele sai de Bersabéia
que significa “sétimo poço” e representa o poço sem fundo da cobiça humana,
exatamente como o sétimo dia do qual se lê não ter fim.
Dirige-se rumo a Haran que significa
“alto” e representa por isso a Jerusalém celeste. O profeta Habacuc o diz:
“Subirei e me unirei ao nosso povo já em paz”, o nosso povo que triunfou sobre
a maldade do século. E, por desejar aliviar o cansaço de sua peregrinação, o
justo coloca sob a cabeça uma pedra e adormece. A cabeça é a mente. A pedra é a
firmeza da fé. A escada em pé representa o duplo amor a Deus e ao próximo. Os
anjos são os homens justos que sobem até Deus elevando-se com suas mentes, mas
abaixando-se até o próximo através da compaixão. A
pessoa justa, então, durante a
peregrinação terrena, coloca a mente na firmeza da fé para descansar. Eis
porque está escrito nos Provérbios: “O arganaz, uma espécie de marmota, por sua
natureza, é fraco e faz seu esconderijo na pedra” (30,26). O arganaz, animal
tímido, representa quem é fraco no espírito e por isso não sabe opor-se com
força aos ataques de qualquer espécie e coloca na pedra da fé o travesseiro da
sua esperança para aí poder descansar e dormir e ver elevar-se em si mesmo a
escada do amor. Observe-se que o Senhor está no topo da escada por dois
motivos: para sustentá-la e para acolher os que nela sobem. Na realidade ele
sustenta o peso da nossa fragilidade de modo a estarmos em grau de subir a
escada através das obras do amor. E ele acolhe aqueles que sobem para que
possamos também nós tornar-nos eternos e bem aventurados com ele que é eterno e
bem aventurado. E então, naquela ceia que nos saciará para sempre,
descansaremos, com João, sobre o peito de Jesus. O coração no peito é o amor no
coração.
Descansaremos em seu amor, porque
haveremos de amá-lo com todo o coração e com toda a alma e encontraremos nele
todos os tesouros da sabedoria e da ciência. O amor de Jesus! Que tesouro
colocado no amor! Que sabedoria de inestimável sabor! Que ciência ele nos faz
conhecer! “Serei saciado, diz o salmista, quando aparecer a tua glória” (16,15)
e “Esta é a vida eterna: conhecer a Ti, o único verdadeiro Deus e aquele que
enviaste, Jesus Cristo” (Jo 17,3). A Ele sejam dados louvor e glória pelos
séculos eternos. Amém.(Na Festa de São João Evangelista, III,pg.31-35)
Traduzido diretamente dos originais em
latim por frei Geraldo Monteiro, conforme a edição crítica: “Sermões Dominicais
e Festivos, III volume, Pádua, 1979, Ed. Messaggero Padova”.
Deixemos a vaidade do mundo!
“Jesus, tendo saído daquele lugar,
retirou-se para a região de Tiro e Sidônia…”(Mt 15,21). “Jesus, tendo saído…”etc.
A saída de Jesus representa a saída de toda pessoa humana que se converte e sai
da vaidade do mundo. Sobre isto, se lê e se canta na história deste domingo (2º
da Quaresma): “Tendo Jacó saído de Bersabéia partiu para Harã (Gn 28,10). Eis
como concordam os dois Testamentos: “Jesus, tendo saído daquele lugar,
retirou-se para a região de Tiro e Sidônia”, diz Mateus. “Jacó, tendo saído de
Bersabéia, partiu para Harã”, diz Moisés no Gênesis. “Jacó é interpretado como
‘suplantador’ e representa o pecador convertido que, sob a planta (do pé) da
razão pisa, esmaga a sensualidade da carne. Ele sai de Bersabéia, que se
interpreta `sétimo poço’, indicativo da insaciável cobiça deste mundo que é a
raiz de todos os males. Deste poço fala João no seu evangelho, colocando as
palavras da Samaritana na conversa com Jesus:
“Senhor! Nem sequer tens uma vasilha e
o poço é profundo”. E Jesus responde: “Todos aqueles que beberem desta água,
ainda terão sede” (Jo 4,11.13). Ó Samaritana! Disseste com toda razão e verdade
que o poço é profundo. Com efeito, a cobiça do mundo é profunda, exatamente
porque não tem o fundo da suficiência, da saciedade. Por isso, quem quer que
seja que beber da água deste poço, entendida como riquezas e prazeres
temporais, terá sede de novo. E é verdade mesmo, devemos repetí-lo, porque até
Salomão o diz nas parábolas: “A sanguessuga tem duas filhas que dizem: Quero
mais, quero mais” (Pv 30,15). A sanguessuga é o diabo que tem sede da nossa
alma e deseja bebê-la. Suas são a duas filhas, isto é, as riquezas e os
prazeres que sempre dizem: “Quero mais, quero mais” e nunca “Basta!” Diz também
o Apocalipse: “Do poço subiu uma fumaça como a fumaça de uma grande fornalha,
de modo que o sol e o ar ficaram escuros por causa da fumaça do poço. E da
fumaça se espalharam gafanhotos pela terra” (9,2-3). A fumaça que cega os olhos
da razão sobe do poço da cobiça mundana que é a grande fornalha da Babilônia.
Por causa dessa fumaça é que se obscureceram o sol e o ar. O sol e o ar
simbolizam os religiosos. “Sol”, porque os religiosos devem ser sempre puros,
cheios de afeição e lúcidos: puros pela castidade, cheios de afeição pelo amor
e lúcidos pela pobreza. “Ar”, porque eles devem ser “aéreos”, quer dizer,
contemplativos. Infelizmente, por causa de nossos pecados, saiu a fumaça do
poço da cobiça e já defumou a todos. É por isso que Jeremias deplora nas
Lamentações: “Ai! Como se escureceu o ouro, como mudou sua mais esplêndida
cor!” (Lm 4,1).
ol e ouro, ar e cor esplêndida
significam a mesma coisa. O esplendor do sol e do ouro se obscureceu, o ar e a
cor mudaram. E observe-se bem a exatidão com que Jeremias disse: “escureceu e
mudou”. Com efeito, a fumaça da cobiça escurece o esplendor da vida religiosa e
obscurece a esplêndida cor da contemplação celeste, na qual o vulto da alma
torna-se misticamente invadido por uma esplêndida cor, isto é, torna-se cândido
e vermelho: cândido pela encarnação do Senhor, vermelho pela sua paixão,
cândido pelo branco marfim da castidade, vermelho pelo ardente desejo do esposo
celeste. Lamentavelmente, esta esplêndida cor, hoje em dia, está bastante
deteriorada porque foi defumada pela fumaça da cobiça, sobre a qual ainda está
escrito: “E da fumaça do poço saíram gafanhotos pela terra”.
Os gafanhotos, pelos saltos que dão,
representam todos os religiosos, os quais, com ambos os pés da pobreza e da
obediência, devem saltar para a altura da vida eterna. Infelizmente, porém, com
um salto para trás, da fumaça do poço, eles saíram pela terra e, como se diz no
Êxodo, “cobriram a superfície da terra” (10,5). Hoje não se vêem mercados, não
se fazem reuniões civis ou eclesiásticas nas quais não se encontrem monges e
religiosos. Compram e
revendem, “constroem e destroem, tornam
redondo o que era quadrado” (Horácio, Epist.), isto é, torcem e retorcem qualquer
coisa. Nos processos convocam as partes, brigam diante dos juizes, pagam
legistas e advogados, induzem testemunhas a jurarem junto com eles por coisas
transitórias, frívolas e vãs. Dizei-me, ó religiosos insensatos, se nos
profetas ou nos evangelhos de Cristo ou nas cartas de Paulo, se na regra de São
Bento ou de Santo Agostinho vós encontrastes essas brigas, essas distrações,
esses clamores e essas declarações nos processos por coisas efêmeras e caducas.
Ou pelo contrário, não é o próprio Senhor que diz aos Apóstolos, aos monges, a
todos os religiosos e não a modo de conselho, mas de ordem mesmo, já que
escolheram o caminho da perfeição: “Eu vos digo: amai os vossos inimigos, fazei
o bem àqueles que vos odeiam; abençoai aqueles que vos amaldiçoam, orai por
aqueles que vos caluniam. E a quem te bate numa face, apresenta-lhe também a
outra. E a quem te leva o manto, não recuses a túnica. Dá a quem te pede e não
reclames de quem toma o que é teu. Como quereis que os outros vos façam, fazei
também a eles. E se amais apenas os que vos amam, que méritos tereis? Os
pecadores também amam aqueles que os amam. E se fazeis o bem aos que vo-lo
fazem, que méritos tereis? Até mesmo os pecadores agem assim” (Lc 6,27-33).
Esta é a regra de Jesus Cristo que deve
ser preferida a todas as regras, instituições, tradições, invenções, porque
“não há servo maior que seu patrão, nem apóstolo maior que aquele que o enviou”
(Jo 13,16).Observai, escutai e vede, ó povos todos, se existe bobeira, se
existe presunção igual à deles. Em suas regras e constituições está escrito que
cada monge ou cônego tenha duas ou três túnicas e dois pares de calçados, de
acordo com o inverno ou o verão. Se por acaso acontece de não terem essas
coisas no tempo e no lugar que querem, dizem que não se está observando o que é
mandado e isso vai mesquinhamente contra a regra.
Olhai com que escrúpulo querem observar
a regra naquilo que é prescrito em vantagem do corpo, mas a regra de Jesus
Cristo, sem a qual não podem salvar-se, observam pouco ou nada. E o que direi
do clero e dos prelados da Igreja? Se um bispo ou um prelado da Igreja fizer
algo contra um decreto do Papa Alexandre, Papa Inocêncio ou de qualquer outro
papa, imediatamente é acusado, o acusado é convocado, o convocado é julgado por
seu crime e, depois de julgado, é deposto. Ao contrário, se ele cometer algo de
grave contra o Evangelho de Jesus Cristo, que ele tem por obrigação de vida
observar, não há ninguém que o acuse, ninguém que o repreeenda. “Com efeito,
todos amam o que é seu e não o que é de Jesus Cristo” (cfr. Fil 2,21). O
próprio Cristo, com relação a essas coisas, tanto aos religiosos como ao clero,
diz: “Invalidastes a Palavra de Deus por causa da vossa tradição. Hipócritas!
Bem profetizou Isaías a vosso respeito, quando disse: `Este povo me honra com
os lábios, mas o coração está longe de mim. Em vão me prestam culto, pois o que
ensinam são mandamentos humanos’ (Mt 15,6-9). E de novo: “Ai de vós, fariseus,
que pagais o dízimo da hortelã, da arruda e de todas as hortaliças, mas deixais
de lado a justiça e o amor de Deus! Importava praticar estas coisas sem deixar
de lado aquelas. Ai de vós, fariseus, que apreciais o primeiro lugar nas
sinagogas e as saudações nas praças públicas…
Ai de vós, doutores da lei, que
impondes aos homens fardos insuportáveis e vós mesmos não tocais esses fardos
com um dedo sequer… Ai de vós, doutores da lei, porque tomastes as chaves da
ciência! Vós mesmos não entrastes e impedistes os que queriam entrar! (Lc
11,42-43.46.52). Portanto, bem se diz no Apocalipse que “saiu a fumaça do poço
como a fumaça de uma grande fornalha que escureceu o sol e o ar e, da fumaça do
poço, se espalharam sobre a terra os gafanhotos”. E observe-se ainda que o poço
da cobiça humana é chamado “sétimo poço” e isso por dois motivos: ou porque
é o `lixo’ e a fossa de sete crimes
(pois a cobiça, como diz o Apóstolo, é a raiz de todos os males (Tm.6,10), ou
porque a cobiça não tem o fundo da saciedade tal qual se lê no Gênesis que o
“sétimo dia não teve tarde” (Gn 2,2). É deste infeliz poço, pois, que o pecador
arrependido consegue sair. A ele se aplicam as palavras:
“Jacó, tendo saído de Bersabéia, partiu
para Harã”. “Jesus, tendo saído dali, partiu para a região de Tiro e Sidônia”.
Vejamos o que significam esses três nomes: Tiro, Sidônia e Harã. Tiro é
interpretado como “angústia”, Sidônia “caça da tristeza”, Harã “excelsa ou
indignação”. A pessoa arrependida, que sai da cobiça do mundo, vai para as
regiões de Tiro, isto é, da angústia. Observe-se bem que a pessoa
verdadeiramente arrependida tem duas angústias: a primeira é aquela que ela
sente pelos pecados cometidos, a segunda é aquela que ela tem que agüentar por
causa das três tentações, a do diabo, do mundo e a da carne. Sobre a primeira
diz Jó: “As coisas que antes a minha alma não queria tocar, agora na minha
angústia, tornaram-se o meu alimento” (6,7). Com efeito, para a pessoa
arrependida, por causa da angústia do arrependimento que ela sente pelos
pecados, quais alimentos saborosos são as vigílias intensas, as lágrimas
abundantes, os freqüentes jejuns. Tudo isso a alma, isto é, a sua sensualidade
saciada de coisas temporais, aborrecia até tocar, antes de voltar à penitência.
É por isso que diz Salomão nas Parábolas: “A alma saciada pisa o favo de mel,
mas a alma faminta toma até o amargo como se fosse doce” (Pr 27,7). Observe-se
como calham bem Tiro e Harã, isto é, a angústia e o excelso, pois quem quiser
chegar às coisas excelsas, sublimes, não poderá fazê-lo sem passar pela
angústia. Assim também, a pessoa arrependida que quer subir à plenitude da vida
eterna, deve antes passar por Tiro. É o próprio Senhor que o diz em Lucas: “Não
era necessário que o Cristo
sofresse – eis aí Tiro – para entrar
assim em sua glória – eis aí Harã – ? (24,26).
Frei Geraldo Monteiro,Tradução do latim
“Sermões Dominicais e Festivos”, vol. I, pp.105-109 –Ed.Messaggero – Pádua –
1979.
Um novo modo de pensar e de viver
O tentador aproximou-se de Jesus e
disse-lhe: “Se és Filho de Deus, manda que estas pedras se transformem em pães”
(Mt 4,3). O diabo em circunstâncias semelhantes procede de maneira semelhante.
Com a mesma tática com que tentou Adão no paraíso terrestre, tentou também a
Cristo no deserto e continua
tentando qualquer cristão neste mundo.
Tentou o primeiro Adão pela gula, pela vanglória e pela avareza e, tentando-o,
venceu-o. Ao segundo Adão, isto é, Cristo, ele tentou de maneira semelhante,
mas no foi vencido no seu intento porque quem ele tentava então não era somente
um homem, mas era também Deus! Nós, que somos participantes de ambos, do homem
segundo a carne e de Deus segundo o espírito, despojemo-nos do homem velho com
suas obras que são a gula, a vanglória e a avareza e vistamo-nos do homem novo,
renovados pela confissão, para frearmos, com o jejum, o desenfreado ardor da
gula, para abatermos, com a humildade da confissão, a altura da vanglória, para
pisarmos, com a contrição do coração, o denso lodo da avareza. “Bem
aventurados, diz o Senhor, os pobres em espírito”, isto é, os que têm o
espírito dolorido e o coração contrito, “porque deles é o reino dos céus” (Mt
5,3).
Procure ainda observar que, assim como
o diabo tentou de gula o Senhor no deserto, de vanglória no templo, de avareza
no cimo do monte, assim também faz conosco todos os dias: tenta-nos de gula no
deserto do jejum, de vanglória no templo da oração e do ofício, de tantas
formas de avareza no monte dos nossos cargos. Enquanto fazemos jejum, ele nos
sugere a gula, com a qual pecamos em cinco maneiras, como diz o verso: “antes
do tempo, abundantemente, demais, com voracidade e com delicadeza exagerada”
(São Gregório). ANTES DO TEMPO, isto é, quando se come antes da hora;
ABUNDANTEMENTE, quando se excita a gulosice da língua e se quer aumentar um
apetite fraco com temperos, especiarias e toda espécie de comida; DEMAIS,
quando se come mais comida do que o corpo necessita; pois dizem alguns gulosos:
temos que fazer jejum, então vamos comer para suprir de uma só vez tanto o
almoço quanto a janta. Estes são como o bicho-da-seda que não sai da árvore em
que está até não devorá-la completamente. O “bruco” (bicho-da-seda) é chamado
assim porque é feito quase só de boca e simboliza muito bem os gulosos que são
tudo, gula e barriga, e assaltam o prato como se fosse uma fortaleza e não o
deixam se antes não o devoraram todo: ou se estoura a barriga ou se esvazia o
prato! COM VORACIDADE quando o homem se joga sobre qualquer comida como se
fosse assaltar uma fortaleza, abre os braços, estica as mãos, come com todo seu
corpo; à mesa é como um cão que, na comida, não quer ter rivais. COM DELICADEZA
EXAGERADA quando se procura só comidas deliciosas e preparadas com grande
esmero.
Como se lê no primeiro livro dos Reis,
sobre os filhos de Heli, que não queriam aceitar a carne cozida, mas só a crua,
para poderem prepará-la com mais temperos e outras iguarias. Semelhantemente, o
diabo nos tenta de vanglória no templo. Com efeito, enquanto estamos em oração,
enquanto recitamos o ofício e estamos ocupados na pregação, somos assaltados
pelo diabo com os dardos da vanglória e, infelizmente, muitas vezes feridos.
Existem efetivamente alguns que, enquanto oram e dobram os joelhos e soltam
suspiros, querem ser vistos. E há outros que, quando cantam em coro, modulam a
voz, fazem falsetes e desejam ser ouvidos. Enfim, há também os que, quando
pregam, elevam a voz como trovão, multiplicam as citações, interpretam-nas a
seu modo, giram-se pra cá e pra lá e desejam ser louvados. Todos esses
mercenários – acreditem-me – “já receberam sua recompensa” (Mt 6,2) e colocaram
sua filha no prostíbulo. Diz Moisés no Levítico: “Não profanes a tua filha,
fazendo-a prostituir-se” (19,29). Filha minha é a minha obra e eu a prostituo,
quer dizer, a coloco no prostíbulo quando a vendo pelo dinheiro da vanglória.
Por isso é que o Senhor nos aconselha: “Tu, porém, quando orares, entra no teu
quarto e, fechando tua porta, ora ao teu Pai que está lá no segredo” (Mt 6,6).
Tu, quando quiseres rezar ou fazer alguma coisa de bom – e é nisto que consiste
o “orar sem cessar” – entra em teu quarto, isto é, no segredo do teu coração, e
fecha a porta dos cinco sentidos para não desejar nem ser visto nem ser
escutado nem ser louvado. Com efeito, diz Lucas (1,9)
que Zacarias entrou no templo do Senhor
na hora do incenso. No tempo da oração ‘que se eleva à presença do Senhor como
o incenso’ (Salmo 140,2). Tu deves entrar no templo do teu coração e orar ao
teu Pai e “o teu Pai, que vê no segredo, te recompensará” (Mt 6,6). Além disso,
do alto dos nossos encargos, da nossa passageira dignidade, somos tentados a
cometer muitos pecados de avareza.
Não existe só a avareza do dinheiro,
mas também aquela do querer ser mais do que os outros. Os avarentos, mais têm
mais desejam possuir. Aqueles que ocupam altos postos, quanto mais sobem mais
querem subir e assim acontece que caem com numa queda muito mais ruidosa, já
que “os ventos sopram mais nos lugares altos” (Ovídio) e “aos ídolos é que são
oferecidos sacrifícios nas alturas” (4 Reis 12,3). Diz Salomão a propósito: “O
fogo não diz nunca: basta!” (Prov 30,16). O fogo, quer dizer, a avareza do
dinheiro e das honrarias não diz nunca: basta! Mas o que é que diz então?
“Mais, mais!” þ Senhor Jesus, tirai, tirai estes dois “mais, mais” dos prelados
de vossa Igreja, que se pavoneiam no alto de suas dignidades eclesiásticas e
gastam o vosso patrimônio, por Vós conquistado com os tapas, com as
flagelações, com as cusparadas, com a cruz, com os cravos, com o vinagre, com o
fel e a lança. Nós, portanto, que somos chamados cristãos por causa do nome de
Cristo, imploramos todos juntos, com a devoção da alma e ao mesmo Jesus Cristo,
e pedimos insistentemente que ele, do espírito de contrição, nos faça chegar ao
deserto da confissão, a fim de que, nesta Quaresma, mereçamos receber o perdão
de todas as nossas maldades e, renovados e purificados, nos tornemos dignos de
gozar da alegria da sua santa Ressurreição e ser colocados na glória da
felicidade eterna. No-lo conceda Aquele a quem se deve toda honra e toda glória
por todos os séculos dos séculos. Amém. Tradução: Frei Geraldo Monteiro, OFM
Conv. Sermões Dominicais e Festivos 1º Domingo de Quaresma, pp. 81-84
Nós deixamos tudo…
Naquele tempo disse Simão Pedro a
Jesus: “Eis que nós deixamos tudo e te seguimos” (Mt 19,27). Neste evangelho
podem-se notar duas coisas: a grandeza dos apóstolos no juízo final e a
recompensa daqueles que deixam as coisas passageiras deste mundo. A Grandeza
dos Apóstolos no Juízo Final A
grandeza apostólica provém das palavras
“Eis que nós deixamos tudo”. Pedro “corredor ágil, que faz a sua corrida”
(Jeremias 2,23) diz: “Eis que nós deixamos tudo!” Pedro, fizeste bem, pois,
carregado de peso, não poderias acompanhar Aquele que corre, Cristo! Um pouco
antes, ele tinha ouvido o Senhor dizer: “Em verdade eu vos digo, dificilmente
um rico entrará no Reino dos Céus” (Mt 19,23). Por isso, para entrar com facilidade,
tudo deixou. Mas, o que significa “tudo”? As coisas exteriores e e as
interiores, isto é, aquilo que possuíamos e também a vontade de possuir, de tal
modo que não nos restou absolutamente nada. Sobre isso diz o Senhor pela boca
do Profeta Isaías: “Destruirei até o nome de Babilônia, seu resto, a sua
descendência e a sua posteridade” (14,22).
O nome Babilônia significa
“propriedade”, como se disséssemos: “meu, teu”. Cristo destruiu nos apóstolos
não só este nome, mas até “o resto” da propriedade; e não só isso, mas também a
descendência, quer dizer, a tentação de ter, e a posteridade, isto é, a vontade
de possuir. Felizes os religiosos em que essas coisas foram destruídas, porque
só assim poderão dizer verdadeiramente: Eis que nós deixamos tudo! Olhai os
apóstolos “que voam”. Pelo que, diz Isaías: “Quem são estes que vêm deslizando
como nuvens, como pombas de volta aos seus pombais?” As nuvens são leves. Os
apóstolos, deixando o peso do mundo, voam ligeiros nas asas do amor seguindo a
Jesus. Diz Jó: “Conheces por acaso os grandes caminhos das nuvens e a ciência
perfeita?” (37,16). Grande caminho é deixar tudo. Caminho
estreito durante a peregrinação desta
vida, mas largo e grande no momento da recompensa. Ciência perfeita é amar a
Jesus e segui-Lo. Este foi o caminho e esta foi a ciência dos apóstolos que,
como pombas, voaram a seus pombais. Pombais em latim se diz “Fenestrae” e é
como dizer “que se leva para fora” (ferentes extra). Os apóstolos e os homens
apostólicos, inocentes e simples como pombas, voaram bem para longe das coisas
terrenas a tal ponto que guardaram as janelas dos sentidos para que não
voltassem, saindo através delas, aquelas coisas exteriores que tinham
abandonado. Por essas janelas saiu aquela pomba sem coração que se deixou
seduzir. Conta o livro do Gênesis que “Dina (filha de Jacó) saiu para ver as
moças daquela região. Mas
Siquém (príncipe) raptou-a e violou a
sua virgindade” (cf.34,1-2). Assim também a alma desventurada é levada para
fora através dos sentidos do corpo para ver as belezas mundanas e, enquanto
vagueia pra cá e pra lá, é raptada com seu consentimento pelo diabo e o
resultado é a sua ruína. Que diferença entre os dois vôos! Os apóstolos, das
coisas terrenas voam rumo às celestes, a pessoa pecadora, das coisas celestes desce
para as terrenas. Ela voa pra o diabo, eles para Cristo! “Eis que te seguimos”
(Mt 19,27). Por Ti, Jesus, deixamos tudo, nos tornamos pobres. E pois que és
rico, nós Te seguimos para que nos faça ricos também.
São os mais miseráveis entre todos os
homens aqueles religiosos que deixam tudo e no entanto não seguem a Cristo.
Esses têm um duplo prejuízo: são privados de qualquer consolação externa e não
possuem nem a interior. Os mundanos, mesmo não tendo as consolações interiores,
pelo menos têm aquelas exteriores. “Nós te seguimos”. Nós, criaturas, seguimos
o Criador; nós, filhos, seguimos o pai; nós, crianças, seguimos a mãe; nós,
famintos, seguimos o pão; nós, com sede, seguimos a fonte; nós, doentes,
seguimos o médico; nós, cansados, seguimos o leito; nós, exilados, seguimos o
paraíso! “Nós Te seguimos”: nós corremos atrás da fragrância dos teus perfumes
(Ct 1,3), porque a fragrância de teus perfumes supera a de todos os demais
aromas (Ct 4,10). Lê-se na História Natural que a pantera é uma fera de beleza
maravilhosa, cujo cheiro é de tanta suavidade que supera qualquer outro
perfume. Por isso, quando os outros animais pressentem sua presença,
imediatamente se avizinham e seguem-na, porque se sentem reforçados de modo
admirável pela sua visão e pelo seu perfume (Aristóteles e Plínio). Quão grande
seja a beleza e a suavidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, os bem aventurados o
experimentam na pátria celeste, mas também as pessoas justas,
de algum modo, o experimentam nesta
vida. E os apóstolos, logo que experimentaram a suavidade de Jesus, tendo
deixado tudo, imediatamente O seguiram. “Eis que nós te seguimos: que
recompensa teremos?” (Mt 19,27) “Como aqueles que procuram um tesouro: alegram-se
sobremaneira quando encontram um sepulcro”(Jó 3,21-22). O tesouro no sepulcro é
o símbolo de Deus no corpo, assumido da Virgem Maria. Apóstolos, já
encontrastes o tesouro, já o tendes totalmente. O que procurais a mais? “Que
recompensa teremos”? O que quereis ter ainda mais? Conservai aquilo que
encontrastes, porque Ele é tudo o que procurais. Nele, diz Baruc, existe a
sabedoria, a prudência, a fortaleza, a inteligência, a longevidade e o
alimento, a luz dos olhos e a paz” (3,12-14). Existe a sabedoria que tudo cria;
a prudência com que governa todas as coisas criadas; a fortaleza com que freia
o diabo; a inteligência com que tudo penetra; a longevidade com que perpetua os
seus; o alimento com que sacia; a luz com que ilumina; a paz com que conforta e
doa serenidade. “E Jesus lhes disse: em verdade eu vos digo, vós que me
seguistes” (Mt 19,28). O Senhor não responde: “Vós que deixastes tudo”, mas
“vós que me seguistes” – isso é próprio dos apóstolos e dos perfeitos. Muitos
deixam suas coisas e no entanto não seguem a Cristo porque, por assim dizer, se
agarram a si mesmos. Se quiseres seguir e alcançar, é preciso que deixes a ti
mesmo.
Quem segue alguém pelo caminho, não
olha para si, mas para o outro, que constituiu como guia para seu caminho.
Deixar-se a si mesmo significa não confiar em si em nenhum caso, considerar-se
inútil mesmo quando se fez tudo o que tinha sido mandado, desprezar-se a si
mesmo como um cão morto ou uma pulga (1Sm 24,15), no próprio coração não
antepor-se a ninguém, julgar-se inferior a todos, até aos maiores pecadores,
considerar todas as próprias obras boas como panos sujos de uma mulher
menstruada, colocar-se diante de si mesmo e chorar como diante de um morto,
humilhar-se profundamente em qualquer ocasião e lançar-se totalmente nos braços
de Deus. Ouçamos o que é prometido àqueles que assim O seguem. “Na nova
criação: (in regeneratione) a primeira regeneração acontece na alma através do
batismo, a segunda acontecerá no corpo no dia do juízo, quando os mortos
ressurgirão incorruptos” (1Cor 15,52), quando “o Filho do homem”, isto é Jesus,
na condição de servo, submetido a juízo aqui na terra, “sentar-se-á”, isto é,
exercitará o seu poder de juiz “sobre o trono da sua glória”, isto é, a Igreja,
onde se manifestará o seu poder, “sentareis também vós sobre os doze tronos”
(Mt19,28).
Se somente os doze apóstolos, sentados
sobre doze tronos, serão juízes com Cristo no dia do juízo, onde se sentará
Paulo, “vaso de eleição” (At 9,15), que hoje de lobo se transformou em
cordeiro, que trabalhou mais do que todos (1Cor 15,10), que “foi arrebatado até
o terceiro céu e ouviu segredos que não é lícito ao homem revelar” (2Cor 12,2)?
Onde se sentará, repito, um homem tão grande assim, se no tribunal existem para
os juízes somente doze tronos, do momento que ele afirma: “Não sabeis que
julgaremos os anjos” (1Cor 6,3), isto é, os anjos maus? Por isso é preciso
saber que o número doze é usado para indicar a plenitude do poder e que com as
doze tribos de Israel entendem-se todos aqueles que deverão ser julgados. Eis,
portanto, que os pobres, junto com Jesus pobre, filho da Virgem pobrezinha,
julgarão com justiça o mundo inteiro (Sl 9,9). Jó também diz: “Deus não salva
os ímpios, mas deixará aos pobres o juízo” (36,6). Diz “aos pobres” e não aos
ricos” cuja glória será a sua confusão” (Fl 3,19). Com efeito, os ricos ficarão
confusos quando virem sentados em juízo com Cristo e com Cristo julgar,
“aqueles que um dia desprezaram e ultrajaram” (Sab 5,3). Tradução: Frei Geraldo
Monteiro, OFM Conv – Conversão de S. Paulo, Vol.III, pp. 83-87 Sermões
Dominicais e Festivos Ed.Mess. Padova – 1979
Anunciação da Bem-aventurada Virgem
Maria
IV. Reflexão.
10. “O anjo Gabriel foi enviado” etc.
Acabamos de ouvir de que maneira a Virgem Maria concebeu o Filho de Deus Pai.
Vamos ver agora, brevemente, de que jeito a alma concebe o espírito da
salvação. Na Virgem Maria vemos representada a alma fiel: “virgem” pela
integridade da fé. Com efeito, diz o Apóstolo: “Eu vos prometi a um único
esposo, para apresentar-vos como virgem casta a Cristo” (2Cor 11,2). “Maria”,
isto é, estrela do mar, pela profissão da própria fé. “Crê-se com o coração
para obter a justiça”, eis a virgem. “Com a boca faz-se a profissão de fé para
obter a salvação” (Rm 10,10): eis a estrela que da amargura do mundo guia ao
porto da salvação eterna. Essa virgem mora em Nazaré da Galiléia, quer dizer,
“na flor da emigração”.
A flor é a esperança do fruto. Com
efeito, a alma fiel espera “emigrar”, passar da fé à visão, da sombra à
verdade, da promessa à realidade, da flor ao fruto, do visível ao invisível.
Dizem os pastores: “Vamos até Belém, porque ali encontraremos bons pastos, o
pão dos anjos, o Verbo Encarnado. Lemos em Isaías: “Alegria dos burros
selvagens, pastagem dos rebanhos” (32,14). Nos burros selvagens estão
simbolizados os justos, cuja alegria será a pastagem dos rebanhos, quer dizer,
o esplendor e a felicidade dos anjos, porque junto com os anjos pastarão, isto
é, gozarão da visão do Verbo Encarnado. A essa virgem é enviado o anjo Gabriel,
cujo nome significa “Deus me confortou”. Nele é indicada a infusão da graça
divina e sem o seu conforto a alma desfalece.
Por isso diz Judite: “Dai-me forças, ó
Senhor, Deus de Israel, nesta hora”. E, com o punhal, golpeou duas vezes o
pescoço de Holofernes e cortou-lhe a cabeça” (13,9-10). Holofernes significa
“enfraquece o boizinho engordado”. Nele é representado o pecador que, engordado
com a gordura das coisas temporais, é despojado pelo diabo das virtudes e assim
se enfraquece e fica doente. A cabeça de Holofernes é a soberba do diabo. Diz
Gênesis: “Ela te esmagará a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar” (3,15). No
calcanhar é indicado o fim da vida. A Virgem Maria esmigalhou a soberba do
diabo por meio da humildade, mas ele a tentou, no calcanhar, durante a paixão de
seu Filho. Quem quiser arrancar de si mesmo a soberba do diabo, deve golpeá-lo
duas vezes. Esse duplo golpe é a lembrança do nosso nascimento e o pensamento
da nossa morte. Quem medita assiduamente sobre esses dois momentos da sua vida
arranca de si a soberba do diabo, mas antes é preciso que implore o sustento da
graça divina. “Agi virilmente e o vosso coração será confortado” (Sl
30,25). 11. “Entrando o anjo onde ela
estava”. Aqui é colocada em evidência a solidão da alma que mora em si mesma,
lendo no livro da própria miséria e indo à busca da doçura divina: por isso ela
merece ouvir dizer:
“Ave!” O nome de Eva que quer dizer
“ai” ou desgraça. Lido ao contrário fica Ave. A alma que se encontra no pecado
mortal é Eva, ou seja, “ai” e desgraça, mas se ela se converte à penitência e
ouve dizer-lhe Ave, quer dizer “sem ai”. “Cheia de graça”. Quem derrama ainda
alguma coisa numa vasilha cheia perde tudo aquilo que nela coloca. Assim também
na alma, se ela for cheia de graça, não pode entrar nela a sujeira do pecado. A
graça penetra todos os espaços e não deixa nenhum pedacinho vazio em que possa
entrar e ficar aquilo que lhe é contrário. Quem tudo compra, tudo quer possuir.
E a alma é tão grande que ninguém pode preenchê-la a não ser somente Deus que,
como diz São João, “é infinitamente maior que o nosso coração e conhece todas
as coisas” (1Jo 3,20).
Uma vasilha bem cheia derrama em todas
as partes. Da plenitude da alma recebem todos os sentidos porque, como diz o
profeta Isaías, “será de sábado a sábado” (66), quer dizer, da paz interior
virá a paz dos sentidos e dos membros. “O Senhor é contigo”. Ao contrário,
lemos no Êxodo: “Não irei contigo, porque tu és um povo de cabeça dura” (33,3),
isto é, desobediente e soberbo. É como se dissesse: “Eu iria contigo se fosses
humilde!” Por isso ao humilde ele promete: “Tu és o meu servo: mesmo que
tiveres que atravessar as águas eu estarei contigo e os rios não te
submergirão. Se tiveres que atravessar o fogo, não te queimarás, a chama não
poderá te queimar” (Is 43,2). Nas águas é simbolizada a sugestão do diabo, nos
rios a gula e a luxúria; no fogo, o dinheiro e a abundância das coisas
materiais; na chama, a vanglória. O servo, isto é, a pessoa humilde com quem
está o Senhor, passa ileso através das sugestões do diabo, porque nem a gula
nem a luxúria o cobrem. Quem está com a cabeça totalmente coberta não pode ver,
cheirar, falar e ouvir distintamente. Assim, também quem estiver totalmente
coberto pela gula e pela luxúria fica privado da faculdade de contemplar,
discernir, reconhecer o seu pecado e obedecer. O humilde, mesmo que caminhe
através do fogo das coisas temporais, não se queima com a avareza ou com a
vanglória. 12. “Tu és bendita entre as mulheres”.
Lê-se na História Natural que as
mulheres sentem compaixão bem mais intensamente do que os homens, derramam
lágrimas bem mais do que os homens e possuem uma memória muito mais duradoura
do que os homens (Aristóteles). Nessas três qualidades são indicadas a piedade
com o próximo, a devoção das lágrimas, a lembrança da paixão do Senhor. Lemos
no Cântico dos Cânticos: “Coloca-me como um selo em teu coração, uma tatuagem
em teu braço, porque forte como a morte é o amor!” (8,6): o teu amor pelo qual
morreste! Bem-aventuradas aquelas almas que possuem essas três qualidades. Entre
elas é bendita, com o privilégio de uma bênção especial, a alma fiel e humilde,
rica de obras de caridade. E em mérito a essa bênção, continua: “Eis que
conceberás e darás à luz um filho e lhe porás o nome de Jesus”. Lemos ainda na
História Natural que as mulheres grávidas sentem dores, perdem o apetite, a
vista fica anuviada. Outras mulheres grávidas não gostam de vinho, porque
bebendo-o perdem as forças. Isso acontece também com a alma. Quando, sob a ação
do Espírito Santo, concebe o espírito da salvação: começa a arrepender-se de
seus pecados, sente repugnância pelas coisas temporais, desagrada-se a si
mesma, (este é o significado do anuviamento da vista); acostumada a admirar-se
com gosto, não gosta do vinho da luxúria. Por estes sinais poderás julgar se a
alma concebeu o espírito da salvação que em seguida dará à luz quando der fruto
na luz das obras boas. E a esse fruto dará o nome de “salvação” (Jesus), porque
tudo o que faz é em vista da salvação. É a intenção – foi dito – que qualifica
a obra. A alma fiel age para agradar a Deus, para obter o perdão dos pecados,
edificar o próximo e alcançar a salvação. Digne-se conceder a salvação também a
nós Aquele que é bendito pelos séculos dos séculos. Amém. Tradução: Frei
Geraldo Monteiro, OFM Conv Sermões de Santo Antônio Ed. Messaggero –
Padova,1979 – Volume III, pp158-161
Paixão de Jesus e a Formação da nossa
Vida
1. Naquele tempo disse Jesus aos seus
discípulos: “Ninguém pode servir a dois senhores” (Mt 6,24). Nós lemos no livro
de Tobias que o anjo Rafael lhe disse: “Abre o peixe, pega o coração, o fel e o
fígado e coloca-os de lado para ti; são remédios necessários e úteis” (6,5).
Vamos ver que significado têm o peixe, seu coração, o fel e fígado. O peixe é a
figura de Cristo que diz a Pedro: “Vai mais para o fundo do mar, joga o anzol e
o primeiro peixe que vier, pega-o, abre-lhe a boca e encontrarás uma moeda de
prata (estatere): pega-a e entrega-lhes por mim e por ti” (Mt 17,26). O peixe,
portanto, é figura de Cristo que morou neste mar grande e espaçoso; primeiro,
ele foi mais para o fundo, isto é, ele se ofereceu à morte pela nossa redenção,
para que aquilo que se encontrou em sua boca, quer dizer, em seu testemunho,
fosse dado por Pedro e pelo Senhor. Foi pago exatamente um único preço, mas
dividido, porque foi dado por Pedro como pecador, enquanto, que o Senhor não
tinha cometido pecado algum. A moeda é o estatere, que vale quatro dracmas,
para que fosse manifestada a semelhança na carne, enquanto o Patrão (o Senhor)
e o servo são libertados com o mesmo preço. Ou então, o estatere na boca de
Cristo é figura da sua misericórdia e da sua justiça. Misericórdia, quando
disse: “Vinde a mim vós todos que estais cansados e oprimidos” (Mt 11,28) .
Justiça quando dirá: “Ide, malditos, para o fogo eterno” (Mt 25,31). Abre,
portanto, o peixe, isto é, medita profundamente sobre a vida de Cristo e ali
encontrarás o seu coração, o fel e o fígado. Com o coração nós compreendemos,
com o fel nós nos enraivecemos e com o fígado nós amamos. No coração é
simbolizada a sabedoria, no fel a amargura e no fígado o amor de Jesus Cristo.
Com o sabor da sabedoria que se estende de um confim a outro e governa com
bondade excelente todas as coisas (Sab 8,1), tempera a tua insipiência; mistura
a amargura da sua paixão aos teus prazeres; coloca o seu amor acima de qualquer
outro amor, pois sem o seu amor deve-se dizer dor e não amor. Estes são os
remédios úteis à tua alma e se tu os guardares para ti, serás servo não do
diabo mas de Deus, não da carne mas do espírito, não do mundo, mas do céu! A
sabedoria de Cristo quebra o poder do diabo. Diz Jó: “A sua sabedoria abateu o
soberbo” (26,2). O antigo adversário foi derrotado não pela força mas pela
sabedoria, porque quando se arrojou temerariamente contra Cristo, em quem não
havia nada que lhe dissesse respeito, com razão lhe escapou das mãos o homem
sobre o qual quase tinha o direito de dominar. A amargura da paixão de Cristo
consegue sufocar até os apetites da carne. Disse alguém: “A lembrança do
Crucificado crucifica os vícios!” E sobre isso, olha o sermão do Domingo de
Quinquagésima, no Evangelho: “Um cego estava sentado à beira do caminho”.
Semelhantemente o contra-veneno do seu amor elimina o veneno das riquezas. Com
efeito, está escrito no livro de Tobias que: “a sua fumaça”, isto é, a eficácia
do seu amor, “expulsa qualquer espécie de demônio”(6,8), isto é, toda ganância
de riquezas que, como demônios, despedaçam e fazem sofrer os homens. Todos os
ricos deste mundo são como que endemoniados, se movem de um lado para outro,
feitos servos não do verdadeiro mas do falso patrão. É propriamente deles que o
Evangelho diz: “Ninguém pode servir a dois senhores”. 2. Considera que queremos
dividir o Evangelho de hoje em três partes. A primeira: “Ninguém pode servir a
dois senhores”. A segunda: “Eu vos digo: não vos preocupeis!” A terceira:
“Procurai em primeiro lugar o Reino de Deus! A primeira trata dos dois
senhores, a segunda nos ensina a eliminar qualquer preocupação, a terceira nos
manda procurar antes de tudo o Reino de Deus. Observa também que neste Domingo
se lê na igreja o livro de Tobias do qual tomaremos alguns passos para ver sua
concordância com as três partes do Evangelho. No intróito da missa canta-se o
salmo: “Piedade de mim, Senhor, a Vós eu grito o dia inteiro”(85,3). Lê-se depois
na Carta de São Paulo apóstolo aos Gálatas: “Se vivemos do Espírito, caminhemos
também segundo o Espírito”(5,25). Vamos dividí-la em três partes para ver a sua
concordância
com as três partes do Evangelho. A
primeira parte: “Se vivemos no Espírito”. A segunda parte: “Levai o peso uns
dos outros”. A terceira parte: “Quem semeia no Espírito”. Presta muita atenção
porque esta Carta é lida junto com o Evangelho pelo fato que o Senhor, no
Evangelho, proíbe as preocupações da alma, isto é, da animalidade; ensina a
procurar o Reino de Deus. E Paulo, na carta, ensina a viver segundo o Espírito,
ensina a semear não na carne mas no espírito, porque quem semeia no espírito há
de recolher a vida eterna. I. Os dois senhores.
3. “Ninguém pode servir a dois
senhores: ou odiará a um e amará o outro, ou preferirá um e desprezará o outro.
Não podeis servir a Deus e à Riqueza!” (Mt 6,2). Pensa que a alma tem duas
potências: a razão e a sensualidade que são como que dois senhores. Do domínio
da razão, Isaac diz no livro do Gênesis: “Eu o constituí teu senhor e coloquei
sob seu serviço todos os seus irmãos” (27,37). E isto acontece quando a própria
vontade e os sentidos do corpo são colocados sob o domínio da razão. Com
efeito, no mesmo livro, Jacó diz de Judá: “Ele amarra à videira o seu burrinho,
e à parreira, meu filho, a sua burra”. (Gn 49,11). Judá é a figura do
penitente, a videira é a razão, a parreira o arrependimento, a burra a
sensualidade, o burrinho os seus impulsos. Por isso Judá amarra a burra à
videira e o burrinho à parreira, quando o penitente domina a sensualidade do
coração com o arrependimento e coloca sob o jugo da razão os estímulos da
sensualidade.
Em Gênesis trata-se ainda disso na
parte em que José diz aos seus irmãos: “Parecia-me que estivéssemos amarrando
os feixes de trigo no meio do campo, quando eis que o meu feixe se levantou e
ficou em pé e os vossos feixes se colocaram a seu redor e se prostraram diante
do meu. Disseram-lhe os seus irmãos: “Por acaso te tornarás nosso rei? Ou nos
submeteremos à tua autoridade?” (Gn 37,7-8). O feixe, em latim ‘manípulus’,
manípulo, porque se pega com as mãos, é um feixe de ramos de trigo. José é a
figura do justo, cujo ‘manípulo’ é a razão que, quando se ergue em pé por meio
do desprezo das coisas temporais e permanece imóvel nas alturas da
contemplação, os outros feixes, isto é, os sentidos do corpo, se submetem a seu
comando. Por isso Isaac diz: “Sê senhor de teus irmãos e prostrem-se diante de
ti os filhos de tua mãe”
(Gn 27,29). E Isaías: “Virão a ti, de
cabeça baixa, os filhos de teus opressores “, isto é, de desejos da carne “e
adorarão as pegadas dos teus pés aqueles que te insultaram” (60,14). E sobre o
domínio da sensualidade diz Moisés: “Pois que não serviste o Senhor teu Deus
com a alegria e a felicidade do coração no meio da abundância de todas as
coisas, servirás a teu inimigo que te colocará sobre o pescoço um jugo de
ferro,até que te tiver destruído” (Dt 28,47.48). Pois que Adão não quis
submeter-se Àquele que lhe estava acima, não se submeteu a ele aquele que lhe
estava abaixo. Aliás, o próprio Adão foi obrigado a servir ao seu inimigo, isto
é, ao diabo, ou à sua carne, de quem nenhum inimigo é mais aguerrido em
prejudicar; seu jugo férreo, isto é, a sensualidade ou a carnalidade, foi
colocado sobre o pescoço da razão. Diz o Eclesiástico: “Como jugo pesado pesa
sobre os filhos de Adão desde o dia de seu nascimento!” (40,1). O jugo pesado
sobre os filhos de Adão desde o dia de seu nascimento é o pecado original, ou
seja, a fome do pecado ou a concupiscência à qual, diz Agostinho, não se deve
permitir mandar. E existem os seus desejos, isto é, as concupiscências de cada
dia que são as armas nas mãos do diabo que provêm da fraqueza da natureza. Esta
fraqueza é o tirano que dá origem aos maus desejos. Queres ouvir como é pesado
o jugo dos filhos de Adão?
Escuta o que está escrito nos “Dogmas
da Igreja”. Tem como certo, sem nenhuma sombra de dúvida, que todos os homens,
concebidos da união do homem e da mulher, nascem com o pecado original,
sujeitos à impiedade, destinados à morte, portanto, por natureza “filhos da
ira” (Ef 2,3), “da qual ninguém pode se livrar senão por meio da fé no Mediador
entre Deus e os homens” Cristo Senhor! Tradução: frei Geraldo Monteiro (Sermões
Dominicais e Festivos, volume II, Pádua, 1979, Edições Mensageiro, pp. 221-225)
As três saudações de Paz
“Veio Jesus e, pondo-se no meio deles,
lhes disse: A paz esteja convosco”. Tendo dito isso, mostroulhes as mãos e o lado.
O discípulos se alegraram ao ver o Senhor. E Jesus lhes disse de novo: ‘A paz
esteja convosco. Como o Pai me enviou, assim também eu vos envio’ ” (Jo
20,19-20). É preciso notar, antes de tudo, que neste trecho do Evangelho é dito
por três vezes “A paz esteja convosco” por causa das três pazes que Cristo
restabeleceu: – entre Deus e o homem, reconciliando este último com o Pai por
meio de seu sangue; – entre o anjo e o homem, assumindo a natureza humana e
elevando-a acima dos coros dos anjos; – entre homem e homem, reunindo em si
como pedra angular, o povo dos Judeus e o dos Gentios (pagãos). Observe-se
também que na palavra PAZ (PAX em latim) há três letras que formam uma só
sílaba. Com isso é simbolizada a Unidade e a Trindade de Deus. No “P” é indicado
o Pai, no “A”, que é a primeira das vogais, é indicado o Filho que é a voz (o
vogal) do Pai. No “X” que é consoante dupla, é indicado o Espírito Santo que
procede de ambos (do Pai e do Filho). Quando, portanto, Jesus disse: “A paz
esteja convosco”, ele nos recomendou a fé na Unidade e na Trindade. “Veio Jesus
e se pôs no meio deles”. O centro é o lugar que compete a Jesus; no céu, no
seio da Virgem, na manjedoura da grei e no patíbulo da cruz. No céu: “O
Cordeiro que está no meio do trono”, isto é, no seio do Pai, “os guiará e os
conduzirá às fontes de água da vida” (Ap 7,17), isto é, à saciedade dos gozos
celestes. No seio da Virgem: “Exultai e cantai louvores, habitantes de Sião,
porque grande é no meio de vós o Santo de Israel” (Is 12,6). Ó bem-aventurada
Maria que és a figura dos habitantes de Sião, isto é, da Igreja, que na
encarnação do vosso Filho fundaste o edifício da sua fé, exulta com todo o
coração, canta com a boca o teu louvor: “Minha alma glorifica o Senhor!”,
porque o grande, o pequeno e o humilde, o santo e o santificador de Israel está
no meio de ti, isto é, em teu seio! Na manjedoura da grei: “Serás conhecido
entre dois animais” (Hab 3,2 – Glossa). “O boi conhece o seu proprietário e o
burro a manjedoura do seu dono” (Is 1,3). No patíbulo da cruz:“Crucificaram
junto com Jesus outros dois, de um lado e de outro e Jesus no meio” (Jo 19,18).
Veio, pois, Jesus e se colocou no meio deles. “Eu estou no meio de vós – nos
diz São Lucas – como aquele que serve (22,27). Ele está no centro de todo coração.
Está no centro porque dele, como do centro, todos os raios da graça se irradiam
a nós que caminhamos ao seu redor e nos agitamos na periferia. Com tudo isso
estão de
acordo as palavras dos Atos dos
Apóstolos: “Naqueles dias, Pedro, tendo-se levantado no meio dos irmãos,
(estava reunido um grupo de quase cento e vinte homens) disse: “Irmãos…”, etc.
e tudo aquilo que aconteceu para a eleição de Matias (cf. Atos 1,1-1). Cristo,
ressuscitado dos mortos, colocou-se no meio dos discípulos.
Pedro que, antes de todos, tinha caído
renegando-O, levantou-se no meio dos irmãos, indicando com isso a nós que,
levantando-nos do pecado, nos colocamos no meio dos irmãos, porque no centro
existe o amor que se estende seja ao amigo que ao inimigo. “Veio, pois, Jesus e
se colocou no meio dos discípulos e disse: ‘A paz esteja convosco”.
É preciso lembrar que existem três
tipos de paz. Em primeiro lugar, a paz do tempo sobre a qual está escrito no
livro dos Reis que “Salomão esteve em paz com todos ao seu redor” (com os países
limítrofes) (5,4). Segundo, a paz do coração, sobre a qual se diz: “Na paz eu
me deito e logo adormeço” (salmo 4,9); e ainda: “A Igreja estava em paz em toda
a Judéia, Galiléia e Samaria; crescia e caminhava no temor do Senhor, cheia do
conforto do Espírito Santo” (Atos 9,31). Judéia quer dizer “confissão”,
Galiléia “passagem” e Samaria “guarda”. Portanto, a Igreja, isto é, a alma
fiel, encontra a paz nestas três coisas: na confissão, na passagem dos vícios
às virtudes, na guarda do preceito divino e da graça recebida. Desse modo ela
cresce e caminha de virtude em virtude no temor do Senhor; não um temor servil
mas um afetuoso temor filial; e em toda tribulação sente-se cheia da consolação
do Espírito Santo. Terceiro: a paz da eternidade, sobre a qual
diz o salmo: “Ele construiu a paz em
teus confins” (147,14). A primeira paz, tu deves ter com o próximo, a segunda
contigo mesmo e assim, na oitava da ressurreição, terás também a terceira paz,
com Deus no céu! Coloca-te, pois, no meio e terás a paz com o próximo. Se não
estiveres no meio, não poderás ter a paz. Com efeito, na “circunferência” não
há paz nem tranqüilidade, antes, movimento e volubilidade. Conta-se sobre os
elefantes que, quando eles têm que enfrentar um combate, possuem um cuidado
todo especial para com os feridos: fecham-nos ao centro do grupo junto com os
mais fracos. Assim também tu: acolhe no centro do amor o próximo fraco e
ferido. Como fez aquele guarda da cadeia de que se fala nos Atos dos Apóstolos
que, tomando à parte Paulo e Silas naquela mesma hora da noite, lavou-lhes os
ferimentos, conduziu-os à sua casa, preparou-lhes de comer e ficou imensamente
contente junto com toda a sua família por ter acreditado em Deus (cf. Atos
16,33-34). “Jesus colocou-se no meio dos discípulos e lhes disse: ‘A paz esteja
convosco!’ Tendo dito isso, mostrou-lhes as mãos e o lado”. Lucas escreve que
Jesus disse: “Olhai as minhas mãos e os meus pés: sou eu mesmo!” (24,39).
Conforme meu parecer, o Senhor mostrou
aos apóstolos as mãos, o lado e os pés por quatro razões.Primeira, para mostrar
que tinha realmente ressuscitado e tirar-nos assim qualquer dúvida. Segunda,
porque a pomba, isto é, a Igreja ou mesmo a alma fiel pudesse fazer seu ninho
nas suas chagas como que em profundas fendas e assim pudesse proteger-se da
vista do gavião que trama ciladas para pegá-la. Terceira, para imprimir em
nossos corações os sinais extraordinários da sua paixão. Quarta, mostrou-lhes
para que também nós, participando de sua paixão, não O preguemos nunca mais na
cruz com os cravos dos nossos pecados. Mostrou-nos, portanto, as mãos e o lado
dizendo: “Eis as mãos que vos plasmaram, como foram transpassadas pelos cravos!
Eis o peito do qual vós, fiéis, Igreja minha, fostes gerados, como Eva foi
procriada do costado de Adão, eis como foi aberto pela lança para abrir-vos as
portas do paraíso, guardada pela espada flamejante do anjo querubim. O vigor do
sangue que jorra do coração de Cristo, afastou o anjo e tornou inócua a espada
e a água apagou o fogo. Portanto, não queirais crucificar-me de novo e profanar
o sangue da aliança em que fostes santificados e ultrajar o Espírito da graça.
Se prestares bem atenção a estas coisas e as escutares, terás paz contigo
mesmo, ó homem! Por isso, o Senhor, após ter-lhes mostrado as mãos e o lado, disse
de novo: “A paz esteja convosco! Como o Pai me enviou” à paixão, embora me ame,
assim também eu, com o mesmo amor, vos envio ao encontro daqueles sofrimentos
aos quais o Pai me enviou. (Sermões de Domingos e Festas, volume I, Pádua,
1979, Edição Mensageiro de Santo Antônio, pp. 235ss)Tradução: Frei Geraldo
Monteiro, OFM Conv
As várias ofertas da Virgem Maria
Lemos no Livro dos Juízes: “Água ele
pediu, leite ela lhe deu e em uma taça de príncipes ofereceu creme” (5,25).
Sísara (chefe do exército de Canaã) significa “exclusão da alegria” e é figura
do diabo que, excluído da alegria da vida eterna, procura de todos os modos
excluir também os cristãos fiéis. A ele, que pedia a água da concupiscência, a
nossa Jael (Maria) ofereceu o leite. Foi por divino conselho que o mistério da
encarnação do Senhor permaneceu escondido ao diabo. Vendo que a beata Virgem
era casada, estava grávida e deu à luz a um filho e o amamentava, o diabo
pensou que também ela fosse sujeita à concupiscência e ao pecado e, por isso, aproximou-se
dela para exigir-lhe, como preço, a água da concupiscência. A Virgem, porém,
amamentando seu Filho, levou ao engano o diabo e assim matou-o com a estaca da
tenda e com o martelo. Na estaca, que serve para fixar e fechar a tenda, é
representada a virgindade de Maria. No martelo, que tem a figura de um tau (T),
é representada a cruz de Cristo. Jael, portanto, ou seja, a Virgem Maria, matou
o inimigo, o diabo, com a virgindade do seu corpo e com a paixão do seu Filho
pregado na cruz. Por isso, diz o Livro de Judite: “Uma mulher hebréia, sozinha,
cobriu de vergonha a casa do rei Nabucodonosor. Com efeito, eis Holofernes que
jaz no chão, decapitado” (14,18). Adonái, Senhor, Deus grande e admirável, a
Vós o louvor e a glória, a Vós que nos destes a salvação pela mão da vossa
Filha e Mãe, a gloriosa Virgem Maria! No trecho citado no início, prestemos
atenção às palavras “ofereceu creme numa taça de príncipes”. São estas palavras
que nos deram motivo para as considerações preliminares. Vejamos o que significam
a taça, os príncipes e o creme. Na copa é representada a humilde condição do
pobre, nos príncipes, os apóstolos; e, no creme, a humanidade de Cristo. Em sua
humilde condição de pobreza – que até os “príncipes” (os apóstolos) teriam
tido, ricos na fé, mas pobres neste mundo –, Maria ofereceu, no templo, o
creme, quer dizer, o Filho que tinha gerado, do qual diz o profeta Isaías:
“Nutrir-se-á de mel e coalhada” (7,15). No mel é indicada a divindade; na
coalhada, a humanidade do Salvador. Ele nutriu-se de mel e coalhada quando
uniu, em si mesmo, a natureza divina e a humana e, por isso, “aprendeu”, isto
é, fez com que também nós aprendêssemos a “rejeitar o mal e a escolher o bem”
(Is 7,15). Em sua pobreza, Maria ofertou o Filho e, com ele, a oferta dos pobres,
isto é, um par de rolas ou duas pombinhas, como prescrevia a lei de Deus.
“Quando uma mulher engravidar, e der à luz a um filho homem, será impura por
sete dias” (Lv 12,2), à exceção, porém, daquela que deu à luz permanecendo
virgem. Nem o Filho nem a Mãe precisavam de ofertas para purificar-se, mas o
fizeram para que nós fôssemos libertados do temor da lei, isto é, da prescrição
da lei que era observada por medo. E continuava a lei: “Quando os dias de sua
purificação se
completarem, isto é, após quarenta
dias, deverá oferecer um cordeiro na entrada da tenda. Se não o encontrar ou
não tiver a possibilidade de oferecer um cordeiro, oferecerá duas rolas ou duas
pombinhas”( Lv 12, 6.8). Esta era a oferta dos pobres, que não tinham a
possibilidade de oferecer um cordeiro, e isto é dito porque em tudo deveriam
manifestar-se a humildade e a pobreza do Senhor e de sua Mãe. E fazem esta
oferta fazem aqueles que são realmente pobres. Observe-se que, se a rola perder
o companheiro, ficará sozinha para sempre. Vai embora solitária, não bebe água
límpida, não sobe sobre um ramo verde. A pomba também é simples. Tem o ninho
mais rústico e pobre entre os demais pássaros, a ninguém fere com as unhas nem
com o bico. Não vive de rapinas. Com o bico nutre seus filhotes com o que ela
mesma se nutriu. Não come cadáveres. Nunca ataca os outros pássaros nem os mais
pequeninos. Alimenta-se de grãos. Esquenta sob as asas, como se fossem seus, os
filhotes dos outros. Mora na beira dos rios para defender-se do gavião.
Faz o ninho entre as pedras. Quando a
tempestade ameaça, refugia-se no ninho. Defende-se com as asas. Voa em grupo.
Seu canto é como um gemido. É prolífica e alimenta os gêmeos. Observe-se também
que quando as pombas criam e os pequenos crescem, o macho vai bicar na terra
salgada, coloca no bico dos pequenos aquilo que pegou, para que se acostumem à
comida. E se a fêmea, pelo sofrimento do parto, demora para voltar, o macho a
bica e a empurra com força para dentro do ninho. Também os pobres no espírito,
isto é, os verdadeiros penitentes, dado que pecando mortalmente perderam seu
“companheiro”, isto é, Jesus Cristo, vivem sozinhos na solidão do espírito e do
corpo, longe do tumulto das coisas temporais. Não bebem a água clara dos gozos
terrenos, mas aquela turva da dor e do pranto. “A minha alma está perturbada,
diz o Senhor. O que direi?” (Jo 12,27). Não sobem nos ramos verdejantes da
glória temporal de que diz o profeta Ezequiel: “Levam os ramos no nariz”
(8,17). Os escravos da luxúria carregam no nariz o ramo da glória temporal para
não sentir o fedor do pecado e o mau cheiro do inferno. Além disso, os
verdadeiros penitentes são simples como as pombas. O lugar em que moram e a
cama em que dormem é rústica e pobre. Não ofendem ninguém. Aliás, perdoam a
quem os ofende. Não vivem de rapina, mas distribuem suas coisas. Confortam e
sustentam, com a palavra da pregação, aqueles que lhes são confiados e
partilham alegremente com os demais a graça que lhes foi dada. Não se unem aos
cadáveres, isto é, ao pecado mortal. Diz o verso: “Alguns cadáveres caíram pela
espada, outros de morte natural”. Não escandalizam nem o grande nem o pequeno.
Alimentam-se de puro grão, isto é, da pregação da Igreja e não dos hereges, que
é impura. Tornam-se tudo a todos, promovem tanto a salvação de estranhos quanto
de conhecidos. Amam a todos no coração de Cristo. Vivem à beira dos rios da
Sagrada Escritura para se precaverem de longe das tentações do diabo que trama
sempre alguma coisa para raptá-los e assim se defendem. Fazem seus ninhos nas
fendas da
rocha, isto é, nas chagas do peito de
Cristo e, se houver a tempestade da tentação carnal, correm ao peito de Cristo
e ali se refugiam e oram com o Profeta: “Sede para mim, ó Senhor, uma torre
firme diante do adversário” (Salmo 60,4) e ainda “Sede, ó Deus, a minha
proteção” (Salmo 70,3). Não se defendem com as unhas da vingança, mas com as
asas da humildade e da paciência. O jeito melhor de vencer – diz o filósofo – é
a paciência”; e ainda: “O refúgio das desgraças é a paciência”. Em união com a
Igreja, com a comunidade de fiéis junto deles, eles se elevam até as coisas
celestes. Seu canto é um gemido. Suas melodias são lágrimas e suspiros. Cheios
de boa vontade, nutrem com o máximo escrúpulo os “dois gêmeos”, isto é, o amor
de Deus e do próximo. Observe-se ainda que o penitente deve ter duas virtudes:
misericórdia e justiça. A misericórdia, por assim dizer, é a fêmea, que guarda
os filhotes; a justiça é o macho. A terra salgada é a carne de Cristo, cheia de
amargura da qual o penitente deve sugar o amargor e o salgado e colocá-los na
boca dos filhotes, isto é, das suas obras, para que, acostumados com tal
alimento, vivam sempre na dor e na amargura, “crucificando a carne com seus
vícios e concupiscência” (Gal 5,24). Não se esqueça também de que a discrição (prudência)
é a mãe de todas as virtudes. Sem ela não se deve oferecer sacrifício. Por
isso, se a pomba, isto é, a misericórdia, demora para voltar até seus filhotes
(às obras boas) por causa do parto, isto é, da dor, dos gemidos e do
arrependimento, a justiça, como macho, deve dirigi-la e guiá-la com uma certa
energia, para que nutra os filhotes (as boas obras) e, nutrindo-os, os guarde.
O penitente, portanto, arrependa-se de seus pecados, mas de modo tal a não
tirar de si mesmo o necessário, sem o que não poderia viver. E, assim, quem
oferecer tais rolas e pombas, o sumo sacerdote Jesus Cristo o libertará de
qualquer fluxo de sangue, isto é, de qualquer impureza do pecado.
(Sermões de Domingos e Festas, volume
II, pp.135-139, Edição Mensageiro de Santo Antônio)Tradução: Frei Geraldo
Monteiro, OFM Conv
Jesus intercede por nós junto ao Pai
“Eu roguei ao Pai por vocês: o próprio
Pai os ama, porque vocês me amaram e acreditaram que eu saí do Pai” (Jo 16,26).
Cristo, sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque, mediador entre Deus e os
homens, roga por nós ao Pai. Lemos no livro do Levítico: “O sacerdote rogará
por eles e o Senhor lhes será propício” (4,20); e novamente: “o sacerdote
rogará por ele e pelo seu pecado e este lhe será perdoado” (4,26). Estão muito
bem de acordo com tudo isso as palavras do livro dos Números: “Moisés disse a
Aarão: “pega o turíbulo, acende-o com o fogo do altar coloca incenso e
dirige-te ao povo para orar por ele: porque a ira do Senhor se acendeu e o
flagelo já começou. Aarão cumpriu a ordem: foi ao meio do povo já golpeado pelo
flagelo, ofereceu o incenso; e permanecendo entre os mortos e os vivos, orou em
favor do povo e o flagelo cessou” (Num 16,46-48). “Disse Moisés a Aarão”, isto
é, disse o Pai ao Filho: “Pega o turíbulo” da humanidade que foi feito por obra
de Beseleel (Nm 31,1) que quer dizer “sombra divina”, sombra do Espírito Santo
no seio da Virgem gloriosa que justamente pelo Espírito Santo foi “sombreada”
levando-lhe assim o refrigério e extinguindo nela de maneira total a fome do
pecado. “Enche” com o fogo da divindade o turíbulo da humanidade em que morou
corporalmente a plenitude da divindade.E justamente diz: “do altar”, porque “eu
saí do Pai e vim ao mundo” (Jo 16,28) “E coloca incenso” da tua paixão, e
assim, qual mediador rogarás em favor do povo que o incêndio do diabo está
devastando atrozmente. E Jesus, obediente à vontade de quem mandara, pegou o
turíbulo, correu “à morte e morte de cruz”. E estando “na cruz com os braços
abertos, entre os mortos e os vivos”, isto é, entre os dois ladrões, dos quais
um foi salvo e o outro condenado – ou também “entre os mortos e os vivos”, isto
é, entre aqueles que estavam presos no cárcere do inferno e aqueles que viviam
na miséria deste exílio – livrou-os todos do incêndio da perseguição diabólica,
oferecendo-se a si mesmo como sacrifício de suave odor. E justamente de si
mesmo ele diz: “Eu rogarei ao Pai por vocês”. E João, em sua carta canônica,
escreve: “Nós temos um advogado junto ao Pai, Jesus Cristo justo: ele é
propiciação – isto é, expiação – pelos nossos pecados” (1Jo 2,1). Por isso é
que todos os dias nós O oferecemos ao Pai no sacramento do altar afim de que
sempre de novo se ofereça por nossos pecados. Com efeito, nós fazemos como a
mulher que tem uma criança pequenina quando o marido nervoso quer agredi-la:
segurando a criança nos braços,
coloca-a diante do homem, falando: “Bate nela! Bate nela!” A criança, com
lágrimas nos olhos, sofre junto com a mãe. O pai, comovendo-se diante das
lágrimas do filho a quem ama intensamente, perdoa a esposa, por causa do filho.
Assim também nós: a Deus Pai nervoso com os nossos pecados oferecemos o seu
filho Jesus Cristo no sacramento do altar como aliança da nossa reconciliação.
E Deus Pai, se não for por nós, pelo menos em consideração a seu Filho amado,
afaste de nós os merecidos flagelos e nos perdoe lembrando-se de suas lágrimas,
sofrimentos e paixão. O próprio Filho diz por boca do profeta Isaías: “Eu o
criei e eu o conduzirei, eu o levarei e o salvarei”(46,4). Observem-se bem os
quatro verbos: eu “criei” o homem e o “conduzirei” em meus ombros como uma
ovelha perdida e cansada; eu o “levarei” como a mãe carrega a criança nos
braços. E que é que pode fazer o Pai senão responder: “Eu o salvarei”? Por isso
é que Cristo diz com muita propriedade: “Eu rogarei ao Pai por vocês; o próprio
Pai os ama porque vocês me amaram e acreditaram que eu saí do Pai”. Pai e Filho
são uma coisa só. O próprio Filho o afirmou: “Eu e o Pai somos uma coisa só”
(Jo 10,30). Quem ama o Pai, ama também o Filho, e o Pai e o Filho o amam. No
Evangelho de João, com efeito, o Filho diz: “Quem me ama será amado pelo meu
Pai e eu também o amarei e me manifestarei a ele (14,21). Por tudo quanto diz
respeito a este amor, estão de acordo também as palavras da carta de São Tiago:
“Quem fixa o olhar sobre a lei da perfeita liberdade e lhe permanecer fiel, não
como quem escuta e se esquece, mas como quem que a coloca em prática, este sim,
será feliz em praticá-la” (1,25). A lei da perfeita liberdade é o amor de Deus
que torna o homem perfeito em tudo e livre de toda escravidão. Diz o Salmo
(36,31), sobre o justo: “A lei do seu Deus está em seu coração”.
Com efeito, no coração do justo está a
lei do amor de Deus e por isso diz Deus: “Filho, dê-me seu coração!” (Pv
23,26). Como o falcão tira dos pássaros que apanha, antes o coração e o come,
assim também Deus nada procura e nada ama no homem mais do que o coração no
qual está a lei do amor e por isso “seus passos não vacilarão” (Sl 36,31). Os
passos dos justos são as suas obras ou mesmo os afetos do coração que nunca
vacilarão, isto é, nunca cairão no laço da sugestão diabólica nem escorregarão
na praça da vaidade mundana. Sobre o laço fala Jó: “Seu pé será preso pelo laço
e a sede se lançará contra ele” (18,9). O pé do inimigo está preso no laço da
má sugestão e assim lança-se contra ele a sede da cobiça. Sobre a escorregada
fala Jeremias: “Nossos pés escorregaram no caminho rumo às nossas praças” (Lm
4,18). Praça vem da palavra grega platós, que significa largura. Nossos pés –
ditos aqui em latim “vestigia”, porque por meio deles se investiga, isto é,
descobre-se o percurso de quem passou – estão indicando as obras em base
às quais alguém é reconhecido. Na
imensidão suja do prazer mundano escorregam as obras dos pecadores, porque caem
de pecado em pecado e por fim se arruinam no inferno. Diz o salmo: “Seus
caminhos tornem-se escuros e escorregadios e o anjo do Senhor”, isto é, o anjo
mau (ele também é criatura de Deus!) “os persiga” (34,6) até que os precipite
no abismo do inferno. Ao invés, os passos do justo não vacilam, porque em seu
coração está a lei do amor e quem lhe é fiel “encontrará a felicidade em
observá-la”. O amor de Deus infunde a graça na vida presente e a felicidade da
glória na vida futura. A ela nos conduza Aquele que é bendito nos séculos dos
séculos. Amém. “Religião pura e sem mancha diante de Deus, nosso Pai, é esta:
visitar os órfãos e as viúvas em suas necessidades e conservar-se puros neste
mundo” (Tg 1,26). A religião é chamada assim porque por meio dela nós “ligamos”
a nossa alma ao único Deus para render-lhe o culto divino. Escutem as pessoas
religiosas o que é que diz o Senhor no Apocalipse: “Eu não imporei sobre vocês
outros pesos: segurem aqueles que vocês já têm”(2,24), isto é, o Evangelho! E a
verdadeira religião consiste nessas duas coisas: na misericórdia e na
inocência. Com efeito, ordenando visitar os órfãos e as viúvas, ela sugere tudo
o que devemos fazer pelo próximo; e mandando preservar-nos sem mancha neste mundo,
mostra-nos tudo aquilo em que nós devemos ser castos. Peçamos, portanto, irmãos
caríssimos, a nosso Senhor Jesus Cristo que nos infunda a sua graça com que
possamos inclinar-nos e chegar à plenitude da verdadeira felicidade, rogue por
nós junto ao Pai, nos conceda a verdadeira religião a fim de que possamos
alcançar o reino da vida
eterna. No-lo conceda Aquele que é
digno de louvor, princípio e fim, admirável e inefável nos séculos eternos. E
toda religião pura e sem mancha diga: Amém, aleluia! (Sermões, Ed. Mens. Sto.
Antonio, 1979, V Domingo depois da Páscoa)
Tradução: Frei Geraldo Monteiro, OFM
Conv
Quarta-feira de Cinzas início do jejum
1. Naquele tempo disse Jesus aos seus
discípulos: “Quando jejuardes, não fiqueis tristes como os hipócritas que desfiguram
o rosto para se fazer ver pelos homens que estão jejuando. Em verdade, eu vos
digo: eles já receberam a sua recompensa. Tu, ao contrário, quando jejuares,
urge a cabeça, lava o rosto para que os homens não vejam que estás jejuando,
mas o teu Pai que está no secreto” (Mt 6,16-18).Neste trecho evangélico vamos
tratar de dois assuntos: o jejum e a esmola.
I. O jejum
2. “Quando jejuais”. Nesta primeira
parte devem-se considerar quatro coisas: • o fingimento dos hipócritas; • a
unção da cabeça; • o lavar o rosto; • a ocultação do bem. “Quando jejuais”.
Lê-se na História Natural que com a saliva do homem em jejum resiste-se aos
animais portadores de veneno; aliás, se uma
cobra o ingere, morre (Plínio).
Portanto, no homem em jejum existe verdadeiramente um grande remédio. Adão no
paraíso terrestre, até que não comeu (jejum) do fruto proibido, permaneceu na
inocência. Eis aí o remédio que mata a diabólica serpente e restitui o paraíso,
perdido por culpa da gula. Por isso conta-se que Ester castigou seu corpo com
jejuns para fazer cair o orgulhoso Aman e reconquistar aos judeus a
benevolência do rei Assuero. Jejuai, portanto, se quiserdes conseguir estas
duas coisas: a vitória sobre o diabo e a restituição da graça perdida. Mas
“quando jejuais, não fiqueis tristes como os hipócritas”, isto é, não queirais
ostentar o vosso jejum com a tristeza do rosto. Hipócrita diz-se também
“dourado”, isto é, que tem a aparência do ouro mas, internamente, na
consciência é barro. Este é o ídolo dos babilônios (Baal), de quem diz Daniel:
“Não te enganes, ó rei, este ídolo, de fora é de bronze; dentro, porém, é só
barro” (14,6). O bronze ressoa e pelo aspecto pode quase parecer ouro. Assim
também o hipócrita ama o som do louvor e ostenta um pouquinho de santidade.
O hipócrita é humilde no rosto, simples
no vestir, submisso na voz, mas lobo em sua mente. Esta tristeza não é segundo
Deus. É uma maneira estranha de buscar para si mesmo o louvor, essa de ostentar
os sinais da tristeza. Os homens estão acostumados a alegrar-se quando ganham
dinheiro. Mas trata-se de negócios diferentes: nestes últimos existe a vaidade,
nos outros a falsidade. “Desfiguram-se (em latim exterminant) o rosto”, isto é,
desfiguram-no para além dos limites da condição humana. Como se pode orgulhar
da beleza das vestes, pode-se também fazê-lo da sua feiúra e falta de cor. Não
se deve abandonar nem a uma sem cor exagerada e nem a uma excessiva vaidade: é
bom estar na justa medida! “A fim de serem vistos pelos homens…” Qualquer coisa
que fazem é apenas, aparência, pintado de um falso colorido. Fazem-no para
aparecerem diferentes dos outros e serem chamados “super-homens”, até mesmo por
causa da aviltação. “…jejuam”. O hipócrita jejua para receber louvor disso, o
avarento para encher o bolso, o justo para agradar a Deus. “Em verdade eu vos
digo: já receberam sua recompensa”. Eis a recompensa do prostíbulo, de que diz
Moisés: “Não prostituas tua filha” (Lv 19,29). Filha representa as obras deles:
colocam-nas no prostíbulo do mundo para receberem a recompensa do louvor. Seria
loucura de quem vendesse como uma moeda de chumbo uma preciosa moeda de ouro.
Na realidade vende por um preço muito barato algo de grande valor, aquele que
faz o bem só para ser louvado pelos homens. 3. “Tu, ao contrário, quando
jejuas, unge a cabeça, lava o rosto”. Isto concorda com o que diz Zacarias.
“Isto diz o Senhor dos exércitos: O jejum do quarto mês, do quinto, do sétimo e
do décimo mês serão para a casa de Judá dias de alegria e felicidade, dias de
grande festa” (Zc 8,11). A “casa de Judá” significa “que manifesta” ou “que
louva” e representa os penitentes que manifestando e confessando seus pecados
prestam louvor a Deus. Destes é e deve ser o jejum do quarto mês, porque jejuam
(abstêm-se, de quatro coisas: soberba do diabo, impureza da alma, glória do
mundo e injúria ao próximo. “Este é o jejum que eu amo”, diz o Senhor (Is
58,6). O jejum do quinto mês consiste em afastar os cinco sentidos dos
pensamentos e prazeres ilícitos. O jejum do sétimo mês é a representação da
cobiça terrena; com efeito como se lê que o sétimo dia não tem fim, assim
também nem a cobiça do dinheiro chega ao fundo o suficiente. O jejum do décimo
mês consiste em deixar de perseguir um fim mau. O final de cada número é o dez:
quem quiser contar além tem que começar de novo do um. O Senhor se lamenta pela
boca do profeta Malaquias: “Vós me roubais e ainda me dizeis: Em que coisa nós
te roubamos? No dízimo e nas primícias (3,8), isto é, na finalidade má e no
início de uma intenção perversa. Preste-se atenção, que o profeta coloca o
dízimo antes das primícias, porque é sobretudo pela finalidade perversa que é
condenada toda a obra precedente. Este jejum transforma-se para os penitentes
em alegria da mente felicidade de amor divino e em esplêndida solenidade de
celeste convivência. Isto quer dizer ungir a cabeça e lavar o rosto. Unge a
cabeça aquele que em seu interior está cheio de alegria espiritual. Lava o
rosto aquele que orna as suas obras com a honestidade da vida.
4. O outro sentido. “Tu, ao contrário,
quando jejuas…”. São muitos os que nesta Quaresma, jejuam e no entanto
continuam em seus pecados. Estes não ungem a cabeça. Há um triplo unguento: o
lenitivo (sedativo), o corrosivo e o “pungitivo”. O primeiro é produzido pelo
pensamento da morte, o segundo pelo pensamento da presença do futuro Juiz e o
terceiro pelo pensamento da geena. Há a cabeça coberta de furúnculo, verrugas e
bentiligo. O furúnculo é uma pequena protuberância superficial cheia de
podridão (pus); verruga é uma
excrescência de carne supérflua, pelo que
verruguento pode significar também “supérfluo”; o bentiligo é uma casca seca
que deturpa a beleza. Nestas três doenças estão indicadas a soberba, a avareza
e a luxúria obstinada. Tu, ó soberbo, recoloca diante dos olhos da tua mente a
corrupção do teu corpo, a podridão e o fedor que terá. Onde estará, então,
aquela tua soberba do coração, aquela tua ostentação de riquezas? Aí, então,
não existirão mais as palavras cheias de vento, porque a bexiga murcha ao
mínimo toque do alfinete.
Estas verdades, meditadas no íntimo de
cada um, ungem a cabeça feridenta, isto é, humilham a mente orgulhosa. Tu, ó
avarento, lembra-te do último exame, onde haverá o Juiz justo, estará a
carnífice pronto a atormentar, os demônios que acusam, a consciência que
remorde. “Então a tua prata será jogada fora, o ouro se tornará sujeira, o teu
ouro e a tua porta não poderão livrar-te do dia da ira do Senhor (Ez 7,19).
Estas verdades, meditadas com atenção, destróem e tiram as verrugas do
supérfluo e os dividem entre aqueles que nem o necessário têm. Por isso, quando
jejuas, unge tua cabeça com este unguento, para que o que tiras de ti mesmo
seja dado ao pobre. E tu, ó luxurioso, começa a pensar na geena do fogo
inextinguível, onde haverá morte sem morrer, fim sem terminar, onde se procura
mas não se encontra a morte, onde os condenados engolirão a língua e
amaldiçoarão o Criador. Lenha daquele fogo serão as almas dos pecadores e o
sopro da ira de Deus as incendiará. Diz Isaías: “Desde ontem”, isto é, desde
toda a eternidade, “está preparado o Tofet”, a geena do fogo, “profundo e
vasto. Fogo e muita lenha são seu alimento; o sopro do Senhor o acenderá como
torrente de enxofre” (Is 30,33). Eis o unguento que punge, que penetra, capaz
de sarar a mais obstinada luxúria. Como prego tira prego, assim estas verdades,
meditadas assiduamente, são em grau de reprimir o estímulo da luxúria. Tu,
portanto, quando jejuas, unge a cabeça com este unguento.
5. “Lava o rosto”. As mulheres, quando
querem sair em público, ficam na frente do espelho e se descobrirem alguma
mancha no rosto, logo se limpam com água. Assim também tu, olha no espelho da
tua consciência. E se encontrares alguma mancha de pecado, vai imediatamente à
fonte da confissão e, quando
na confissão se lava com lágrimas o
rosto do corpo, também o rosto rosto da alma fica limpo e iluminado.
Uma observação: as lágrimas são
luminosas na escuridão, são quentes contra o frio, são salgadas contra o fedor
do pecado. “Para que os homens não vejam que estás jejuando”. Faz jejum para os
homens quem busca os aplausos deles. Faz jejum para Deus quem sofre por seu
amor e partilha com os outros aquilo que tira de si mesmo. “Mas só o teu Pai
que está no secreto”. Acrescente-se: o Pai está no secreto por causa da fé e
recompensa aquilo que é feito em secreto. Portanto, deve-se jejuar somente lá
onde ele vê. E é preciso que quem jejua, jejue de tal modo que agrade àquele
que carrega no coração. Amém.
II. A esmola
6. “Não acumuleis para vós tesouros
sobre a terra, onde a traça e a ferrugem corroem e onde os ladrões assaltam e
roubam” (Mt 6,19). A ferrugem corrói os metais, a traça corrói as roupas; o que
se salva destes dois flagelos, os ladrões roubam. Com estas três expressões é
condenada toda forma de avareza. Vejamos o significado moral das cinco
palavras: terra, tesouros, ferrugem, traça e ladrões. A terra, assim chamada
porque se seca (em latim “torret”) pela seca natural, representa a carne que é
de tal modo sedenta que nunca diz: chega! Tesouros são os preciosos sentidos do
corpo. A ferrugem, doença do ferro, assim chamada do verbo latim “eródere”,
indica a impureza que, enquanto parece agradar, acaba com a beleza da alma e a
corrói. A traça, assim chamada porque “segura”, indica o orgulho ou então a
ira. Os ladrões (em latim
“fures”, de furrus = obscuro), que
trabalham na escuridão da noite, representam os demônios. Portanto, se
carregamos alguma coisa na carne, escondemos os tesouros na terra, quer dizer:
enquanto usamos os preciosos sentidos do corpo nos desejos terrenos ou da
carne, a ferrugem; isto é, a impureza, os corrói. Além disso, o orgulho, a ira
e demais vícios destróem a roupa dos bons costumes e, se sobrar ainda alguma
coisa, os demônios a roubam, pois estão sempre interessados justamente nisso:
roubar os bens espirituais. “Acumulai-vos de tesouros no céu”. Imenso tesouro é
a esmola! Diz S. Lourenço: “As mãos dos pobres é que colocaram nos tesouros
celestes as riquezas da Igreja!” Acumula tesouros no céu quem dá a Cristo e dá
a Cristo quem dá ao pobre: Aquilo que fizestes a um destes mais pequeninos, o
fizestes a mim! (Mt 25,40).
“Esmola” é uma palavra grega que em
latim se diz “misericórdia”. Por sua vez misericórdia significa “que irriga o
mísero coração”. O homem irriga o pomar para colher os frutos. Tu, também,
irriga o coração do pobre miserável através da esmola que é chamada água de
Deus para obter seus frutos na vida eterna. Seja o pobre o teu céu! Coloca nele
o teu tesouro, para que nele esteja sempre o teu coração. E isso, sobretudo
agora, durante a santa Quaresma. Onde está o coração, aí também está o olho; e
onde estão o coração e o olho, alí também está a inteligência, sobre a qual diz
o salmo: “Feliz aquele que atende (“intelligit” = tem cuidado) ao mísero e ao
pobre” (40,2). Daniel disse a Nabucodonosor: “Seja-te aceito, ó rei, o meu conselho:
desconta teus pecados com a esmola, desconta tuas maldades com obras de
misericórdia para com os
pobres” (Dn 4,24). Muitos são os
pecados, muitas são as maldades e por isso, muitas devem ser as esmolas e
muitas as obras de misericórdia para com os pobres. Assim resgatado por elas da
escravidão do pecado, possais voltar livres à pátria celeste. Vo-lo conceda
Aquele que é bendito nos séculos. Amém.
7. Lê-se no Livro dos Juízes que
“Gedeão invadiu os acampamentos de Madiã com tochas, trombetas e ânforas”
(7,16…) Isaías também diz: “Eis o Dominador, o Senhor dos exércitos quebrará
com o terror a broca de barro; os de alta estatura serão cortados e os
poderosos serão humilhados. O centro da selva será destruído a ferro e o Líbano
cairá com seus altos cedros” (10,33-34). Vejamos o significado moral de Gedeão,
tochas, trombeta e ânforas. Gedeão quer dizer “que gira no útero” e indica a
pessoa penitente que, antes de se apresentar à confissão, deve girar no útero
da sua consciência em que foi concebido e gerado o filho da vida ou da morte.
Ela tem que pensar se já se confessou de todos os seus pecados; e se, depois de
ter se confessado, recaiu nos mesmos pecados, e quantas vezes; porque neste
caso foi muito, mas muito mesmo mais ingrato para com a graça de Deus. Se
transcurou a confissão e por quanto tempo permaneceu em pecado sem
confessar-se, e se, com pecado mortal, recebeu o corpo do Senhor. Portanto, a
pessoa penitente, ouvindo o Senhor que diz “fazei penitência”, deve julgar a si
mesma por todos os dias de sua vida, para ver se ela é “Israel”, isto é, alguém
que vê a Deus. Todos os anos, durante a Quaresma, deve analisar a própria
consciência, que é a casa de Deus e tudo aquilo que nela encontrar de nocivo ou
supérfluo deve
circuncidar na humildade da contrição;
e deve também considerar o tempo passado, procurando com diligência aquilo que
cometeu, omitiu e, depois disso, voltar sempre ao pensamento da morte que deve
ter diante dos olhos, aliás, morar mesmo neste pensamento.
8. A pessoa penitente, como atento
explorador, feito assim o giro, deve logo acender a lâmpada que arde e ilumina:
nela é indicado o coração contrito o qual, pelo fato de arder também ilumina. E
eis o que pode fazer a verdadeira contrição. Quando o coração do pecador se
acende com a graça do Espírito Santo, ele arde pela dor e ilumina pelo
conhecimento de si mesmo; e então, a consciência, cheia de tribulações e
remorsos, e a atormentada impureza é destruída porque seja interna que
externamente a paz volta a florescer. E o esplendor do luxo deste mundo, a
dissolutez carnal são destruidos desde a alma até a carne, porque tudo o que
houver de imundo tanto na alma como no corpo, é queimado pelo fogo da
contrição. Feliz aquele que queima e ilumina com esta lâmpada! Dela diz Jó:
“lâmpada desprezada nos pensamentos dos ricos, preparada para o tempo
estabelecido” (12,5). Os pensamentos dos ricos deste mundo são: guardar as
coisas adquiridas e suar para adquirir mais ainda. Por isso, raramente ou nunca
se encontra neles a verdadeira contrição. Eles desprezam-na porque fixam sua
alma nas coisas passageiras. Com efeito, enquanto procuram com tanto ardor o
prazer das coisas materiais, esquecem-se da vida da alma que é a contrição e
assim caminham ao encontro da morte. Diz a História Natural que a caça dos
cervos se faz assim: dois homens saem, um deles toca a trombeta e canta, o
cervo segue o canto porque sente uma atração por ele. No entanto, o segundo
homem dispara a flecha, atinge-o e o mata. Assim também acontece com a caça dos
ricos. Os dois homens são o mundo e o diabo. O mundo, diante do rico, toca a
trombeta e canta porque lhe mostra e promete os prazeres e as riquezas. E
enquanto o rico estulto segue-o encantado, já que encontra prazer nessas
coisas, é morto pelo diabo, levado à cozinha do inferno para ali ser fervido e
assado. 9. Eis, porém, que chega o tempo da Quaresma, instituído pela Igreja
para perdoar os pecados e salvar
as almas: na Quaresma prepara-se a
graça da contrição que agora está à porta espiritualmente e bate. Se quiseres
abrir e acolhê-la ceará contigo e tu com ela. E aí, sim, começarás a tocar a
trombeta de maneira maravilhosa. Trombeta é a confissão do pecador contrito.
Feita a confissão, deve ser dada a satisfação ou
penitência indicada na ruptura da
ânfora ou do vaso de barro. É desprezado o barro, o corpo acaba por sofrer;
Madiã é interpretada como “do juízo” ou “iniquidade”, isto é, o diabo que, pelo
juízo de Deus, já é condenado, é derrotado e a sua iniquidade arrasada. E é
isso que diz o profeta Isaías: “Os de estatura alta”, isto é, os demônios
“serão cortados” e “os poderosos”, isto é, os homens orgulhosos “serão
humilhados” e “o centro da selva”, isto é, a ganância das coisas materiais
“será destruída pelo ferro” do temor de Deus; “e o Líbano”, isto é, o esplendor
do luxo mundano “com os seus altos cedros”, isto é, as nulidades, os enganos e
as aparências, “cairá”. Atenção! A satisfação, a penitência consiste em três
coisas: • na oração, naquilo que diz respeito a Deus, • na esmola, no que diz
respeito ao próximo, • no jejum, no que diz respeito a si mesmos. E tudo isso
para que a carne que, pelo prazer, conduziu ao pecado, pela expiação conduza ao
perdão. E isso digne-se conceder-nos Aquele que é bendito nos séculos. Amém.
(Sermões, vol. III, pg. 139ss)
Tradução: frei Geraldo Monteiro, OFM Conv
A incredulidade de Tomé
“Tomé, um dos doze, chamado Dídimo, não
estava com eles quando veio Jesus. Então os outros discípulos lhe disseram:
‘Nós vimos o Senhor. “Mas ele lhes disse: ‘Se eu não vir em suas mãos a chaga
dos pregos e não colocar os meus dedos no lugar dos pregos e as minhas mãos no
seu peito, não acreditarei” (Jo 20,24-25). Tomé quer dizer “abismo” porque,
duvidando, alcançou um conhecimento mais profundo e assim sentiu-se mais
seguro. Dídimo é uma palavra grega que significa “duplo”, por isso duvidoso
(cético). Não foi por acaso, mas por desígnio divino que Tomé não estava com os
discípulos e não quis crer naquilo que ouvia contar. Ó ‘desígnio divino! Ó
santa dúvida do discípulo! “Se eu não enxergar em suas mãos…” Ele desejava ver
reconstituída a tenda de Davi que tinha caído e sobre a qual o Senhor, por boca
de Amós, diz: “Naquele dia eu reerguerei a tenda de Davi que caiu e
reedificarei as aberturas de suas muralhas (9,11). Em Davi, que quer dizer “de
mão forte”, devemos ver a divindade. Na tenda, o corpo do próprio Cristo em
que, como numa tenda, habitou a divindade: ‘tenda que caiu com a paixão e com a
morte. Por “aberturas” das muralhas pode-se entender as chagas das mãos, dos
pés e do peito: o Senhor as reedificou na sua ressurreição. Sobre elas é que
Tomé diz: “Se eu não vir em suas mãos as chagas…” O Senhor misericordioso não
quis abandonar em sua honesta dúvida aquele discípulo que se tornaria um “vaso
de eleição”: tirou-lhe toda sombra de dúvida, misericordiosamente, como tiraria
depois a Saulo a cegueira da infidelidade. E eis a concordância nos Atos dos
Apóstolos.
Diz Ananias: “Saulo, meu irmão! O
Senhor Jesus enviou-me a ti, o mesmo que te apareceu no caminho em que vinhas
vindo, a fim de que tu recobres a vista e sejas repleto de Espírito Santo. E
improvisamente caíram-lhe dos olhos umas como que escamas e ele recuperou a
visão. Levantou-se e foi batizado. Tomou
alimento e sentiu-se fortificado” (At
9,17-19). Realizou-se assim a profecia de Isaías (65,25): “O lobo irá ao pasto
junto com o cordeiro”, isto é, Saulo com Ananias que justamente quer dizer
“cordeiro”. O corpo da cobra se cobre de escamas. Os Judeus são “as cobras e
raça de víboras”. Saulo, imitando a falta de fé dos Judeus, tinha como que
recoberto de pele de cobra os olhos do coração, mas depois, caídas as escamas
sob a mão de Ananias, manifesta no rosto a luz que recebeu na alma. Assim, sob
a mão de Ananias, isto é, de Jesus Cristo que foi conduzido ao sacrifício como
um cordeiro. Caíram as escamas da dúvida dos olhos de Tomé e ele recuperou a
visão da fé. Profissão de fé de Tomé: confirmação da nossa fé! “Oito dias
depois os discípulos estavam de novo em casa; desta vez estava também Tomé.
Veio Jesus, com as portas fechadas, colocou-se no meio deles e disse: “Paz a
vós!” (Jo 20,26). Não quero explicar de novo aquilo que já foi explicado. “E
Jesus disse a Tomé: coloca o teu dedo e olha as minhas mãos; estende a mão e
coloca-a no meu peito; não sejas incrédulo, mas tem fé! Respondeu-lhe Tomé
dizendo: “Meu Senhor e meu Deus!” E Jesus lhe disse: “Porque me viste, creste.
Bem-aventurados os que, mesmo sem terem visto, creram (Jo 20,27-29). Diz o
Senhor por boca de Isaías: “Eu te desenhei em minhas mãos (49,16).
Observe-se que, para escrever, são
necessárias três coisas: papel, tinta e caneta. As mãos de Cristo eram o papel,
seu sangue a tinta, e os cravos a caneta. Cristo, portanto, desenhou-nos em
suas mãos por três motivos. Em primeiro lugar, para mostrar ao Pai as
cicatrizes das chagas que tinha sofrido por nós e induzi-lo assim à
misericórdia. Depois, para não esquecer-se nunca de nós e por isso ele mesmo
diz por boca de Isaías: “Pode talvez uma mulher esquecer sua criança e não ter
piedade do filho do seu ventre? Mesmo que ela se esqueça, eu não me esquecerei
de ti. Eis, eu te desenhei em minhas mãos” (49,15-17). Em terceiro lugar, ele
escreveu em suas mãos como nós devemos ser e em que devemos crer. Portanto, não
sejas incrédulo, ó Tomé, ó cristão, mas tem fé! “Exclamou Tomé: ‘Meu Senhor e
meu Deus!’ etc. Respondendo-lhe, o Senhor não disse: “Pois que tocaste” mas
“porque viste”, porque a visão é em certo modo um sentido “global” que em geral
é de ajuda aos outros quatro. Diz a Glossa: “Talvez não ousou tocar, mas
somente olhou ou talvez olhou também tocando. Via um homem e tocava e, para
além disso, eliminada toda dúvida, creu que era Deus, professando assim aquilo
que não via. “Tomé, viste-me “homem” e creste-me “Deus”!
“Bem-aventurados os que, mesmo sem
terem visto, creram. Com estas palavras Jesus louva a fé dos gentios (pagãos),
mas usa o tempo passado porque na sua “presciência” via já como acontecido
aquilo que haveria de acontecer no futuro. Disso nós entremos, uma confirmação
nos Atos dos Apóstolos quando Felipe interrogou o eunuco, funcionária de
Candace, rainha da Etiópia: “Crês de todo coração? E ele respondeu:
“Creio que Jesus Cristo é o Filho de
Deus!” E o batizou (8,38). O mesmo se diga onde se fala do centurião Cornélio
que Pedro batizou juntamente com toda sua família, em nome de Jesus Cristo.
Estes dois que creram em Cristo, prefiguraram a Igreja dos gentios (pagãos) que
haveria de se regenerar no sacramento do batismo e crer no nome de Jesus
Cristo. É a eles que Pedro fala hoje com as palavras da entrada da missa e diz:
“Como crianças recém-nascidas, desejai razoáveis o leite sem engano (= puro) da
palavra”(1 P 2,2).
Criança, em latim infans, é assim
chamada porque não sabe falar (fari=falar). Os fiéis da Igreja, gerados pela
água e pelo Espírito Santo, devem ser in-fantes, não falantes, isto é, que não
falam a língua do Egito do qual diz o profeta Isaías: “O Senhor recusará a
língua do mar do Egito” (11,15). Com a língua indica a eloqüência, com o mar a
sabedoria filosófica e com o Egito o mundo. O Senhor, portanto, recusa a língua
do mar do Egito quase, através dos simples e não eruditos, demonstra que a
sabedoria do mundo é árida e sem sabor. “Razoáveis, sem engano”. Razoável é
aquilo que se faz com a razão. A razão é o olhar da alma, com o qual o
verdadeiro é contemplado por si mesmo e não através do corpo ou então é o
próprio verdadeiro que é contemplado (Santo Agostinho) Razoáveis, portanto, no
que diz respeito a Deus e a nós mesmos, sem engano no que diz respeito ao
próximo. “Desejar o leite”. O leite de que fala Agostinho: “O pão dos anjos
tornou-se leite dos pequeninos”. O leite (em latim Pac) é chamado assim pela
sua cor. Com efeito é um líquido branco. Branco em grego se diz ‘leukós’, em
latim albus. A sua substância é produzida pelo sangue, pois, após o parto, se
uma parte do sangue ainda não foi consumida para a nutrição no útero, por vias
naturais, ela sobe até aos mamilos e tornando-se branco por obra deles, assume
a natureza e a substância do leite. E daquele momento, torna-se alimento de
todo recém-nascido, porque a substância através da qual acontece a geração é a
mesma da nutrição: o leite, com efeito é como o sangue fervido, digerido, não
corrompido (Aristóteles). No sangue, que tem um aspecto horrível, é apresentada
a ira de Deus. No leite, ao invés, que tem sabor doce e cor agradabilíssima, é
representada a misericórdia de Deus. O sangue da ira foi mudado em leite de
misericórdia no peito, isto é, na humanidade de Jesus Cristo. É assim que diz o
Profeta:
“Mudou os raios em chuva” (Salmo
134,7). Os raios da ira divina transformaram-se em chuva de misericórdia,
quando o Verbo se fez carne. O eunuco etíope e o centurião Cornélio são figuras
dos pecadores convertidos. Cornélio quer dizer “que entende a circuncisão”. Com
justiça, Cornélio e o eunuco têm algo em comum: com efeito os penitentes
“tornaram-se eunucos pelo reino dos céus, quer dizer, circuncidam, eliminam de
si mesmos os desejos carnais e, crendo no nome de Jesus Cristo, lavam-se na
fonte viva do arrependimento e renovam-se no batismo da penitência. Fazem como
os elefantes, dos quais diz Solino. “As fêmeas antes dos dez anos ignoram o
sexo; os machos, antes do quinze. Por dois anos mantêm relações cinco vezes por
ano e não mais. E não voltam entre os companheiros do grupo sem antes se
lavarem em águas vivas da fonte.”
Assim também os penitentes e os justos,
se caíram em algum pecado, envergonham-se de voltar ao número dos fiéis se
antes não se lavarem nas águas vivas das lágrimas e da penitência. Peçamos,
portanto, irmãos caríssimos, e supliquemos à misericórdia de Jesus Cristo para
que, venha e se firme no meio de nós, extirpe do nosso coração toda dúvida e
imprima em nossa alma a fé na sua paixão e ressurreição, a fim de que,
juntamente com os apóstolos os fiéis da Igreja, possamos alcançar a vida
eterna. No-lo conceda aquele que é bendito, digno de louvor e glorioso pelos
séculos eternos. E toda alma fiel responda: Amém. Aleluia!(Sermões, vol I, pp.
241-246) Tradução: Frei Geraldo Monteiro, OFM Conv
Haverá um só rebanho e um só pastor
“Tenho ainda outras ovelhas que não são
deste rebanho; também a elas eu devo conduzir: e elas escutarão a minha voz e
haverá um só rebanho e um só pastor” (Jo 10,16). A ovelha, um animal macio no
corpo e na lã, é chamada em latim “óvis”, de oblação, oferta, porque no início
não se ofereciam em sacrifício
touros e sim ovelhas. Ovelhas são os
fiéis da Igreja de Cristo que todos os dias sobre o altar da paixão do Senhor e
no “sacrifício” do coração arrependido oferecem-se a si mesmos qual hóstia
pura, santa e agradável a Deus. “Tenho outras ovelhas”, isto é, os gentios, os
pagãos, “que não são deste rebanho”, não são do povo de Israel; “também a estas
eu devo conduzir” por meio dos apóstolos e “haverá um só rebanho e um só pastor”.
E esta é a Igreja reunida e formada por ambos os povos. Esta é a mulher de que
fala o Apocalipse;
“Apareceu no céu um sinal grandioso:
uma mulher vestida de sol, com a lua sob seus pés e na cabeça uma coroa de doze
estrelas. Estava grávida e gritava pelas dores e trabalho de parto” (Ap
12,1-12). Sentido alegórico. Esta mulher representa a Igreja que de bom alvitre
é chamada “mulher”, porque fecunda de muitos filhos que gerou pela água e pelo
Espírito Santo. Esta é a mulher vestida de sol . O sol é assim chamado por que
ele aparece sozinho, depois de ter obscurecido com o seu fulgor todas as demais
estrelas. O sol é Jesus Cristo! Ele habita numa luz inacessível cujo esplendor
vela e obscurece os frágeis raios de todos os santos, se forem comparados a ele,
porque “não há santo como o Senhor” (1R 2,2). Diz Jó: “Mesmo que eu me lavasse
com as águas da neve e minhas mãos brilhassem como nunca, assim mesmo tu me
jogarias no lodo e minhas próprias roupas teriam horror de mim (Jó 9,30-31).
Nas águas da neve é representada o arrependimento das lágrimas e nas mãos que
brilham a perfeição do agir. Diz, pois: mesmo se eu me lavasse com as águas da
neve, isto é, do arrependimento, e minhas mãos brilhassem com o esplendor de
uma conduta perfeita, mesmo assim me jogarias no lodo, isto é, me farias ver
que sou ainda sujo e teriam horror de mim, isto é, me tornariam abominável, as
minhas vestes, quer dizer, as minhas qualidades ou os membros do meu corpo, se
quisesses tratar-me com rigor: mas, ajuda-me, tu, ó Senhor! Diz Isaías: “Todos
nós nos tornamos sujos”, isto é, como um leproso; “todas as nossas justiças são
como o pano de mulher menstruada; todos nós caímos como folhas e as nossas
maldades nos levaram como vento” (64,6). Por isso o único bom, o único justo e
santo é aquele sol de cuja fé e de cuja graça a Igreja é vestida. “E com a lua
sob seus pés”. A lua, por causa das variações de seu aspecto. Está indicando a
instabilidade da nossa mísera condição. Daqui o dito: “O jogo de sorte muda que
nem a lua: cresce e diminui, nunca fica a mesma”. Por isso o Eclesiástico diz:
“O estulto muda como a lua” (27,12). O estulto, isto é, o seguidor deste mundo,
passa dos “chifres” (forma
da lua no primeiro e último quarto) da
soberba à “forma arredondada” da concupiscência carnal e vice-versa.
Esta inconstante prosperidade das
coisas caducas deve ser posta sob os pés da Igreja. Os pés da Igreja são todos
os prelados que devem conduzí-la como os pés conduzem e sustentam o corpo. E
sob estes pés devem ser pisados como esterco todas as coisas temporais. Por
isso lemos em Atos: “Todos os que possuíam campos ou casas os vendiam, traziam
a importância daquilo que tinha sido vendido e a depositavam aos pés dos
Apóstolos” (4,34) porque consideravam como esterco todas aquelas coisas. “Tinha
sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas”. As doze estrelas são os doze
Apóstolos que iluminam a noite deste mundo. “Vós sois – diz o Senhor – a luz do
mundo” (Mt 5,14). A coroa, assim chamada porque é como uma roda em volta da
cabeça, de doze estrelas é a fé dos doze apóstolos; e é coroa porque não tolera
acréscimo ou diminuição, como todo círculo: e isso porque é completa e
perfeita.
A Igreja tem filhos, concebidos como a
semente da palavra de Deus, grita pelas dores nos penitentes e sofre no parto
pelos esforços de converter os pecadores. Por isso ela, com as palavras de
Baruc, diz: “Fui deixada sozinha; me despojei da estola da paz e me vesti com o
saco da súplica e gritarei ao Altíssimo por todos os meus dias. Animai-vos,
filhos, gritai ao Senhor e ele vos livrará das mãos e do poder dos inimigos.
Ele vos fez partir no luto e no choro,
mas vos reconduzirá a mim, o Senhor, na alegria e exultação” (4,19-23).
E isto acontece no dia das Cinzas
quando os penitentes são convidados a ficarem fora da igreja e no dia da Ceia
do Senhor quando são ali acolhidos. Sentido moral. “Uma mulher vestida de sol”.
É a alma fiel de quem diz Salomão: “Quem encontrará uma mulher forte? Seu valor
é como aquele das coisas trazidas de longe e da extremidade da terra” (Pv
31,10). Feliz a alma que, revestida pela força do alto, resiste impávida na
adversidade e na prosperidade e derrota com coragem os poderes do ar. O valor,
o preço desta mulher foi Jesus Cristo que por sua redenção veio de longe; do
seio do Pai, em sua divindade e da extremidade da terra, quer dizer, de
parentes paupérrimos, em sua humanidade. Ou ainda: por “preço” entendam-se as
virtudes. Com este preço se é resgatado, redimido. Diz Salomão: o resgate do
homem são suas riquezas (Pv 13,8), isto é, as virtudes (riquezas espirituais) .
As virtudes vêm de longe, isto é, do alto; os vícios, ao invés, são nossos
familiares, porque provêm de nós mesmos. Esta mulher é vestida de sol.
Observe-se que no sol existem três qualidades: candura, esplendor e calor. Na
candura é significada a castidade, no esplendor a humildade e no calor a
caridade. Com estas três virtudes se confecciona o manto da alma fiel, da
esposa do celeste esposo.
Sobre este manto diz Booz a Rute:
“Alarga o manto com que te cobres e segura-o com todas as duas mãos.
Ela o estendeu e o segurou estendido e
ele colocou seis medidas de cevada e pôs-lhe nos ombros” (Rt 3,15). Booz quer
dizer “forte”, Rute “que se vê e tem pressa”. Vejamos o significado da extensão
do manto, as duas mãos e as seis medidas de cevada. Rute é a alma que, vendo a
miséria deste mundo, a falsidade do diabo, a concupiscência da carne,
apressa-se na direção da glória da vida eterna. Alarga este manto quando
atribui não a si mas a Deus a sua castidade, a humildade e a caridade e mostra
estas virtudes unicamente para a
edificação do próximo. E, para não
perdê-las, segura-as com as duas mãos, isto é, com o temor e com o amor de
Deus. Nós Vos pedimos, Senhor Jesus, Vós que sois o bom pastor: Guardai-nos
como vossas ovelhas, Defendei-nos dos mercenários e do lobo E coroai-nos no
vosso Reino Com a coroa da vida eterna. Dignai-vos conceder-nos Vós que sois
bendito, glorioso, E digno de louvor por todos os séculos do séculos. E toda
ovelha, E toda alma fiel diga: Amém. Aleluia! (Sermões, vol. I, p. 272 e ss,
Ed. Mess. Padova, 1979 – II Domingo de Páscoa) Tradução: Frei Geraldo Monteiro,
OFM Conv
Circuncisão do Senhor
2. Depois que se completaram os oito
dias para ser circuncidado o menino (Lc 2,21). Nesta primeira parte somos
ensinados, em sentido místico, como todos os justos, na ressurreição final,
serão circuncidados de toda corrupção. Mas porque ouvistes a palavra
circuncidado a respeito do Verbo circuncidado, falaremos brevemente da sua
circuncisão. Cristo foi circuncidado só no corpo, porque nada tinha para ser
circuncidado no espírito, pois não cometeu pecado e não se encontrou mentira na
sua boca (1Pd 2,22). E nem sequer contraiu o pecado (original) porque, como diz
Isaías, subiu uma nuvem leve (Is 19,1), isto é, assumiu uma carne imune de
pecado. Vindo para os seus, porque os seus não o haviam de receber (Jó 1,11),
teve de ser circuncidado, a fim de que os judeus não tivessem nenhum pretexto
contra ele, dizendo: és incircunciso, deves desaparecer do teu povo, porque
segundo o Gênesis, o macho, cuja carne do prepúcio não for circuncidada,
perecerá do seu povo (Gn 17,14). És transgressor da lei, não queremos ouvir-te
falar contra a lei. É, portanto, circuncidado, pelo menos por três motivos:
primeiro, para cumprir a lei – teve de observar o mistério da circuncisão até
que fosse instituído o sacramento do batismo -; segundo, para tirar dos judeus
a ocasião de o caluniarem; e terceiro, para nos ensinar a ter coração
circunciso, da qual diz o Apóstolo São Paulo: a circuncisão do coração está no
espírito e não na letra, e o louvor dele procede não dos homens mas de Deus (Rm
2,29).
3. Depois que se completaram os oito
dias. Vejamos o que significam as três palavras: o oitavo dia, o menino e a sua
circuncisão. A nossa vida se desenvolve, por assim dizer, em sete dias; vem
depois o oitavo da ressurreição final. Diz o Eclesiastes: Reparte com sete e
mesmo com oito, porque não sabes os males que te podem vir sobre a terra
(11,12). Como se dissesse: dedica os sete dias da tua vida às boas obras,
porque receberás por eles recompensa no oitavo da ressurreição; neste dia
sobrevirá um mal enorme sobre a terra, ou seja, para aqueles que amam a terra,
que é ignorado por todo o homem. Na eira correrá o vento, os grãos serão
separados da palha (cf Mt 3,12; Lc 3,17) e as ovelhas dos bodes (cf Mt 25,32).
O vento na eira significa a separação do juízo final. Os grãos são os justos
que serão acolhidos no celeiro celestial. Diz Jó: Irá para o sepulcro com
muitos anos, como se amontoa o trigo a seu tempo (Jó 5,26). O sepulcro é a vida
eterna, onde os justos entrarão cheios das boas obras, e estarão a salvo dos
ataques dos demônios, como um que se esconde num sepulcro para fugir da
presença dos homens. A palha, isto é, os soberbos, superficiais e inconstantes,
serão queimados no fogo. Desses diz Jó: Serão como palhas em face do vento e
como a cinza que o redemoinho espalha (Jó 21,18) Os cordeiros, ou ovelhas, isto
é, os humildes e os inocentes, serão colocados à direita de Cristo. Deles
escreve Isaías: Assim como o pastor apascenta o seu rebanho, nos seus braços
recolherá os cordeiros e os tomará no seu seio; ele mesmo levará as prenhas (Is
40,41).
4. Observa que nestas quatro palavras:
apascentar, recolher, tomar e levar, mostram as quatro prerrogativas que os
corpos dos justos terão no oitavo dia, ou seja, na ressurreição final.
Apascenta pela claridade: Doce é a luz e deleitável é aos olhos ver o sol (Ecl
11, 7); e os justos fulgirão como o sol no reino de Deus (cf Mt 13,43). Se o
olho, mesmo corruptível, se deleita assim com o falso brilho do miserável
corpo, quanto, imagina, não será o deleite do verdadeiro esplendor do corpo
glorificado? Recolherá com a imortalidade: a morte desagrega, a imortalidade
reúne. Tomará pela agilidade: toma-se ou pega-se com facilidade o que é ágil. Levará
com sutileza: o que sutil se leva com facilidade. As cabras, porém, isto é, os
luxuriosos, serão suspensas pelas patas nos ganchos do inferno. Com efeito, o
Senhor ameaça, pela boca do profeta Amós, as vacas gordas (cf Am 4,1), isto é,
os prelados da Igreja, soberbos e luxuriosos: Eis que virão dias para vós, e
vos levarão, levarão os demônios, nos ganchos, e meterão os restos do vosso
corpo em caldeiras a ferver. E vós saireis pelas brechas, uma em frente da
outra, e sereis lançados para o Hermon (Am 4,2-3). Hermon significa maldição,
porque excomungados e amaldiçoados pela Igreja triunfante, irão para o suplício
do inferno. Portanto, tudo isto, a glória e a pena, será retribuído a cada um
no oitavo dia, isto é, na ressurreição, conforme o que fez na semana desta
vida. Lê-se no livro do Gênesis: Jacó serviu por causa de Raquel sete anos; e
os dias pareciam-lhe poucos em comparação com a grandeza do amor (Gn 29,20).
Era, de fato, formosa de rosto e de gentil presença (Gn 29,17). E continua: E,
passada a semana, casou-se com Raquel (Gn 29,28). E mais adiante: Eu era, de
dia e de noite, queimado pelo calor e pelo gelo, e o sono fugia-me dos olhos
(Gn 31,40). Ó amor da beleza! Ó beleza do amor! Ó glória da ressurreição,
quanto fazes sofrer o homem, até chegar às tuas núpcias! O justo, em todos os
sete dias da sua vida, serve na indigência do corpo e na humildade do espírito;
de dia, isto é, quando lhe sorri a prosperidade com o calor da vanglória; de
noite, quando lhe sobrevém a adversidade e é atormentado pelo gelo da tentação
diabólica. Assim, foge dele o sono do repouso, porque dentro há lutas, e fora,
temores (cf 2Cor 7,5). Teme o mundo, é combatido por si mesmo, e no entanto, no
meio de tantos sofrimentos, os dias parecem-lhe poucos, por causa da grandeza
do amor. Com efeito, a quem ama, nada é difícil (Cícero). Ó Jacó, por favor,
trabalha com paciência, sofre com humildade. Acabada a semana da presente
miséria, gozarás das desejadas núpcias da ressurreição gloriosa, em que serás
liberto de todo o trabalho e servidão da corrupção.
5. Depois que se completaram os oito
dias para ser circuncidado o menino. Diz menino e não velho. Para saber quem é
este Menino, leia o sermão do Natal. Na ressurreição final, todo eleito será
circuncidado, porque ressuscitará para a glória, como diz Santo Isidoro, sem
vício algum, sem defeito nenhum. Ficará longe toda doença, todo impedimento,
toda corrupção, toda privação, e qualquer outra coisa indigna daquele reino do
sumo Rei, no qual os filhos da ressurreição e da promessa hão de ser iguais aos
Anjos de Deus (cf Lc 20,36). Então existirá a verdadeira imortalidade. A
condição primeira do homem foi a faculdade de não morrer.
Por causa do pecado, tocou-lhe a pena
de não poder deixar de morrer; espera-o na futura felicidade, a terceira
condição: o não poder morrer. Então teremos em modo perfeito o livre arbítrio,
que foi dado ao primeiro homem para que não pecasse. Será, de fato, perfeito
quando este livre arbítrio alcançará o não poder
pecar. Ó oitavo dia, tão esperado, que
circuncidas do menino todos os males!
Santo Antônio de Lisboa, Obras
Completas, Vol II, pp.689-694; Lello e Irmão – Editores, Porto, 1987.
Compilação feita por Frei Antônio Corniatti, OFM Conv
Justiça e Santidade
Justiça é a virtude com a qual,
julgando-se corretamente, é dado a cada um o seu. Justiça é como dizer juris
status, isto é, o estado de direito. Justiça é o hábito do espírito em atribuir
a cada um a dignidade que lhe pertence, tendo em conta a utilidade comum. Fazem
parte da justiça: • o temor de Deus • o respeito à religião • a piedade • a
humanidade • o gozo do justo e do bom • o ódio do mal • o compromisso da
gratidão. O mundo não possui esta justiça porque não teme a Deus, desonra a
religião odeia o bem e é ingrato para com Deus.
Será julgado com relação à justiça que
não praticou porque não puniu a si mesmo, segundo a justiça, pelos pecados
cometidos. Será julgado com relação ‘a justiça, mas não ‘a sua e sim à daqueles
que crêem; e do confronto com eles é que receberá a condenação. Cristo não disse:
“O mundo não me verá, mas “Vós”, apóstolos, “não me vereis” e isso contra os
mundanos que dizem: “Como podemos acreditar naquilo que não vemos? É justiça
verdadeira, isto é, é fé que justifica, crer no que não se vê. Ou então:
“julgará o mundo com relação à justiça” dos santos. Com efeito, diz o Senhor
pela boca do profeta Zacarias: “Será estendido sobre Jerusalém o fio de prumo”
(1,16).
O fio de prumo ou chumbinho é um
instrumento do pedreiro; em latim se diz: perpendiculum do verbo perpendo que
quer dizer controlar, julgar. Consiste em um chumbo ou uma pedra amarrada num
barbante e com ele se controla a perpendicularidade das paredes. A justiça dos santos
( a santidade deles) é que nem o fio de prumo que é estendido sobre Jerusalém,
isto é, sobre toda pessoa fiel, para medir e ver se sua vida está conforme ao
exemplo deles. Todas as vezes que se celebram as festas dos santos, é estendido
este fio de prumo sobre a vida dos pecadores. Por isso é que celebramos as
festas dos santos para tirarmos da vida deles uma regra para a nossa. É
ridículo, portanto, nas solenidades dos santos querer honrá-los com banquetes,
quando nós sabemos que eles mereceram o céu através de jejuns.
Amando o mundo e sua glória, dando ao
corpo todos os prazeres e acumulando dinheiro, é claro que não imitamos a vida
dos santos. Por isso a justiça deles, isto é, a santidade deles será a prova
que nós merecemos a condenação. O Julgamento Observe-se que em todo julgamento
exigem-se cinco pessoas: o juiz, o réu, três testemunhas. O juiz é o sacerdote.
O acusador e réu é o pecador que deve se acusar como réu. As três testemunhas
são: contrição, confissão e satisfação ( ou penitência) que testemunham a favor
do pecador verdadeiramente arrependido. Diz Agostinho: “Sobe, ó pecador, até o
tribunal da tua mente: seja a razão o teu juiz, a consciência o teu acusador, a
dor o teu tormento, o temor o teu carnífice. O lugar das testemunhas seja ocupado
pelas obras. Os mundanos que não querem submeter-se a tal julgamento, serão
condenados com sentença eternamente irrevogável no exame do último julgamento,
juntamente com o príncipe deles, o diabo, que já foi julgado.” O apóstolo
Tiago, para alertar esses homens a precaver-se do pecado, a amar a justiça, a
temer o julgamento, na segunda parte de sua carta acrescenta: “Sabeis muito
bem, irmãos meus caríssimos: todo homem esteja pronto a escutar, lento em falar
e também lento na ira, porque a ira do homem não realiza a justiça de Deus”
(1,19). Todo homem deve estar pronto a escutar o que diz o Apóstolo: “Fugi da
fornicação” (1Cor 6,18). Portanto: “esteja todo homem pronto a escutar”.
Todo homem deveria estar pronto a
escutar por natureza. Com efeito em latim a orelha é chamada auris como se
fosse ávide rapiens, isto é, que agarra avidamente ou ainda hauriens sonum,
isto é, que absorve o som. Observe-se que na parte posterior da cabeça não
existe carne nem cérebro. Na parte posterior da cabeça está o aparelho da
audição. E isso é justo porque a parte posterior da cabeça tem um vácuo, cheio
de ar e o instrumento da audição é “aéreo” e portanto, o homem ouve logo, a
menos que se interponha algum impedimento. Na cabeça, isto é, na mente em que
não há a carne da própria vontade mas o ar da mente devota, passa bem veloz a
voz da obediência e por isso é dito: “Ao ouvir-me, logo obedeceu-me” (salmo
17,45). E Samuel no Primeiro Livro dos Reis diz: “Fala, Senhor, que teu servo
escuta!”( 3,10).E para
que a obediência penetre mais veloz, é
necessário que seja aérea, pura e sensível às coisas do céu, não se apegando a
nada das coisas da terra. “Esteja, portanto, todo homem pronto a escutar”. “E
lento no falar”. A própria natureza nos ensinou isso fechando a língua com duas
portas para que ela não saísse livremente. Com efeito, a natureza colocou na
frente da língua como que duas portas, isto é, os dentes e os lábios, para
mostrar que a palavra não deve sair a não ser com grande cuidado. Estas duas
portas foram fechadas com cuidado por aquele que dizia: “Coloquei guarda em
minha boca e porta ao redor de meus lábios” (Salmo 140,3). E corretamente diz:
“porta ao redor” ( em latim ostium circumstantiae), porque deve-se guardar não
só das palavras ilícitas mas também das ocasiões de falar ilicitamente. Por
exemplo: existem pessoas que se envergonham de falar mal de alguém abertamente,
mas depois o fazem sob a aparência do elogio e, o que é pior, fazem isso até na
confissão. Preste-se atenção, pois não se deve fechar apenas a porta dos dentes
mas também a porta dos lábios. Fecha a porta dos dentes e a porta dos lábios
aquele que se recusa seja à calúnia seja à adulação. A língua, “mal rebelde”,
como diz Tiago, “cheia de veneno mortal” (3,8), fogo que incendeia a floresta
das virtudes, incendeia o curso da nossa vida (Tg 3,5-6), arromba a primeira e
a segunda porta, sai pelas praças como uma prostituta, faladora e andarilha,
inimiga da calma, leva para todos os lugares a desestabilização (Pv 7,8-11).
Diz São Bernardo: “Quem poderá calcular quantas coisas ruins comete o pequeno
membro da língua, que acúmulo de lixo se ajunta sobre lábios impuros, como é
grande o prejuízo causado por uma boca desenfreada! Ninguém avalie de menos o
tempo que se perde em palavras ociosas. Justamente porque agora é o tempo
favorável e o dia da salvação, a palavra vai embora sem nunca mais voltar e o
tempo passa irrevogavelmente. O estulto não sabe aquilo que perde. E dizem:
Pode-se passar muito bem uma hora de conversa! Essa hora quem te concedeu foi a
generosidade do Criador para obteres o perdão, procurares a graça, fazeres
penitência, ganhares a glória”. Igualmente: não exite em definir a língua do
caluniador como mais cruel do que
a lança que transpassou o peito de
Cristo. A língua, com efeito, transpassa o corpo de Cristo; mas não o
transpassa depois de morto e sim o mata justamente transpassando-o. E nem mais
cruéis foram os espinhos que se fincaram em sua cabeça, nem os pregos que
perfuraram suas mãos e pés, se colocados em confronto com a língua do caluniador
que transpassa o próprio coração. Diz o Filósofo: “Não digas coisas torpes.
Pouco a pouco, por meio das palavras, acaba-se perdendo até a vergonha”. “Às
vezes me arrependi por ter falado, nunca por ter calado”. “Usa mais vezes o
ouvido do que a língua”. Portanto, todo homem “seja lento no falar” e assim
poderá imitar a justiça dos santos, pois, como afirma Tiago, “aquele que não
peca com a palavra é um homem perfeito” (3,2). Seja “lento na ira”, pois ela
impede a alma distinguir a verdade. A propósito diz o Filósofo: “Quanto menos
reprimires a ira, pela ira tanto mais serás excitado”. “A pessoa irritadiça,
quando pára de irar-se, ira-se contra si mesma”. “A ira jamais foi capaz de
reflexão”. Por isso é com justiça que se diz: “A ira do homem não realiza a
justiça de Deus”. Seja, portanto, todo homem “lento na ira” para não ser
golpeado no dia da ira pela irrevogável sentença da condenação, juntamente com
o diabo. (IV Domingo de Páscoa, Sermões, Ed. Mess. Padova, 1979, volume I,
páginas 322-327) Tradução: frei Geraldo Monteiro, OFM Conv
Quaresma, tempo de misericórdia, a
misericórdia de Deus
Sede misericordiosos como
misericordioso é vosso Pai. Não julgueis e não sereis julgados. Não condeneis e
não sereis condenados. Perdoai e sereis perdoados. Dai e vos será dado” (Lc
6,36-38). Observe-se que nesta parte do Evangelho estão em evidência cinco
mandamentos muito importantes: • Ter misericórdia • Não julgar • Não condenar •
Perdoar • Dar. Queremos encontrar a concordância de tudo isso com cinco contos
do segundo livro dos Reis (ou segundo livro de Samuel). Primeiro mandamento.
“Sede misericordiosos como misericordioso é vosso Pai!”. É chamado de
misericordioso quem sofre partilhando da miséria dos outros. Esta “compaixão” é
chamada “misericórdia”
porque torna o “coração mísero” (em
latim: misericordia, miserum cor) sofrendo com a miséria do outro. Em Deus, ao
contrário, a misericórdia é “sem a miséria do coração”. Com efeito, a
misericórdia de Deus diz-se “comiseração” (em latim miseratio, como se quisesse
dizer “ação de misericórdia” ( em latim misericordiae actio). Neste sentido é
que o Senhor diz: “Sede misericordiosos”. E observe-se que, como é tríplice a
misericórdia do Pai celeste com relação a ti, assim também, de três modos deve
ser tua misericórdia com relação ao próximo. A misericórdia do Pai é graciosa,
espaçosa e preciosa. Graciosa porque purifica dos vícios. Diz o Eclesiástico:
“Cheia de graça é a misericórdia de Deus no tempo da tribulação, como as nuvens
portadoras de chuva no tempo da seca” (35,26). No tempo da tribulação, isto é,
quando a alma, atormentada por causa de seus pecados, é inundada pela chuva da
graça que a restaura e lava e cancela os pecados.
Espaçosa porque se alarga com o tempo e
se expande nas obras boas. Com efeito, diz o Salmo: “A tua misericórdia está
diante de meus olhos e me alegro com a tua verdade” (25,3) porque até para mim
tornou-se odiosa a minha maldade. Preciosa nas delícias da vida eterna, da qual
diz Ana no livro de Tobias: “Quem te honra tem a certeza de que, se sua vida
foi colocada à prova, será coroado; se passou através das tribulações, será
libertado; se foi oprimido e perseguido, ser-lhe-á concedido entrar na tua
misericórdia” (3,21).
A propósito diz o profeta Isaías: “Eu
me lembrarei das misericórdias do Senhor e hei de louvar o Senhor por todas as
coisas que tem feito por nós e pela multidão de benefícios por ele feitos à
casa de Israel, segundo a sua benignidade e segundo a multidão de seus atos de
misericórdia” ( 63,7). A tua misericórdia para com o próximo também deve ser de
três modos: • deves perdoá-lo, se ele pecou contra ti, • deves instruí-lo, se
ele se desviou do caminho da verdade, • deves restaurar suas forças, se ele for
um faminto. No primeiro caso, diz Salomão: “É por meio da fé e da misericórdia que
são expiados os pecados” ( Pr 15,27). No segundo caso, diz Tiago: “Quem fizer
um pecador converter-se de sua vida de pecado, salvará sua alma da morte e
cobrirá uma multidão de pecados”( Tg 5,20). No terceiro caso, enfim, diz o
Salmo: “Bem-aventurado aquele que tem cuidado do indigente e do pobre” (40,2).
Portanto, é com muito boa razão que se diz: “Sede misericordiosos como
misericordioso é o vosso Pai!”
4. Concorda com tudo isso aquilo que
lemos no segundo livro dos Reis onde se conta que Davi disse a Merib-Baal: “Não
temas, porque quero tratar-te com misericórdia por amor a Jônatas, teu pai. Te
restituirei todos os campos de Saul, teu avô e tu comerás sempre o pão junto à
minha mesa” (2R 9,7=2Sm 9,7). Neste passo é indicada a tríplice misericórdia que
se deve ter para com o próximo. Primeiro, quando diz: “por amor de Jônatas”,
quer dizer, por amor de Jesus Cristo, o qual disse: “Pai, perdoa-lhes porque
não sabem o que fazem”( Lc 23,34). Com respeito àquele que peca contra ti,
deves usar de misericórdia com o coração e com a boca, para perdoá-lo com a
boca e com o coração. Em segundo lugar, quando acrescenta: “Restituirei a ti
todos os campos de Saul, teu avô”. Campo em latim se diz ager, da palavra ágere
que quer dizer fazer, porque nele se faz alguma coisa e simboliza a graça
infusa com a unção no batismo: o batizado a recebe para exercitá-la depois nas
obras boas. Mas quando Saul, isto é , a alma ungida com o óleo da fé, morre por
causa do pecado, então perde a graça e tu lhe restituis quando convertes o
batizado de sua vida de pecado. Em terceiro lugar, quando conclui: “E tu
comerás sempre o pão junto à minha mesa”. Com efeito, diz Salomão: “Se teu
inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber”( Rom
12,20=Pr 25,21). Por isso é com muito boa razão que se diz: “Sede
misericordiosos”. Portanto: sejamos misericordiosos imitando aquelas aves
chamadas grous, das quais se diz que , quando querem chegar a um dado lugar,
voam bem alto, quase como querendo localizar, a partir de um observatório mais
alto, o território a ser alcançado. Aquela que conhece o percurso vai à frente
do bando, sacode-lhe a fraqueza do vôo animando com sua voz. E, se a primeira
perde a voz ou fica rouca, imediatamente entra uma outra. Todas têm um grande
cuidado para com aquelas que se cansam, de modo que, se alguma estiver cansada,
todas se unem, sustentam aquelas cansadas até que com o descanso recuperem as
forças. Mesmo quando estão no chão, o cuidado delas não diminui: dividem-se os
turnos de guarda de modo que uma sobre dez esteja sempre acordada vigiando. As
que estão vigiando ficam segurando nas patas uns pequenos pesos que, se
eventualmente caem no chão, logo as avisam que estão cochilando e as
acordam. Um grito dá o alarme se surgir um perigo a ser evitado.
Essas aves-grous fogem diante dos
morcegos. Sejamos, portanto, misericordiosos como essas aves grous: colocados
num observatório mais alto da vida, preocupemo-nos por nós e pelos outros.
Sirvamos de guias para quem não conhece o caminho. Com a voz da pregação
animemos os preguiçosos, sacudamos os indolentes. Façamos a troca na hora do
cansaço, porque, sem alternar o cansaço com o descanso, ninguém consegue
resistir por muito tempo. Carreguemos nos ombros os fracos e os doentes para
que não venham a cair no meio do caminho. Sejamos vigilantes na oração e na
contemplação do Senhor. Seguremos com firmeza entre os dedos a pobreza do
Senhor, a sua humildade e a amargura da sua paixão. E se algo de imundo quiser
insinuar-se em nós, gritemos logo por socorro e, sobretudo, fujamos dos
morcegos, isto é, da vaidade cega do mundo. E por tudo isso, rezemos: Senhor
Jesus Cristo, pai misericordioso, Infundi em nós a vossa misericórdia Para que
também nós a usemos para conosco e para com os outros, Não julgando nunca a ninguém,
Não condenando nunca a ninguém, Perdoando sempre a quem nos ofende E dando
sempre nós mesmos e nossas coisas A quem nos pedir. E tudo isso no-lo conceda o
próprio Senhor Que é bendito e glorioso Pelos séculos dos séculos. Amém.
(Sermones, Pádua, 1979, Volume I, pp.
459-461) Tradução: Frei Geraldo Monteiro, OFM Conv
A ressurreição do Senhor
1. “A amendoeira florescerá, o
gafanhoto engordará, o tempero perderá seu sabor” (Ecl 12,5). Exórdio:
Na Ressurreição, a humanidade de Cristo
floresceu como a vara de Aarão.
2. Nós lemos no Livro dos Números que a
“vara de Aarão germinou, floresceu ficou cheia de brotos e produziu amêndoas”
(Nm 17,23). Aarão, sumo pontífice, é figura de Cristo, o qual, “entrou no
santuário não com sangue de bodes ou bezerros, mas com o próprio sangue” (Hb
9,12). Ele é o pontífice que “fez de si uma ponte” para que, através dele
pudéssemos passar da margem da mortalidade à margem da imortalidade: hoje
floresceu a sua vara! A vara é sua humanidade sobre a qual se diz: “A vara do
teu poder estende o Senhor desde Sião” (Sal 109,2). Com efeito, a humanidade de
Cristo por meio da qual a divindade exercia o seu poder teve origem em Sião,
isto é, o povo judeu “porque, como é dito no Evangelho, a Salvação, isto é, o
Salvador, vem dos Judeus” (Jo 4,22). Esta vara permaneceu quase seca no
sepulcro por três dias e três noites, mas depois floresceu e produziu fruto,
porque ressuscitou e nos trouxe o fruto da imortalidade.
I. Sermão Alegórico
3. “Florescerá a amendoeira”. Diz
Gregório que a amendoeira é a primeira entre todas as plantas a dar flores; e
diz o Apóstolo que “Cristo é o primogênito daqueles que ressuscitam dos mortos”
(cf Col 1,18) porque ele ressuscitou por primeiro. Observe-se que a pena dada
ao homem era dupla: a morte da alma e a morte do corpo. “No dia em que comeres
– disse o Senhor – morrerás “de morte” ( Gn 2,17), da morte da alma e não
poderás subtrair-te à lei da morte. Com efeito, uma outra tradução diz com
maior precisão “tornar-te-ás mortal”. Veio o nosso samaritano, Jesus Cristo, e
sobre estas duas feridas derramou vinho e óleo, porque com o derramamento de
seu sangue destruiu a morte da nossa alma. Diz muito bem Oséias: “Eu os
livrarei da mão da morte, eu os resgatarei da morte. Ó morte, eu serei a tua
morte! Eu serei a tua mordaça, ó inferno!”
(13,14). Do inferno ele pegou uma
parte, e outra parte ele deixou à maneira daquele que morde e com a sua
ressurreição aboliu a lei da morte, porque deu esperança de ressurgir: “E não
haverá mais a morte” (Ap 21,4). A ressurreição de Cristo é indicada pelo óleo
que fica acima dos líquidos. A alegria provada pelos apóstolos na ressurreição
de Cristo superou qualquer outra alegria por eles experimentada, quando Jesus
ainda estava com eles em seu corpo mortal. Também a glorificação dos corpos
superará qualquer outra alegria: “Os discípulos se alegraram ao verem o Senhor”
(Jo 20,20).
4. “E o gafanhoto engordará”. Aqui é
representada a Igreja primitiva que com a flor da ressurreição do Senhor
tornou-se grande e encheu-se de maravilhosa alegria. Escreve Lucas: “Pois que
pela grande alegria ainda não acreditavam e ficavam emocionados, Jesus lhes
disse: “Tendes aqui algo para comer?
“Ofereceram-lhe então uma porção de
peixe frito e um favo de mel” (24,41-42). Peixe frito é figura do nosso
Mediador que sofreu a paixão, preso com o laço da morte nas águas do gênero
humano, “frito”, por assim dizer, no tempo da paixão; ele é para nós também o
favo de mel, por causa de sua ressurreição que hoje celebramos. O favo
apresenta o mel na cera e isso representa a divindade revestida pela
humanidade. É nesta mistura de cera e mel que se indica que Cristo acolhe no
eterno repouso, no seu corpo aqueles que quando sofrem tribulações por causa de
Deus, não desistem do amor para com a eterna doçura. Os que, aqui na terra, são
por assim dizer “fritos” pela tribulação, serão saciados no céu com a
verdadeira doçura. Observe-se que hoje o Senhor apareceu cinco vezes: primeiro
a Maria Madalena, depois novamente a ela junto com outros, quando saiu correndo
a dar o anúncio aos discípulos; depois a Pedro; depois a Cléofas e seu
companheiro e finalmente aos discípulos, a portas fechadas, após o retorno dos
dois discípulos de Emaús. Eis, portanto, em que sentido o gafanhoto engordou
com a flor da amendoeira, quer dizer, em que sentido a Igreja primitiva se
alegrou pela ressurreição do Senhor. O gafanhoto, quando o sol queima, salta e
voa.
Assim a Igreja primitiva: quando no dia
de Pentecostes o Espírito Santo a inflamou, saltou e voou pelo mundo inteiro
através da pregação. “Por toda a terra ecoou o som de sua voz” (Sal 18,5).
Assim engrandecida a Igreja,
dissipou-se o tempero que é uma plantinha que se gruda na pedra e representa a
Sinagoga a quem foi dada lei escrita sobre a pedra para mostrar sua dureza à
qual permaneceu sempre apegada. “Este é um povo de cabeça dura” (Ez 34,9).
Quanto mais a Igreja crescia, tanto mais a
Sinagoga se dispersava, isto é, perdia
o eu sabor. Está de acordo com tudo isso o que se lê no Livro dos Reis: “Houve
uma longa luta entre a casa de Saul e a casa de Davi. A casa de Davi crescia e
tornava-se cada vez mais forte enquanto a casa de Saul enfraquecia dia-a-dia.”
(2R 3,1). A casa de Davi é a Igreja. A casa de Saul – que quer dizer “aquele
que abusa” – representa a Sinagoga que, abusando dos dons especiais de Deus,
recebeu o libelo do repúdio e abandonou o tálamo do esposo legítimo. Quão longa
tenha sido a luta entre a Igreja e a Sinagoga, mostram-no os Atos dos
Apóstolos. A Igreja crescia porque “a cada dia o Senhor acrescentava a ela
aqueles que eram salvos” (2,47). Ao invés, a Sinagoga, a cada dia diminuía.
“Chama o seu nome de ‘Não meu povo’ porque vós não sois o meu povo e eu não
serei o vosso Deus”. E ainda: “Eu me esquecerei totalmente deles. Ao contrário,
terei misericórdia da casa de Judá” (Os 1,9), isto é, da Igreja. A Jesus Cristo
honra e glória por todos os séculos do séculos. Amém. Sermões Dominicais e
Festivos, 1979 Ed. Messaggero, Padova, Volume III, pp. 179-182
Tradução: Frei Geraldo Monteiro, OFM
Conv
A Ascensão do Senhor
II. O envio dos Apóstolos para a
pregação: sentido moral
6. Eis os sinais que acompanharão
aqueles que crerem. Àqueles que derem o coração a Deus, acompanhá-los-ão
sinais, porque já sobre o seu coração há o sinal de que se lê nos Cânticos:
Põe-me como um sinal em cima do teu coração (Cant 8,6). Quando queremos
defender dos ladrões os nossos bens ou a nossa casa, costumamos pôr ali a
insígnia ou a bandeira do rei ou de algum grande homem, para que à sua vista
temam seguir para a frente. Também se queremos defender o nosso coração dos
demônios, ponhamos sobre ele Jesus, que é salvação. E onde há salvação, ali há
saúde. Eis os sinais: Em meu nome expulsarão demônios (Mc 16,17).
Aos demônios chamam os gregos daimones,
isto é, peritos ou sabedores de coisas. A palavra demônio, em grego, significa
o que sabe muito. Os demônios são a sabedoria da carne e a esperteza do mundo.
Quais demônios, elas atormentam o espírito do homem e afligem o corpo com
preocupações. A sabedoria da carne é o demônio noturno, a esperteza do mundo, o
demônio meridiano. A sabedoria da carne é cega, embora esteja convicta que é de
visão muito aguda – de noite é de visão muito aguda, como se fora um gato. A
esperteza do mundo, porque arde com o calor da malícia, é semelhante ao sol do
meio-dia. Aquele que deu o coração a Deus, lança fora de si estes demônios, e
faz ainda todos os outros sinais dos quais fala o Evangelho. Falarão em novas
línguas. A língua do mundo é língua velha, porque fala coisas velhas a respeito
do homem velho. Aqueles a quem os sobreditos demônios atormentam, falam esta
língua, mas os lançam fora de si, falam línguas novas, em vida nova. Diz
Isaías: naquele dia, haverá cinco cidades na terra do Egito a falar a língua de
Canaã e a jurar pelo Senhor dos exércitos: Uma será chamada Cidade do Sol (Is
19,18). A terra do Egito, que se interpreta trevas, é o corpo do homem, cheio
de trevas pela pena e pela culpa. Nele há cinco cidades, os cinco sentidos do
corpo, dos quais um, a vista, se chama Cidade do Sol. Assim como o sol ilumina
todo o mundo, a vista ilumina todo o corpo. Estas cidades falam a língua de
Canaã, isto é, mudada. Com a mudança da direita do Altíssimo, depõem o homem
velho com os seus atos e revestem o novo, vivendo em justiça e verdade.
Assim como a fala exterioriza a palavra
escondida no coração, os cinco sentidos do homem, já mudados e convertidos a
Deus, falam dele externamente, tal que é no interior. Isto é o que significa
jurar, afirmar a verdade. A verdade, pois, da consciência afirma-se com o
testemunho da vida santa, para louvor do Senhor dos exércitos, Senhor dos
Anjos. Sobre isto ainda se ajunta: Pegarão em serpentes (Mc 16,18). As
serpentes simbolizam a adulação e a detração, que serpenteiam e injetam veneno.
O adulador serpenteia, o detrator injeta veneno. Aqueles que falam novas
línguas tiram estas serpentes de si. Retirem as coisas velhas da vossa boca
(1Reis 2,3). A saliva do homem em jejum mata a serpente; a língua em jejum é
uma espécie
de língua nova, cujo antídoto anula o
veneno. Mas a antiga serpente como que adulava Eva, quando dizia: De forma
alguma morrereis de morte (Gn 3,4). Como que detraía de Deus, quando
acrescenta: Deus sabe que, na hora em que comerdes dela, se vos abrirão os
olhos e sereis como deuses, conhecendo o bem e o mal (Gn 3,5). Como se dissesse:
Deus, cheio de inveja, proibiu-vos, não querendo que vos assemelhásseis a ele
na ciência. Eis como o adulador se insinua e o detrator injeta o veneno.
Aquele, porém, que está em jejum, cospe na boca da serpente, mata-a, e assim se
livra dela.
7. Segue: E se beberem algum veneno
mortífero, nada sofrerão. Comentário da Glossa: Quando ouvem as sugestões
pestilentas, mas não as transformam em obras, isso não lhes faz mal, ainda que
bebam algo de mortífero. Diz Isaías: Não beberão vinho cantando árias. A bebida
será amarga para os que a beberem (Is 24,9). Por isso, não lhes fará mal. Não
bebe o vinho da sugestão diabólica cantando árias quem não consente nela, antes
a rejeita, se dói e lamenta. Por isso a própria bebida, a sugestão diabólica, é
amarga para os que
a bebem para os que a ouvem e a sofrem.
Ao contrário, Joel: Despertai, ó ébrios, e chorai e uivai todos os que pondes
as delícias em beber, porque ele foi tirado da vossa boca (Joel 1,5). Assim é a
letra, porque as delícias do vinho depressa desaparecem da boca, desde que
passa a garganta. Brevíssima demora da doçura quantos males gera aquele que
bebe o vinho da sugestão diabólica, consentindo em espírito e em obras! Diz-se
aos ébrios com tal vinho: Despertai, recordando o vosso pecado, chorai,
arrependendo-vos de coração, uivai, confessando-vos. Portanto, todo o que
possuir em si aqueles quatro sinais dos quais falamos, poderá fazer bem o
quinto: Imporão as mãos sobre os doentes, e estes ficarão curados. Chama-se
doente, por precisar de remédio ou medicamento. Doente é o pecador, que precisa
muito de medicamento, do
exemplo de boas obras. Põe as mãos
sobre ele para o curar, para voltar à penitência, aquele que o conforta não só
com a palavra da pregação, mas também com o exemplo da obra santa. Amém. Santo Antônio
de Lisboa, Obras Completas, Lello & Irmão – Editores, Porto, vol. II, pp.
925-929. Compilação: Frei Antônio Corniatti, OFM Conv
Domingo de Pentecostes
V. Os frutos da graça do Espírito Santo
14. E todos repletos do Espírito Santo
começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito lhes concedia se
exprimissem (Atos 2,4). São repletos do Espírito Santo. Ele é o único que pode
tornar cheia a alma, visto que nem todo o mundo a pode encher. Não recebem
outro Espírito, porque não pode receber mais quem está cheio. Por isso, foi
dito a Maria Santíssima: Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo; bendita és tu
entre as mulheres (Lc 1,28). Nota que no meio das palavras: cheia de graça e
bendita és tu entre as mulheres, se diz: o Senhor é contigo. O mesmo Senhor
conserva não só interiormente a plenitude da graça, mas também opera, no
exterior, a bênção da fecundidade, isto é, das obras santas. Com muita razão
ainda, depois de cheia de graça se diz: o Senhor é contigo, já que sem Deus
nada podemos fazer ou possuir, nem
sequer conservar o que possuímos. Por
isso, depois da graça, é necessário que o Senhor esteja conosco e guarde o que
só Ele deu. Quando, pois, ao dar a graça, nos previne, somos seus cooperadores
ao guardá-la. E Ele só vigia sobre nós quando também nós vigiamos com Ele.
Aparece claro que o Senhor exige de nós esta vigilante cooperação quando diz
aos Apóstolos: Não fostes capazes de vigiar comigo por uma hora! Vigiai e orai,
para que não entreis em tentação (Mt 26,40-41).
Acertadamente se diz, portanto: E todos
ficaram repletos do Espírito Santo. Dele diz o Senhor no Evangelho de hoje:
Mas, o Paráclito, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará
tudo e vos recordará tudo o que eu vos disse (Jo 14,26). O Pai enviou o
Paráclito em nome do Filho, isto é, para glória do Filho, para manifestar a
glória do Filho. Ele vos ensinará, para que saibais; recordar-vos-á, isto é,
exortar-vos-á, para que queirais. De fato, a graça do Espírito Santo dá o saber
e o querer. Por isso, canta-se hoje na Missa: Vem, Espírito Santo, enche os
corações dos teus fiéis, para que possuam ciência, e acende neles o fogo do teu
amor, para que queiram realizar o que tiverem aprendido (Seqüência da Missa de
Pentecostes). Canta-se ainda: Envia o teu Espírito, e todas as coisas serão
criadas com a tua ciência, e
renovareis a face da terra com a boa
vontade (cf Sl 103,30). Sobre estas duas coisas há concordância nas Lamentações
de Jeremias: Ele do alto enviou fogo sobre os meus ossos e me deu uma lição (Lm
1,13). O Pai no dia de hoje enviou do alto, isto é, do Filho, fogo, a saber, o
Espírito Santo, sobre os meus ossos, isto é, sobre os Apóstolos, diz a Igreja,
e por ele me deu uma lição, para que saiba e queira.
15. Diga-se, portanto, e todos ficaram
repletos do Espírito Santo. A este respeito há concordância no Gênesis: O
Senhor fez soprar um vento sobre a terra, e as águas diminuíram; e fecharam-se
as fontes do abismo e as cataratas do céu; e foram retidas as chuvas que caíam
do céu (Gn 8,1-2). Veja estas quatro coisas: as águas, as fontes, as cataratas
e as chuvas. As águas designam as riquezas; as fontes do abismo; as cataratas
do céu, os olhos; as chuvas, a abundância de palavras. Quando, pois, o Senhor
traz o Espírito Santo para a terra, isto é, o leva ao espírito do pecador,
então, diminuem as águas das riquezas, porque são distribuídas aos pobres.
Destas águas se escreve no Gênesis: Ao conjunto das águas chamou mares (Gn
1,10).
O amontoar de riquezas não é mais do
que amargura de tribulação e de dor. Donde a palavra de Habacuc: Ai daquele que
acumula o que não é seu! Até quando amontoará ele contra si o denso lodo? (Hab
2,6). O esterco reunido em casa exala mau cheiro; esparramado, fecunda a terra.
Também as riquezas, quando se acumulam sobretudo do que não é seu, mas do
alheio, geram o mau cheiro do pecado e da morte. Se, porém, são distribuídas
aos pobres e restituídas aos próprios donos, fecundam a terra do espírito e
fazem-na frutificar. Abismo é o coração do homem. Dele diz Jeremias: Depravado
é o coração do homem e impenetrável; quem o poderá conhecer? (Jr 17,9). As
fontes deste abismo são os pensamentos. Fecham-se quando é infundida a graça do
Espírito Santo.
Sobre este assunto há concordância no
segundo livro das Crônicas: Ezequias juntou muita gente, e taparam todas as
fontes e o regato que corria por meio do território, dizendo: Não aconteça que
venham os reis dos Assírios e encontrem abundância de água (2Cr 32,4). Ezequias
é figura do justo, que deve juntar grande multidão de bons pensamentos e fechar
as fontes dos pensamentos iníquos e perversos e o regato das concupiscências,
não vão os demônios, logo que achem abundância de águas, por ela destruírem a
cidade da alma. As cataratas do céu são as janelas. As janelas assim se chamam
por trazerem luz ou porque através delas vemos para fora. Phós em grego
significa luz. Na cabeça, colocada no firmamento, há dois luzeiros, dois olhos,
semelhantes a duas janelas, através das quais vemos. Estão fechadas à vaidade
do mundo quando na alma se infunde a luz da graça.
As chuvas, vocábulo parecido em latim
com rios, são as palavras, que sem impedimento correm abundantes por toda
parte. Refere Salomão nas Parábolas: O que começa brigas é como o que abre um
dique de águas (Prov 17,14). E por isso aconselha o Eclesiástico: Não dês à tua
água a mais ligeira abertura (Ecl 25,34). Estas águas são retidas quando, por
graça do Espírito Santo, a língua se move para louvar o Criador e confessar o
crime. Portanto, diz-se bem: E todos foram repletos do Espírito Santo.
16. E começaram a falar outras línguas,
conforme o Espírito Santo lhes concedia se exprimissem. O que está cheio do
Espírito Santo fala várias línguas. As várias línguas são os vários testemunhos
de Cristo, tais como a humanidade, a pobreza, a paciência e a obediência. Falamos
com estas virtudes quando as mostramos aos outros em nós mesmos. A linguagem é
viva, quando falam as obras. Cessem, por favor, as palavras; falem as obras.
Estamos cheios de palavras, mas vazios de obras, e, por isso, somos
amaldiçoados pelo Senhor. Ele mesmo amaldiçoou a figueira em que não encontrou
fruto, mas somente folhas. Ao pregador foi dada a lei, escreve São Gregório, de
realizar aquilo que prega. Em vão se gaba do conhecimento da lei
quem destrói com as obras a doutrina.
Mas, os Apóstolos falavam conforme o Espírito Santo lhes concedia se
exprimissem. Ditoso o que fala segundo o dom do Espírito Santo, não segundo o
seu ânimo. Há, de fato, alguns que falam do seu espírito; roubam as palavras
dos outros e propõem-nas como próprias e atribuem-nas a si.(Santo Antônio de
Lisboa, Obras completas, Vol. I, págs 505-509, Lello & Irmão –
Editores,Porto – 1987.)Compilação: Frei Antônio Corniatti, OFM Conv
Natividade da Santíssima Virgem Maria
Exórdio
1. Digamos: A gloriosa Virgem Maria foi
como a estrela da manhã entre as nuvens.Escreve o Eclesiástico: A beleza do céu
é a glória das estrelas, que ilumina o mundo (Eclo 43, 10). Nestas três
palavras observam-se os três fatos que resplandeceram admiravelmente na
Natividade de Maria Santíssima. Primeiramente, a exultação dos Anjos, quando se
diz: A beleza do céu. Conta-se que um homem santo, mergulhado em devota oração,
ouviu a doce melodia dum canto angélico no céu. Passado um ano, no mesmo dia,
voltou a ouvi-lo e perguntou ao Senhor que lhe revelasse o que vinha a ser
aquilo. Foi-lhe respondido que nesse dia nascera Maria Santíssima. Por esse
motivo, os Anjos no céu cantavam louvores ao Senhor. Esta a razão de se
celebrar nesse dia a Natividade da gloriosa Virgem. Na segunda palavra
observa-se o segundo fato, a pureza da sua Natividade, quando se afirma: A
glória das estrelas. Assim como uma estrela difere de outra estrela em
claridade (1Coríntios 15,41), assim a Natividade da Virgem Maria difere da
natividade de todos os santos. Na terceira palavra observa-se o terceiro fato,
a iluminação de todo o mundo, quando se diz: Que ilumina o mundo. A natividade
da gloriosa Virgem iluminou o mundo, coberto de trevas e da sombra da morte. E
por isso diz bem o Eclesiástico: Como estrela da manhã no meio da névoa etc. Maria
Santíssima, mensageira do Salvador e perfeita em tudo 2. A estrela da manhã é
chamada de Lúcifer, por luzir mais claramente entre todos os astros. Por isso é
chamada a estrela por excelência. Lúcifer, precedendo o sol e anunciando a
manhã, com a luz do seu fulgor afasta as trevas da noite. A estrela da manhã ou
Lúcifer é Maria Santíssima, que, nascida no meio da névoa, afugentou a névoa
tenebrosa, e na manhã da graça anunciou o sol da justiça aos que habitavam nas
trevas. Dela diz o Senhor a Jó És tu porventura que fazes aparecer a seu tempo
a estrela da manhã (Jó 38,32).Quando chegou o tempo da misericórdia (Salmo
101,14), o tempo de edificar a casa do Senhor, o tempo aceitável e o dia da
salvação, o Senhor fez aparecer a estrela da manhã, Maria Santíssima, para luz
dos povos. Os povos devem dizer o que disseram a Judite, como se lê no seu
livro: O Senhor abençoou-te com a sua fortaleza, porque ele por ti aniquilou os
nossos inimigos… Ó filha, tu és bendita do Senhor Deus altíssimo, sobre todas
as mulheres que há sobre a terra. Bendito seja o Senhor, que criou o céu e a
terra, que te dirigiu para cortares a cabeça ao príncipe dos nossos inimigos.
Porque hoje engrandeceu o teu nome tanto, que nunca o teu louvor se apartará da
boca dos homens (Judite 13, 22-25). Foi, portanto, Maria Santíssima, na sua
Natividade, como a estrela da manhã. Dela diz ainda Isaías: Sairá uma vara do
tronco de Jessé, e uma flor brotará da sua raiz (Isaías 11, 1). Repare-se que
Maria Santíssima se chama vara, por causa das cinco propriedades que esta
possui: é longa, reta, sólida, grácil e flexível. Maria Santíssima foi longa na
contemplação, reta na perfeição da justiça, sólida na estabilidade do
entendimento, grácil na pobreza, flexível na humildade. Esta vara saiu da raiz
de Jessé, pai de Davi, de quem proveio Maria, da qual nasceu Jesus, que se
chama o Cristo (Mateus 1, 16). Por isso se lê no Evangelho de hoje: Livro da
geração de Jesus Cristo, filho de Davi (Mateus 1,1).
3. Sairá uma vara da raiz de Jessé e
uma flor sairá das suas raízes. Vejamos o que significam, no sentido moral, as
três palavras: raiz, vara, flor. A raiz significa a humildade de coração; a
vara, a retidão da confissão e a disciplina da satisfação; a flor, a esperança
da felicidade eterna. Jessé interpreta-se ilha ou sacrifício, e significa o
penitente, cujo espírito deve ser uma espécie de ilha. Chama-se ilha, por estar
situado no sal, isto é, no mar. O espírito do penitente situa-se no mar, ou
seja, na amargura. O penitente é batido pelas ondas das tentações e, todavia,
fica firme. E oferece ao Senhor um sacrifício em odor de suavidade. A raiz de
Jessé é a humildade da contrição, de que sai a vara da confissão reta e a
disciplina da discreta mortificação. E observe-se que a flor não brota do cimo
da vara, mas da raiz. Uma flor brotará da sua raiz, porque a flor, ou a
esperança da felicidade eterna, brota, não da mortificação do corpo, mas da
humildade do espírito. Com tudo isto concorda o que se lê no Evangelho de hoje,
em que São Mateus, descrevendo a geração de Cristo, primeiro põe Abraão, em
segundo lugar Davi, em terceiro a transmigração da Babilônia. Abraão que disse:
Falarei ao meu Senhor, embora eu seja pó e cinza (Gênesis 18, 27), designa a
humildade do coração; Davi, cujo coração reto esteve com o Senhor: Encontrei
Davi, um homem segundo o meu coração
(Atos 13, 22), a retidão da confissão;
a transmigração de Babilônia, a disciplina da mortificação e a tolerância da
tribulação. Se existirem em ti estas três gerações, conseguirás a quarta
geração, a de Jesus Cristo, que nasceu da Virgem Maria, de cuja Natividade se
diz hoje: Como a estrela da manhã no meio da névoa. 4. E enfim: E como a lua
cheia brilha durante a sua vida. Maria Santíssima chama-se lua cheia, porque
perfeita sob todos os aspectos. A lua é imperfeita no quarto crescente ou
minguante, porque tem mancha e pontas. Mas a gloriosa Virgem nem na sua
Natividade teve mancha, porque foi santificada no ventre materno e guardada
pelos Anjos, nem durante a vida possuiu as pontas da soberba, e, por isso, brilha
plena e perfeita. Chama-se luz, por diluir as trevas. Rogamos-te, portanto,
Senhora nossa, que tu, Estrela da manhã, afastes com o teu esplendor a névoa da
sugestão diabólica, que encobre a terra do nosso espírito; tu que és a lua
cheia, enchas o nosso vazio, diluas as trevas dos nossos pecados, a fim de que
mereçamos chegar à plenitude da vida eterna, à luz da glória sem falha.
Auxilie-nos o Senhor, que te criou para seres a nossa luz.
Para nascer de ti, fez-te nascer hoje.
A Ele seja prestada honra e glória pelos séculos dos séculos. Amém. Santo
Antônio de Lisboa, Obras Completas, Lello & Irmão- Editores, 1987, Volume
I, pp. 901-905.
Compilação: Frei Antônio Corniatti, OFM
Conv
Sermão aos penitentes ou religiosos e a
confissão
1. Naquele tempo, disse Jesus aos seus
discípulos: Haverá sinais no sol , na lua e nas estrelas (Lc21,25). 2. Diz
Isaías: Naquele dia achar-se-á o germe do Senhor em magnificência e o fruto da
terra é sublime (Is. 4,2). Esta expressão é aplicada, no sentido moral, ao
pecador convertido. O dia é o sol que resplende sobre a terra. Quando o sol da
graça ilumina a terra, isto é, a mente do pecador, então ela produz por si só o
germe do Senhor, que simboliza a contrição. Com efeito, Isaías diz: A chuva e a
neve descem do céu e inebriam a terra e fecundam-na e fazem-na germinar, a fim
de que dê semente ao que semeia e pão ao que come (Is 55,10). A chuva e a neve
representam a graça do Espírito Santo. Como a chuva e a neve, a graça desce do
céu, isto é, da misericórdia divina. E inebria a terra, quer dizer, o pecador
voltado para as coisas da terra, a fim de que a elas se torne insensível; se
arrependa até às lágrimas e se manifeste o segredo do seu pecado.
De fato, a embriaguez produz estes três
efeitos: torna insensível, provoca as lágrimas, e descobre os segredos. E
fecundam-na com o espírito de pobreza, da qual diz Isaías: Sobre nós se derrame
o espírito lá do alto (Is 32,15), para que não arda, como refere Jó, sobre ela
a sede da cobiça (Jó 18,9). E a faz germinar maravilhosamente. Isto acontece
quando o pecador se arrepende de modo absoluto de todos os pecados cometidos e
de todas as omissões. Então, produz a semente das boas obras ao que semeia, ou
seja, ao penitente que semeia entre lágrimas; e pão ao que come porque colherá
em meio à alegria. Portanto, naquele dia achar-se-á o germe do Senhor em
magnificência. E em glória.
Do germe da contrição procede a glória
da confissão. Desta escreve Isaías à alma penitente: Ser-lhe-á dada a glória do
Líbano, a formosura do Carmelo e de Saron (Is.35,2). Líbano se interpreta a
brancura;
Carmelo, a circuncisão; e Saron, o
canto de tristeza. A confissão produz estes três efeitos: branqueia a alma,
elimina as coisas supérfluas e chorando, canta tristemente a melodia: A minha alma
está triste até à morte (Mt 26,38). De fato, a mulher quando dá à luz está em
tristeza (Jo 16,21). Da brancura da alma, livre do pecado, diz Isaías: Isto
acontecerá quando o Senhor tiver limpado as manchas das filhas de Sião e lavado
o sangue do meio de Jerusalém com espírito de justiça e em espírito de ardor
(Is 4,4). As manchas indicam a imundície dos pensamentos. De fato, diz
Jeremias: As suas manchas chegam até aos seus pés (Lam 1,9), isto é, aos
afetos; o sangue significa a luxúria da carne, que o Senhor limpou às filhas de
Sião, isto é, às almas de Sião, as almas que pertencem à Igreja; com espírito
de justiça, que é a confissão, na qual o penitente se julga e se condena a si
mesmo; e em espírito de ardor, que é a contrição, pela qual a alma abrasada
prorrompe em lágrimas de compunção. Sobre as coisas supérfluas que devem ser
eliminadas pela confissão, Isaías diz: Naquele dia, o Senhor, com uma navalha
afiada, ou tomada emprestada, conduzida contra aqueles que estão da banda de
além do rio, rapará a cabeça, o pêlo dos pés e a barba toda (Is 7,4). A
navalha, como que faz o homem novo, significa a confissão, que realmente torna
novo o espírito do
homem. Diz Jeremias: Preparai o terreno
abandonado e não semeeis sobre espinhos (Jr 4,3), para que estes ao nascer não
vão sufocar a palavra da confissão. Esta navalha se diz afiada, ou tomada
emprestada: afiada, porque corta o pecado e as suas circunstâncias; tomada
emprestada, porque o pecador, na obra da sua salvação, deve como que
emprestá-la por uma certa soma, que é a devoção e a humildade. Com esta
navalha, o Senhor rapará a cabeça dos que estão da banda de além do rio, os que
transpuseram o rio, ou
seja, os que receberam o batismo. A
cabeça e os pés significam o princípio e o fim da vida; a barba significa a
intrepidez em praticar as boas obras. Com o corte afiado de uma verdadeira
confissão, o Senhor rapa no penitente os vícios, significados nos pêlos, desde
o início da sua conversão até o fim de sua vida. Rapa ainda toda a barba¸ a fim
de que não confie em nenhuma obra realizada, como se fora dele próprio. Devemos
confiar, pois, só naquele que nos fez, e não naquilo que nós fizemos. Quem nos
fez é todo o bem, o sumo bem; mas, o bem feito por nós assemelha-se ao pano de
uma mulher menstruada. Pensa, pois, tu mesmo em que bem se deve confiar. Na
verdade, deve-se confiar no bom Senhor Jesus, de quem o profeta diz: Tu és bom
(Salmo 118,68).
Escreve Isaías do canto de tristeza:
Pela colina de Luit subirá cada um chorando e pelo caminho de Oronaim irão
dando gritos de aflição(Is 15,5). E o fruto da terra é sublime. O fruto da
terra é a satisfação da penitência. Diz Isaías: Todo o fruto será a expiação do
seu pecado (Is 27,9). O fruto da terra é sublime, quando o penitente é humilde,
humilhando-se ao sublime e humilde verdadeiro sol, Cristo, que escondeu o
esplendor da sua luz com o cilício da nossa condição mortal. Por isso, o
Evangelho de hoje diz: Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas.
Santo Antônio de Lisboa, Obras
Completas, Lello & Irmão – Editores, 1987 Compilação: Frei Antônio
Corniatti, OFM Conv
Natal do Senhor: o Nascimento do
Salvador
5. O Nascimento do Salvador: E
aconteceu que enquanto lá estavam (Lc 2,6). Onde é o lá? Na casa do pão; e
Maria é a casa do pão. O pão dos anjos se transformou em leite para os
pequeninos, para que os pequeninos se tornassem Anjos. Deixai, portanto, as
crianças virem a mim (Mc 10,14) para que suguem e sejam saciados no seio da sua
consolação. Veja: o leite é de sabor doce e de aspecto agradável! Assim Cristo,
como diz o Boca de Ouro (São João Crisóstomo), com a sua doçura atraía a si os
homens, assim como o diamante atrai o ferro. Ele diz de si mesmo: Os que me
comem terão mais fome e os que me bebem terão mais sede (Eclesiástico 24,29). É
ainda de aspecto agradável: Para Ele os Anjos desejam olhar (cf 1Pd 1,12).
Completaram-se os dias em que devia dar à luz (Lc 2,6). Eis a plenitude do
tempo (cf Gl 4,4), o dia da salvação (cf 2Cor 6,2), o ano da benignidade (cf Sl
64,12). Desde a queda de Adão até a vinda de Cristo foi tempo vazio. De fato
diz Jeremias: Olhei para a terra e eis que estava vazia e sem nada (Jr 4,22),
porque o Diabo tinha destruído tudo; foi dia de dor ou de enfermidade; diz o
Salmo: Sempre estiveste perto da cama da sua dor (Sl 40,5); foi ano de maldição,
de fato é dito no livro do Gênesis: Maldita seja a terra nas tuas obras
(Gn 3,17). Hoje, porém, cumpriram-se os
dias de dar à luz. Da plenitude deste dia todos nós recebemos. E o Salmo:
Seremos cheios dos bens da tua casa (Sl 65,5). A ti, Virgem Santíssima, seja
dado louvor e glória, porque hoje fomos cheios pela bondade da tua casa, ou
seja, do teu ventre. Antes vazios, estamos agora cheios; antes enfermos, agora
sãos; antes amaldiçoados, agora abençoados; porque como se diz nos Cânticos: O
que vem de ti é um paraíso (Ct 4,13).
6. Continua o Evangelista: E deu à luz
o seu Filho primogênito (Lc 2,7). Eis a bondade, eis o paraíso. Correi,
portanto, famintos, avarentos e usurários, para quem o dinheiro vale mais do
que Deus, e comprai sem dinheiro e sem nenhuma permuta (Is 55,1) o grão de
trigo, que hoje a Virgem tirou do tesouro do seu ventre. Deu, portanto, à luz
um Filho. Que Filho? O Filho de Deus, Ele mesmo Deus. Ó felicidade acima de
toda felicidade! Deste um Filho a Deus Pai! Qual não seria a glória duma mulher
pobrezinha, se desse um filho a um imperador deste mundo? Quão maior não é a
glória de Maria Virgem que deu um Filho a Deus Pai! Deu à luz o seu Filho. O
Pai deu a divindade; a Mãe, a humanidade; o Pai, a majestade; a Mãe, a
fraqueza. Deu à luz um Filho, o Emanuel, ou seja, o Deus conosco (cf Mt 1,23).
Quem, portanto, está contra nós (cf Rm 8,31). Como escreve Isaías: E pôs sobre
a sua cabeça o capacete da salvação (Is 59,17). O capacete é a humanidade; a
cabeça, a divindade. A cabeça escondida debaixo do capacete é a divindade
escondida debaixo da humanidade. Não se deve, portanto, ter medo. A vitória
está da nossa parte, porque conosco está Deus armado. Graças sejam dadas a ti,
Virgem gloriosa. Por teu intermédio, Deus está conosco. Deu, portanto, à luz o
seu Filho primogênito, gerado do Pai antes de todos os séculos, ou o
primogênito dentre os mortos, ou então, o primogênito entre muitos irmãos (cf
Rm 8,29).
7. E envolveu-o em panos e reclinou-o
numa manjedoura (Lc 2,7). Ó pobreza! Ó humildade! O Senhor do universo é
envolvido em paninhos; o Rei dos anjos é reclinado num estábulo. Envergonha-te,
insaciável avareza! Desaparece, ó soberba humana! Envolveu-o em panos. Note-se
que Cristo no princípio e no fim da vida é envolvido em panos. José (de Arimatéia)
diz São Marcos, tendo comprado um lenço e tirando-o da cruz, envolveu-o num
lençol (Mc 15,46). Feliz aquele que terminar a sua vida envolvido nos panos da
inocência batismal! O velho Adão, quando foi expulso do paraíso terrestre,
vestiu uma túnica de peles (cf Gn 3,21). Esta, quanto mais se lava, tanto mais
se gasta. Isto significa a carnalidade de Adão e dos seus descendentes. O novo
Adão, porém, foi envolvido em panos. O seu brilho representa-nos a pureza da
sua Mãe, a inocência batismal e a glória da ressurreição final. E reclinou-o
numa manjedoura, porque não havia lugar para ele na estalagem (Lc 2,7). Eis,
como está escrito no livro dos Provérbios, a corça é benquista e o veado é
cheio de graça (Pr 5,19). Diz a História Natural que a corça dá à luz em
caminho freqüentado. Também a Virgem Santa deu à luz no caminho, porque não
havia lugar na estalagem (Lc 2,8). A estalagem se diz em latim diversorium,
porque para este lugar se chega por diversos caminhos. Santo Antônio de Lisboa,
Obras Completas, Vol II, pp 621-624. Lello e Irmão – editores, 1987. Compilação
de Frei Antônio Corniatti, OFM Conv
Dos Sermões de Santo António de Lisboa,
presbítero
(I, 226) (Sec. XIII)
A linguagem é viva, quando falam as
obras
Quem está cheio do Espírito Santo fala
várias línguas. As várias línguas são os vários testemunhos sobre Cristo, como
a humildade, a pobreza, a paciência e a obediência; falamo-las, quando
mostramos aos outros estas virtudes na nossa vida. A linguagem é viva, quando
falam as obras. Cessem, portanto, as palavras e falem as obras. De palavras
estamos cheios, mas de obras vazios; por este motivo nos amaldiçoa o Senhor,
como amaldiçoou a figueira em que não encontrou fruto, mas somente folhas. Diz
São Gregório: «Há uma norma para o pregador: que faça aquilo que prega». Em vão
pregará os ensinamentos da lei, se destrói a doutrina com as obras. Mas os
Apóstolos falavam conforme a linguagem que o Espírito Santo lhes concedia.
Feliz de quem fala conforme o Espírito Santo lhe inspira e não conforme o que
lhe parece!
Há alguns que falam movidos pelo
próprio espírito e, usando as palavras dos outros, apresentam-nas como
próprias, atribuindo-as a si mesmos. Desses e de outros como eles, fala o
Senhor pelo profeta Jeremias: Eis- Me contra os profetas que roubam uns aos
outros as minhas palavras. Eis-Me contra os profetas, oráculo do Senhor, que
forjam a sua linguagem para proferir oráculos. Eis-Me contra os profetas que
profetizam sonhos mentirosos – oráculo do Senhor – e, contando-os, seduzem o
povo com mentiras e jactância, não os tendo Eu enviado nem dado ordem alguma a
esses que não são de nenhuma utilidade para este povo – oráculo do Senhor.
Falemos, por conseguinte, conforme a
linguagem que o Espírito Santo nos conceder; e peçamos-lhe, humilde e
devotamente, que derrame sobre nós a sua graça, para que possamos celebrar o
dia de Pentecostes com a perfeição dos cinco sentidos e a observância do
decálogo, nos reanimemos com o forte vento da contrição e nos inflamemos com
essas línguas de fogo que são os louvores de Deus, a fim de que, inflamados e
iluminados nos esplendores da santidade, mereçamos ver a Deus trino e uno.
O fingido e o verdadeiro morto
Os Fioretti (Pequenas flores) foram
escritos em latim, no século XIII, recolhendo historietas e milagres que se
contavam de Francisco de Assis. Também nasceram “Fioretti” em torno da vida de
Antônio, de Lisboa ou de Pádua. O “Livro dos Milagres” foi escrito por Arnaldo
de Serranno, na segunda metade do século XIV, dentro da visão e da mentalidade
da época, que todos sabemos compreender. Selecionamos aqui “O fingido e o
verdadeiro morto”.
Durante o seu giro missionário pelo
Friuli e pela Ístria, Santo Antônio chegou aos arredores de Údine. Lá os
franciscanos ainda não eram conhecidos. Ele mesmo era uma figura que suscitava
mais desconfiança do que simpatia, mais aversão do que acolhimento. Desejoso de
pregar ao povo, trepou numa árvore. Todavia, como referem as tardias tradiçôes
locais, em vez de provocar ao menos a curiosidade dos que se achegavam, causou
entre o povo reações de insolência, caçoadas e insultos. O Santo jamais
enfrentara tal situação na sua vida de pregador. Por isso, imitando o gesto de
indignação ensinado por Cristo, sacudiu a poeira dos pés e se afastou.
Impressionado, o povo se arrependeu de sua aspereza e acabou abrindo o coração
a uma sincera devoção para com o arauto de Cristo. Passou então a Gemona, onde
sua pregação colheu grandes frutos entre a população. Aquela gente o levou a
erigir uma capela em honra da Virgem Santíssima. Para construí-la iniciaram-se
os trabalhos numa atmosfera de intenso entusiasmo. As despesas, naturalmente,
corriam por conta das esmolas livres dos devotos.
Um belo dia passou por aquelas paragens
um agricultor guiando uma carroça. Antônio lhe pediu ajuda no transporte de
pedras. Respondeu o camponês que não podia fazê-lo, porque, infelizmente,
estava levando para o cemitério o corpo do seu próprio filho que jazia no fundo
do carro. “Seja como dizeis”, replicou o Santo. O vilão prosseguiu sua viagem.
Chegando a uma distância onde não podia ser ouvido pelo homem de Deus,
aproximou-se do rapaz e o despertou, para juntos rirem-se do frade. Mas o
sorriso se lhe apagou súbito na boca, pois, por mais que o chamasse e
sacudisse, o jovem não respondeu. Estava morto de fato. Assaltado pelo remorso,
o camponês zombeteiro apressou-se em retornar ao Santo, e, entre gemidos, lhe
contou tudo. Antônio se enterneceu e confortou o pobre homem. Então,
aproximando-se da carroça, com um sinal da cruz, devolveu o jovem à vida.
Sobre Paz e Bem
Peçamos humildemente a Jesus Cristo que
nos conceda alegrar-nos só nele, viver modestamente, menosprezar as
inquietações do mundo, manifestar-lhe todas as nossas necessidades, a fim de
que, protegidos por sua paz, possamos um dia viver na pacífica Jerusalém do céu.
Auxilie-nos aquele que é bendito e glorioso pelos séculos eternos. E toda alma
pacífica diga: Amém! Aleluia! (3Ad 6d).Busca a paz dentro de ti, em ti mesmo;
se a encontrares, terás paz com Deus e com o próximo (5Pn 16a).
Os olhos misericordiosos do Senhor
estão sobre os que procuram a paz (5Pn 16a). Coisas necessárias a qualquer
justo: a paz do coração, a separação dos bens terrenos, o silêncio da boca, o
êxtase da contemplação, a lembrança da própria fragilidade (Pp 18c).
O azeite é o mais excelente de todos os
líquidos; a paz de consciência excede o gozo dos bens temporais (Ft 15a). Quem
possuir a paz do coração merece de verdade ser chamado filho de Deus Pai, ao
qual, juntamente com seu Unigênito, diz na hora da morte: Pai, nas tuas mãos
entrego o meu espírito, porque da paz do coração passa à paz da eternidade
(23Pn 18a). Quem em vida estabelecer com o Senhor a aliança da reconciliação,
depois, no reino celeste, repousará na formosura da paz (9Pn 15c).De Deus
provém todo o bem que nós possuímos (6Pn 12b). O bem é sempre simples (l0Pn
13a). Jesus Cristo é o Bem, o bem substancial, de quem todas as coisas prendem
bondade. Tudo o que há e se move, vive ou existe no céu, como nos anjos, na
terra ou debaixo da terra, no ar, na água, dotado de inteligência e de razão,
procede daquele Sumo Bem, causa de todas as coisas e fonte de bondade (Ft 9a).
A coroa de todo o bem é a humildade (1Qr2 4c). Afasta-te do mal, mas isto ainda
não basta: é preciso praticar o bem (5Pn 16a). Note-se que há quatro espécies
de orgulho: quando alguém possui um bem e julga ter ele vindo de si mesmo; ou,
se dado por Deus, considera-o dado em razão dos seus méritos; ou jacta-se de
possuir o que não possui; ou despreza os outros e procura pôr em evidência o
que possui (11Pn 3a). Do Livro “Ensinamentos e Admoestações de Santo Antônio
de Pádua”, Vozes, 1999.
acesso
em: 28/08/2015
Santo Antônio distribui pão para os pobres
U.I.O.G.D