quinta-feira, 30 de junho de 2016

A SAGRADA ORDEM DO PATRIARCA SÃO BENTO E A CONGREGAÇÃO BENEDITINA DO BRASIL

São Bento - Montecassino - Itália

Dom Gilvan Francisco dos Santos, O.S.B
(Monge Beneditino)
Salvador - BA – 1º de julho de 2016

A Ordem do Patriarca São Bento foi a primeira a ser instituída na Igreja, pois antes já existiam monges eremitas e algumas comunidades monásticas no oriente e ocidente. O próprio São Bento chama a São Basílio de pai na sua Regra, bem como ele próprio foi convidado na gruta em que vivia na solidão como eremita a três anos, para ser Abade dos monges de Vicovaro. “Ele por muito tempo recusou o convite, porque previa que os costumes daqueles irmãos não estavam de acordo com os seus. Mas depois, vencido pela insistência, acabou por aceitá-lo” (Diálogo cap. 3). 

Vicovaro era um mosteiro próximo dali, em que o Abade daquela comunidade havia morrido e onde Bento sofreu uma tentativa de assassinato pelos membros da mesma comunidade, por não ser o novo Abade conivente com suas práticas perversas. Com isso, Bento levanta sereno de sua mesa e volta a sua amada solidão na gruta em que antes vivia.

A tentativa de assassinato deu-se na hora da refeição quando os monges descontentes com o Abade Bento, apresenta-lhe uma taça de vinho contendo veneno. Quando o Abade abençoa aquela bebida mortífera a taça se parte derramando assim aquela bebida mortal. Por causa desse fato São Bento é representado na arte cristã com uma taça na mão contendo nela uma serpente. São Bento que possuía o dom de ler os espíritos, vendo a maldade daqueles monges, exorta-os com brandura e bondade e volta a sua vida de eremita na gruta de Subiaco. Ouçamos São Gregório Magno a respeito deste fato:

“Levantando-se imediatamente da mesa, mas mantendo inalteradas a suavidade do rosto e a tranquilidade do espírito, reuniu os monges ao seu redor e disse-lhes: “Deus onipotente vos perdoe, irmãos. Porque fizeram isto contra mim? Eu não vos disse que os meus costumes não se conciliariam com os vossos? Portanto, procurem um pai que esteja em conformidade com os vossos costumes, porque depois do que aconteceu não poderei continuar como vosso abade” (Diálogo cap. 3).  

O milagre da taça de vinho com veneno que se 
quebrou com a bênção de São Bento

Outro fato marcante na vida do Servo de Deus foi outra tentativa de assassinato por um sacerdote chamado Florêncio. Nos diz São Gregório:

“Sabe-se que os maus invejam as virtudes dos bons e nada fazem para conquistá-las. Ora, aconteceu que o sacerdote de uma igreja vizinha, chamado Florêncio, antecessor do nosso subdiácono Florêncio, instigado pelo diabo, começou a invejar o bem que o santo fazia, a denegrir o seu modo de viver e a dissuadir tantos quantos pudesse a que não o visitassem. Mais viu que não podia impedir os seus progressos, ou melhor, apecebeu-se que a fama se difundia cada vez mais e que muitos se voltavam a vida monástica, atraídos pela sua santidade. Florêncio, devorado pela inveja, tornou-se ainda pior, pois desejava para si os louvores que Bento recebia pela sua vida santa, sem que ele próprio tivesse uma vida louvável” (Diálogo Cap. 8).

Sabendo este sacerdote perverso que não tinha como atingir Bento, toma a decisão de assassiná-lo enviando-lhe um pão envenenado. “A inveja o cegou de tal maneira que chegou a mandar ao santo um pão envenenado, como se fosse pão abençoado. O homem de Deus aceitou, agradecendo calorosamente, mas não lhe ficou oculta a cilada que se ocultava no pão” (Diálogo Cap. 8). A hora da refeição São Bento alimentava um corvo e pede a esta ave que leve aquele pão envenenado e o esconda onde ninguém possa encontrá-lo. A ave exita por um instante em obedecer a ordem dada por Bento mas com a insistência do servo de Deus obedece. Por isso São bento também pode ser representado com um corvo. 

A gruta onde São Bento viveu por três anos

No entanto, aquele homem de Deus não poderia permanecer escondido naquela gruta. Através dos seus exemplos de santidade, lhes aparecem várias pessoas desejosas em seguir a mesma vida do servo de Deus, obrigando-o assim a formar comunidades a sua volta pela grande quantidade de seguidores que a Subiaco acorrem. Como nos diz São Gregório Magno nos seus Diálogos: “Pela vida santa que levava, o seu nome agora tornara-se famoso” (Diálogo Cap. 3). Com isso, Bento começa a organização da comunidade. Organização tal que a Igreja mais tarde toma estas normas de vida comunitária (Regra dos Mosteiros), para todas as comunidades nascentes posteriores. Essas normas eram chamadas Regra dos Mosteiros, e hoje a chamamos de Santa Regra ou Regra de São Bento nela encontramos todos os ensinamentos de Nosso Pai São Bento.
Manuscrito da Santa Regra de São Bento

Manuscrito da Santa Regra

Os ensinamentos de Nosso Pai São Bento, espalhou-se pelo mundo com a fundação de Mosteiros por todo o orbe; organizando as culturas os povos, engrandecendo a arte, a escrita, fundando universidades, organizando a vida espiritual dos homens, etc.

Portanto, podemos ver a ação de Deus nesta Ordem que já possui mais de 1500 anos de fundação e ainda hoje vigora com a ajuda do Espírito Santo na promoção dos seres humanos para o crescimento do reino de Deus no mundo.

O Abade Bento

São Bento e o rei Tótila

Refeição na comunidade

São Bento com os seus monges


São Mauro e São Plácido São entregues aos cuidados de São Bento

São Bento saindo para fundar Montecassino

São Bento e Santa Escolástica são representados com o rei de França

A morte do Glorioso Pai São Bento

Túmulo do Nosso Pai São Bento

Urna com as relíquias de São Bento 



FUNDAÇÃO DA CONGREGAÇÃO BENEDITINA DO BRASIL

Armas da Congregação Beneditina do Brasil 


Brasão da Congregação Beneditina do Brasil
Para uma melhor compreensão, as quatro abadias fundadas no século XVI no novo mundo, foram: Abadia de São Sebastião a primeira a ser fundada em 1582 no Estado da Bahia em São Salvador, a segunda fundação deu-se em 1586 e 1592 no Estado de Pernambuco em Olinda tendo como padroeiro  São Bento, a terceira realizou-se em 1590 no Estado do Rio de Janeiro a qual foi dedicada a Nossa Senhora de Montserrate e finalmente a quarta em 1598 no Estado de São Paulo também dedicada a Virgem Maria, com o nome de Abadia de Nossa Senhora da Assunção.

Pois bem, estas Abadias estiveram ligadas a Portugal até o ano de 1827 quando foram desligadas da Congregação Luzitana, com Sede no Mosteiro de Tibães.
A Congregação de Portugal foi criada pelo Santo Padre o Papa Pio V. Dom José Endres nos diz:

“Entretanto o Santo Padre o Papa Pio V, concedeu as bulas desejadas. Por isso, o Senhor Cardeal D. Enrique pediu ao Geral da Espanha enviasse pela 2ª vez o Pe. Fr. Pedro de Chaves para a execução delas. Em Alcobaça deram-lhe o Rei e o Senhor Cardeal, executor das bulas de SS. o Papa Pio V. o título e dignidade de Dom Abade de Tibães, Casa destinada a ser a cabeça da nova Congregação em Portugal, a 22 de julho de 1569. Foi nomeado Geral por 10 anos, conforme o decreto pontifício que lhe facultava designar Geral e Abades para qualquer mosteiro que vagasse” (ENDRES, p. 29).

Sendo assim, tudo que era executado nos mosteiros do Brasil dependia do aval da Abadia de São Martinho de Tibães em Portugal. Isso ocorreu até 1º de julho do ano de 1827 quando da criação da Congregação Beneditina do Brasil, desligando assim as citadas Abadias brasileiras, da Congregação Luzitana, pela Bula “Inter gravissimas curas” do Santo Padre o Papa Leão XII. Assim proclama o Papa no valioso documento:

“Sendo…efetivamente constituída a nova Congregação dos monges de S. Bento do Império do Brasil, nós lhe liberalizamos, para sempre, todos os privilégios, isenções, honrarias prerogativas de que consta que dantes foram ligitimamente concedidos à congênere Congregação existente em Portugal” (Bula “Inter gravissimas curas” de 1 de julho de 1827. Col. Doc. n.º 26 e 27). (ENDRES, p. 142).

Papa Leão XII


Brasão do Papa Leão XII

Glorificação de São Bento - Montecassino - Itália

Glorificação

Aqui, desejo reverenciar também a figura veneranda daquele que diante de muitos sofrimentos não permitiu que a Ordem de São Bento acabasse no Brasil, o grande restaurador o Abade Frei Domingos da Transfiguração Machado, nosso primeiro Abade Geral vitalício. 

Abade Geral vitalício Frei Domingos da Transfiguração Machado 




Que Nosso Pai São Bento interceda por todos nós! Amém.


REFERÊNCIAS

ENDRES, Lohr José. A Ordem de São Bento no Brasil quando Província 1582-1827. Salvador – BA: Editora Beneditina Ltda.


GREGÓRIO MAGNO, São. São Bento: Vida e Milagres / São Gregório Magno; Dom Gregório Paixão, O.S.B. Salvador: Edições São Bento, 2002. 


Ut In Omnibus Glorificetur Dei

segunda-feira, 13 de junho de 2016

VIDA DE SANTO ANTÔNIO DA PÁDUA OU LISBOA


Santo Antonio de Pádua
“Martelo dos hereges”


O grande Santo de Pádua – ou de Lisboa, sua cidade natal – embora com uma curta existência terrena, tornou-se um dos santos mais populares do mundo, sendo venerado tanto no Oriente quanto no Ocidente.

Protetor dos pobres, o auxílio na busca de objetos ou pessoas perdidas, o amigo nas causas do coração. Assim é Santo Antônio de Pádua, frei franciscano português, que trocou o conforto de uma abastada família burguesa pela vida religiosa.  “Doutor da Igreja”, “Martelo dos Hereges”, “Doutor Evangélico”, “Arca do Testamento”, “Santo de todo o mundo” – são alguns dos títulos com que os Soberanos Pontífices honraram aquele cuja vida foi, no dizer de um de seus biógrafos, um milagre contínuo.

É o santo dos milagres, tal a quantidade de fatos extraordinários e sobrenaturais, obtidos através de sua oração, que acompanhavam a sua pregação. Sua língua está miraculosamente conservada em Pádua, há 775 anos. A sua devoção no Brasil foi uma rica herança dos portugueses.

Natural de Lisboa onde nasceu em 15 de agosto 1195, Ele era o filho único herdeiro dos nobres Martinho de Bulhões e Teresa Taveira, o futuro santo recebeu no batismo o nome de Fernando. De boa índole, inclinado à piedade e às coisas santas, sua formação espiritual e intelectual foi confiada aos cônegos da Catedral de Lisboa por seu pai, oficial no exército de D. Afonso. Reservado, Fernando preferia a solidão das bibliotecas e dos oratórios às discussões religiosas.

Segundo alguns de seus biógrafos, na adolescência Fernando foi acometido por violenta tentação contra a pureza. Para aplacá-la, estando na catedral, o jovem traçou uma cruz com os dedos, numa coluna de mármore, ficando nela impressa como em cera. Avaliando nessa ocasião os perigos que corria, o adolescente quis entrar para o mosteiro de São Vicente de Fora, dos Clérigos Regulares de Santo Agostinho, nos arredores da capital portuguesa, quando contava 19 anos de idade.

Ali permaneceu dois anos, findos os quais, por ser muito procurado por parentes e amigos, pediu aos superiores que o transferissem para o mosteiro Santa Cruz de Coimbra, casa-mãe do Instituto.

Foi ordenado sacerdote em 1220. Frei Fernando, entretanto, almejava abraçar um gênero de vida mais perfeito e mais de acordo com suas íntimas aspirações.

Transferência para a Ordem Franciscana

Quando chegaram a Coimbra os restos mortais dos cinco protomártires franciscanos, que deram sua vida pela Fé no Marrocos, Frei Fernando sentiu imenso desejo de imitá-los, vertendo também seu sangue por Cristo.

Um dia, no verão de 1220, quando dois franciscanos foram ao seu mosteiro pedir esmola, Frei Fernando perguntou-lhes se, passando ele para sua Ordem, o enviariam à terra dos mouros para lá sofrer o martírio. Eles deram resposta afirmativa. No dia seguinte, depois de obter, a duras penas, autorização de seu Superior, mudou-se para o eremitério franciscano, onde se tornou um filho de São Francisco de Assis.

Frei Fernando mudou então seu nome para o do onomástico do eremitério, Antonio, que ele imortalizaria.

Conforme o combinado, Frei Antonio foi enviado no fim desse mesmo ano à África. Entretanto não estava nos planos da Providência que ele ilustrasse a Igreja como mártir, mas com suas pregações e santa vida.

Assim, chegando ao continente africano, foi atacado de terrível doença, que o reteve no leito por longo período. Os superiores decidiram que, para curar-se, Frei Antonio deveria voltar a Portugal.

Guiado pela mão da Divina Providência.

A mão da Providência, no entanto, desejava-o em outro campo de luta. O navio em que estava o convalescente, levado pela tempestade, foi parar nas costas da Itália, onde o santo encontrou abrigo em Messina, na Sicília. Lá soube que o seráfico São Francisco havia convocado um Capítulo em Assis, para maio de 1221. Antonio poderia, enfim, ver o pai e fundador dos franciscanos e contemplar sua angélica virtude.

Naquela grande assembléia o Provincial da Romênia resolveu levá-lo consigo.  Homem de oração, Santo Antônio (que se tornou santo porque dedicou toda a sua vida para os mais pobres e para o serviço de Deus.) sentiu a necessidade de se retirar para um local afastado e ali sentir Deus.

Frei Antonio obteve dele licença para permanecer no eremitério do Monte Paulo a fim de entregar-se ao isolamento e à contemplação. Ali viveu como eremita; partilharam desta mesma idéia alguns dos seus companheiros de hábito Franciscano. O quarto onde dormia era simples, teciam a própria roupa, faziam os serviços mais humildes. Foi um período de aproximadamente um ano. Entretanto a mão de Deus velava sobre ele, e chegou o tempo em que aquela luz deveria brilhar para o bem do mundo inteiro.


Inicia a vida Apostólica como grande Pregador

Foi enviado a Forli com alguns franciscanos e dominicanos que deveriam receber as ordens sacras. O Padre guardião do convento em que se hospedavam pediu que algum dos presentes dissesse algo para a glória de Deus e edificação dos demais. Um a um, foram todos escusando-se por não estarem preparados. Restava Antonio. Sem muita convicção, o Superior mandou-lhe então que falasse, à falta dos demais.

Era a primeira vez que Antonio falava em público, e então viu-se a maravilha: de sua boca saíram palavras de fogo, demonstrando profundo conhecimento teológico e das Escrituras, tudo exposto com uma lógica, clareza e concisão que conquistou a todos.

Entusiasmado, o Guardião comunicou aquele sucesso ao Provincial, que transmitiu a notícia a São Francisco. O Poverello mandou então que Frei Antônio estudasse teologia escolástica para dedicar-se à pregação. Pouco depois, em vista de seus progressos, ordenou-lhe S. Francisco que trabalhasse na salvação das almas. Era o ano 1222.


Força irresistível de suas palavras.

Segundo seus biógrafos, ele tinha um exterior polido, gestos elegantes e aspecto atraente. Sua voz era forte, clara, agradável, e sua memória feliz. A essas vantagens, juntava uma ação cheia de graça.

Entretanto, seu traço característico, o milagre constante de sua existência, é a força incontestável de sua pregação, o poder de sua voz sobre os corações e as inteligências.
Quando ele fulminava os vícios e as heresias — das quais o mundo estava então extremamente infectado — era como uma torrente de fogo que revira tudo, e à qual ninguém pode resistir. Freqüentemente, se bem que falasse (durante o sermão) uma só língua, era entendido por pessoas de toda espécie de países. Daí seu sucesso extraordinário, tanto na Itália quanto na França. Por isso, o Provincial o encarregou da ação apostólica contra os hereges na região da Romanha e no norte da Itália quando se tornou extraordinário pregador popular.

Após alguns anos de frade itinerante, foi nomeado, por carta, por São Francisco, o primeiro Leitor de Teologia da Ordem. Mas, este magistério de teologia para os franciscanos de Bolonha demorou pouco porque o Papa mobilizou todos os pregadores dominicanos e franciscanos para combater a heresia albigense na França. Por isso, passou três anos, lecionando, pregando e fazendo milagres no sul da França – Montpellier, Toulouse, Lê Puy, Bourges, Arles e Limoges.


Os Milagres.

As multidões acorriam, e até os comerciantes fechavam suas lojas para ir ouvi-lo; a cidade e toda a redondeza literalmente paravam. Sendo pequenas as igrejas para tanta gente — às vezes chegavam a juntar-se até 30 mil pessoas num só sermão — ele falava nas praças públicas. Quando terminava, “era necessário que alguns homens valentes e robustos o levantassem e protegessem das pessoas que vinham beijar-lhe a mão e tocar-lhe o hábito”. O número de sacerdotes que o acompanhavam era pequeno para depois ouvirem as confissões dos que, tocados por seu sermão, queriam emendar-se de vida.

Seus sermões eram seguidos de milagres como não se viam desde o tempo dos Apóstolos. Praticamente não havia coxo, cego ou paralítico que, depois de receber sua bênção, não ficasse são. Numa ocasião converteu 22 ladrões, que por curiosidade foram ouvi-lo. O número de hereges por ele convertidos não tem fim.

Pregação aos peixes para confundir os indiferentes.

Um dos milagres mais conhecidos de Santo Antonio foi sua pregação aos peixes. Na cidade italiana em Rimini ao norte da Itália, os hereges impediam o povo de ir aos seus sermões. Algumas pessoas correram na frente de Antônio e preveniram o povo daquela cidade afirmando que o frei era mentiroso e falso.

Durante seu sermão, o povo se mantinha indiferente. Então, apelou para o milagre abandonando seus ouvintes, foi pregar à beira-mar. Milhares de peixes de vários tipos e tamanhos puseram a cabeça fora da água para ouvir o santo. Antônio elogiou a participação dos peixes na história da salvação. Assim daria uma lição ao povo do vilarejo, e alguns que viram o acontecimento, tinham sido testemunha, para o restante da população. Este milagre invadiu a cidade com entusiasmo e os hereges ficaram envergonhados.

Santo Antonio foi cognominado “Martelo dos Hereges”, porque a heresia não teve inimigo mais formidável. Sua mais antiga biografia, conhecida pelo nome de Assídua, relata: “Dia e noite tinha discussões com os hereges; expunha-lhes com grande clareza o dogma católico; refutava vitoriosamente os preceitos deles, revelando em tudo ciência admirável e força suave de persuasão que penetrava a alma dos seus contrários”.

O testemunho na presença real de Jesus na Santíssima Eucaristia.

Um herege negava a Presença Real no Santíssimo Sacramento. Para acreditar, dizia, queria um milagre.

E propôs o seguinte:
Deixaria sua mula sem comer durante três dias. Depois disso, oferecer-lhe-ia feno e aveia, e Frei Antonio a Hóstia consagrada. Se a besta deixasse a comida para ir adorar a Hóstia, ele creria, disse. Isso foi feito diante de toda a cidade. E a mula faminta, tendo que escolher entre o alimento e o respeito à Hóstia consagrada, foi ajoelhar-se diante desta, que o santo Antônio segurava nas mãos.

Desde a mais tenra infância Antonio fora devoto de Nossa Senhora, e Ela várias vezes o socorreu. Um dia, por exemplo, em que o demônio não podia mais suportar o bem que o santo fazia, agarrou-o pelo pescoço tão violentamente, que o enforcava. Antonio mal pôde balbuciar as palavras da antífona a Nossa Senhora, “O Gloriosa Domina”. No mesmo instante o demônio fugiu apavorado. Recomposto, Antonio viu a seu lado a Rainha do Céu resplandecente de glória.

 O Menino Jesus.

Certa vez Frei Antônio se hospedou na casa de uma família muito amiga. A noite o dono da casa percebeu uma luz tão forte que vinha do quarto de Antônio que não poderia ser das velas. Vencido pela curiosidade levantou-se e foi espiar. O que viu? Antônio com o menino Jesus no colo. O menino, tendo os bracinhos enlaçados ao redor do pescoço do frade. Conversavam amigavelmente.

A Morte de Santo Antônio

Em 1229, foi morar com os seus irmãos franciscanos, perto de Pádua, no convento de Arcella, em Camposampiero. Antônio estava muito doente. Tinha hidropisia.

Apos as pregadas da Quaresma de 1231, sentiu-se cansado e esgotado. Precisava de repouso. Os frades fizeram para ele um quarto em cima de uma árvore, mas mesmo assim o povo o procurava e Antônio já muito debilitado falava ao povo de cima de uma nogueira em Camposampiero.

Decidiram então levá-lo a Pádua. (Pádua está situada na Região de Veneto, norte da Itália, rica em belezas naturais, obras de arte e arquitetura. Antiga cidade universitária que possui uma ilustre história acadêmica).

Agasalharam o frei e colocaram em um carro puxado por bois. A viagem era longa. Antônio foi piorando. Pararam em um povoado que havia um convento franciscano. Antônio piorava, precisava ficar sentado pois sofria de falta de ar. Recebeu os sacramentos e se despediu de todos e ainda cantou o bendito: "Ó Virgem gloriosa que estais acima das estrelas..." Depois ergueu os olhos para o céu e disse "Estou vendo o Senhor". Pouco depois morreu. Era dia 13 de junho de 1231. Frei Antônio tinha 36 anos de idade.

Imediatamente as crianças de Pádua saíram espontaneamente pelas ruas gritando: “O santo morreu! O santo morreu!”. Ao mesmo tempo, em Lisboa, sua cidade natal, os sinos puseram-se a repicar por si sós, e o povo saiu às ruas. Somente mais tarde é que souberam do ocorrido. Santo Antônio é o santo padroeiro dos casamentos.

A Canonização de Santo Antônio
     
Foi tanta a repercussão de sua morte e tantos os milagres, que, onze meses após sua morte, é canonizado pelo Papa Gregório IX em 1232; Foi  o processo mais rápido da história da igreja.
Em 1263, quando seu corpo foi exumado, sua língua estava intacta e continua intacta até hoje, numa redoma de vidro, na Basílica de Santo Antônio, em Pádua, onde estão seus restos mortais.

Em 1946 é oficialmente proclamado Doutor da Igreja por Pio XII, sendo-lhe atribuído o epíteto de Evangélico pelo vasto conhecimento das Sagradas Escrituras patente nos seus Sermões.  

A VIDA DE SANTO ANTÔNIO

Fernando de Bulhões (verdadeiro nome de Santo Antônio), nasceu em Lisboa em 15 de agosto de 1195, numa família de posses. Aos 15 anos entrou para um convento agostiniano, primeiro em Lisboa e depois em Coimbra, onde provavelmente se ordenou.
Em 1220 trocou o nome para Antônio e ingressou na Ordem Franciscana, na esperança de, a exemplo dos mártires, pregar aos sarracenos no Marrocos. Após um ano de catequese nesse país, teve de deixá-lo devido a uma enfermidade e seguiu para a Itália.
Indicado professor de teologia pelo próprio são Francisco de Assis, lecionou nas universidades de Bolonha, Toulouse, Montpellier, Puy-en-Velay e Pádua, adquirindo grande renome como orador sacro no sul da França e na Itália. Ficaram célebres os sermões que proferiu em Forli, Provença, Languedoc e Paris. Em todos esses lugares suas prédicas encontravam forte eco popular, pois lhe eram atribuídos feitos prodigiosos, o que contribuía para o crescimento de sua fama de santidade.
A saúde sempre precária levou-o a recolher-se ao convento de Arcella, perto de Pádua, onde escreveu uma série de sermões para domingos e dias santificados, alguns dos quais seriam reunidos e publicados entre 1895 e 1913. Dentro da Ordem Franciscana, Antônio liderou um grupo que se insurgiu contra os abrandamentos introduzidos na regra pelo superior Elias.
Após uma crise de hidropisia (Acúmulo patológico de líquido seroso no tecido celular ou em cavidades do corpo). Antônio morreu a caminho de Pádua em 13 de junho de 1231. Foi canonizado em 13 de maio de 1232 (apenas 11 meses depois de sua morte) pelo papa Gregório IX.
A profundidade dos textos doutrinários de santo Antônio fez com que em 1946 o papa Pio XII o declarasse doutor da igreja. No entanto, o monge franciscano conhecido como santo Antônio de Pádua ou de Lisboa tem sido, ao longo dos séculos, objeto de grande devoção popular.
Sua veneração é muito difundida nos países latinos, principalmente em Portugal e no Brasil. Padroeiro dos pobres e casamenteiro, é invocado também para o encontro de objetos perdidos. Sobre seu túmulo, em Pádua, foi construída a basílica a ele dedicada


ICONOGRAFIA ANTONIANA

Do grego, ícone (eicón) traz consigo uma idéia de imagem, representação de uma coisa sagrada. Iconografia, como derivada, é a ciência que caracteriza o estudo, a descrição e os conhecimentos de imagens.
Há, de certa forma, na palavra um relativo equívoco, uma vez que ícone é uma representação plana (quadro) e não tridimensional (imagem). Mas como modernamente iconografia é a ciência dos quadros e imagens sacras, vamos lá. Quase como sinônimo, temos a palavra iconologia.
Toda imagem, toda obra de arte, tem em si uma leitura, feita através de atributos e sinais identificadores. Essa leitura pode mudar de acordo com os tempos, os enfoques históricos e a interposição de ciências particulares.
O artista coloca suas palavras através da obra de arte que ele cria. O público, através dos tempos, estabelece critérios de leitura e releitura das obras de arte, sejam elas mundanas ou sacras.
Os símbolos favorecem a hermenêutica, a leitura interpretativa de uma imagem. Os atributos detalham a simbologia. A iconografia de Santo Antônio - pinturas, estátuas e outras expressões artísticas - apresenta grande variedade e riqueza e propicia uma leitura muito ampla da vida, do múnus e da santidade do retratado.
Olhando as imagens, santinhos e quadros mais conhecidos, nota-se logo a incidência de alguns traços e símbolos que permitem a diferenciação. Como sabemos a diferença, por exemplo, entre São Jorge e São José?
A iconografia nos dá muitas pistas: um aparece vestido de guerreiro, montado a cavalo, combatendo um dragão. O outro é representado por um homem idoso, com o menino Jesus no colo, e geralmente portando um lírio ou um bastão de peregrino. Uma breve visão iconográfica nos possibilita a identificação.
A iconografia é, sem dúvida, uma bela e significativa expressão da religiosidade popular. O povo cria suas imagens, onde o homenageado é quase sempre jovem, belo, transpira santidade e veste-se, quando não ricamente, pelo menos de modo bem apurado.
É a representação, por exemplo, em imagens de Nossa Senhora, onde ela aparece ricamente vestida, com jóias e coroa de ouro na cabeça. O imaginário popular exacerba-se na representação devocional.
A iconografia inspira a evolução de religiosidade. Nessa práxis, os devotos apreciam mais olhar a imagem ou o santinho, do que ler a biografia ou estudar os escritos ou discursos do santo homenageado.
Na verdade, por uma leitura correta dos símbolos e atributos de uma imagem, podem-se estabelecer alguns traços da biografia de um santo.
Para avançar, vejamos a diferença entre símbolos e atributos, em iconografia.
Os símbolos dão a idéia geral da imagem e alguns critérios de interpretação. Por exemplo, na imagem de Santo Antônio, há símbolos de santidade, pertença à Ordem Franciscana, eleição divina e indicação de que foi pregador.
Esses símbolos, santidade, eleição, pregador e franciscano, são mais ou menos universais e imutáveis. Os atributos, que os caracterizam, o lírio, o menino, a Bíblia e o hábito são mutáveis e sujeitos, a cada época, a um tipo de leitura.
Vejamos os atributos:
a) O hábito franciscano
É um atributo que aparece desde a primeira hora e sempre serviu como mesma chave-de-leitura: quer dizer que ele foi franciscano. No século XV apareceram algumas breves representações que mostravam o santo com um hábito cinza, dos penitentes ou mendicantes; o corte tonsurado do cabelo tem o mesmo significado.
b) O livro (o atributo mais antigo)
Representa o Evangelho e a sabedoria de Antônio, primeiro mestre de Teologia da Ordem dos Frades Menores e doutor da Igreja. Lembra o pregador que arrebatava as multidões com as palavras do Evangelho. Por sua sabedoria bíblica, o Papa Gregório IX chamou-o de "Armário (Arca) do Testamento".
c) O menino
O menino é visto em três tipos de representação:
1. Em cima do livro Em geral aparece sobre o livro aberto que o santo tem na mão, em gesto de quem abençoa, ou, usando um gesto de origem grega, com os dedos médio e indicador levantados, juntos, como a chamar a atenção para alguém que vai falar (no caso, o santo, pregando); pode representar a visão presenciada pelo Conde Tiso, em sua residência; o estar em cima do livro (Bíblia) evoca a característica de Frei Antônio como pregador do Verbo encarnado; o menino, segundo algumas fontes, nos primeiros tempos, não seria Jesus, mas as crianças, por quem o santo tinha enorme predileção; numa obra de El Greco, o menino (Jesus) aparece como brotando das páginas do livro, onde Antônio mostra a revelação do Verbo.
2. No colo do santo Em outras representações, o livro aparece de lado, e o menino Jesus está no colo de Antônio, numa atitude de extraordinária familiaridade, acariciando-lhe o rosto.
3. Sendo mostrado ao santo, pela Virgem Maria. Um quadro (reproduzido em alguns "santinhos", mostra a Virgem apresentando o Filho à adoração de Antônio).
d) O lírio
O lírio é um símbolo-atributo que aparece nas representações artísticas após o século XV e se toma popularíssimo; tem dois significados: o mais antigo remete a Pádua; o lírio é a flor da estação na qual Antônio morreu; é a flor do campo, ornamental, perfumada,medicinal e frágil. O outro significado simbólico, posterior ao primeiro, refere-se à pureza, à castidade, à pobreza e ao vigor do testemunho de vida, na entrega do coração virginal a Deus. Há ainda um terceiro atributo, paralelo: a natureza, mostrada, pelos franciscanos, como sinal de Deus.
e) A cruz na mão
A cruz na mão (do século XVI) pode significar duas coisas: o espírito missionário do santo, ou, seu desejo de tomar-se um mártir da fé.
f) Os pés desencontrados
Se observarmos as imagens de Santo Antônio, veremos que seus pés não estão um ao lado do outro, mas um mais à frente do outro; trata-se de um indicativo de "em marcha", "a caminho", atitude que sempre caracterizou seu trabalho missionário.
g) A fisionomia adolescente
O rosto jovem, alegre e belo é consequência, como já vimos, daquela perfeição que a religiosidade popular passa à arte, relativamente aos santos e bem-aventurados; significa, também, a jovialidade do espírito do cristão.
h) O pão
Em certas obras de arte antigas (século XVI-XVII) vê-se o santo distribuindo o "pão dos pobres"; esse atributo é o mais recente; apareceu em Messina, na Sicília, em meados do século XIX, durante uma época de fome.
i) A chama
A chama de fogo que aparece em alguns ícones, especialmente orientais, simboliza o amor divino, o zelo e a paixão do santo por Jesus e seu Evangelho.
j) A nogueira
Esta é uma representação não muito conhecida; pouco antes de morrer, com falta de ar. Frei Antônio pediu que armassem sua cela no topo de uma nogueira frondosa, possivelmente nas propriedades do Conde Tiso. O santo já estava doente; falam em hidropisia e asma; há quem suspeite de obesidade ("adquirira certa corpulência...") e diabetes; ali, além da altura (que proporcionava o ar fresco), o odor das resinas da árvore mantinha-o defendido dos mosquitos; pois mesmo ali vinha gente ouvir sua palavra. Uma pintura renascentista mostra o santo em cima da árvore, pregando ao povo, sentado, com a Bíblia na mão, como se estivesse numa cátedra, tendo, abaixo de si, São Boaventura, na época, o coordenador geral dos franciscanos; o estar na árvore é figura do desprender-se da vida terrena, já que o santo estava nos últimos dias de vida.
l) O terço
Para explicitar que Santo Antônio era um homem de oração, a iconografia do século XVI representou-o com um terço pendurado à cintura. O terço foi criado por São Domingos de Guzman (f 1221), utilizando antigos modelos orientais.
Há vários aspectos da vida, das pregações e dos milagres de Santo Antônio constantes de sua iconografia. O "sermão aos peixes", em Rimini, o "coração do avarento dentro do cofre", em Florença, "a mula ajoelhada diante do Santíssimo" em Rimini, fazem parte desse emocionante acervo, criado por mestres da pintura. A morte do santo, em Arcella, e lá fora as crianças fazendo o miraculoso anúncio, está magistralmente pintada numa obra de Murillo.
A icnografia leva-nos, como foi dito, a uma leitura analítica mais atenta de todos os símbolos e atributos que a devoção popular e oficial creditaram aos santos. Iconografia é para se ver e entender, independentemente de valores estéticos. Uma obra de arte, seja um quadro sofisticado ou uma rude representação popular, não é para ser achada bonita ou feia, mas para ser entendido o seu sentido.
No caso místico, as imagens de Deus e dos santos servem para criar aquela aproximação física que nossas carências reclamam, para um ajutório de memória, e para avivar a fé, relembrando as práticas e os sacrifícios daquele que está ali retratado.
E nós, hoje? Somos daqueles que entendemos que, pelo fato de possuirmos essa ou aquela imagem em nossa casa, já temos comunhão com quem está ali representado? Há pessoas que vão à igreja, oram diante das imagens, acendem velas e esquecem-se de reverenciar a Cristo, vivo e presente ali na Eucaristia. Somos desses?
Temos formação suficiente que nos dê uma exata noção entre santidade e divindade, imagem, representação, mediação, pessoa e divindade?
Extraído do livro "Santo Antônio, a realidade e o mito", de Carmen Sílvia Machado Galvão e Antônio Mesquista Galvão, da Editora Vozes.



Biografia de Santo Antônio de Padua por Colasanti, Pecora e Frei Paulo Back

Início
Santo Antônio nasceu em Portugal, na cidade de Lisboa, no fim do século XII, sendo a data mais mencionada nas biografias a de 15 de agosto de 1195. Seus pais, Martim de Bulhões e Tereza Taveira, eram muito religiosos e o educaram com muito carinho na religião cristã. Sobre a casa de seus pais, em Lisboa, foi erguida a Igreja de Santo Antônio, bem próxima à catedral de Santa Maria…Santo Antônio recebeu na pia batismal o nome de Fernando. Desde muito pequeno acompanhava os pais nas celebrações religiosas na Catedral. Ainda menino foi encaminhado para a escola dos Cônegos Regulares, onde recebeu boa formação humana e educação cristã aprimorada. A mãe teria consagrado o menino à Santíssima Mãe de Deus, desde os primeiros anos de vida. E ele foi crescendo em sabedoria e graça, servindo ao altar de Deus como acólito (p.9 e p.14. Frei Paulo Back – Nova Trezena de Santo Antônio).

Cronologia da vida de Santo Antônio

1195(ou 1190) Em 15 de agosto nasce em Lisboa, Portugal, Fernando de Bulhões (depois Frei Antônio).

1201(a 1210) Fernando frequenta a escola da catedral de Lisboa. Reside no mosteiro agostiniano de Santa Cruz, em Coimbra, onde inicia seus estudos de Filosofia e Teologia.

1220 Provável ano de sua ordenação sacerdotal. Em 16 de janeiro desse ano, cinco frades franciscanos são martirizados em Marrocos e seus despojos são venerados no Mosteiro de Santa Cruz. No verão, Fernando adere ao movimento franciscano e recebe o hábito de São Francisco no Convento de Olivas, em Coimbra, com o nome de Frei Antônio. Parte em missão para o Marrocos.

1221 Doente, inicia a viagem de retorno a Portugal, mas o navio naufraga e ele chega à ilha de Sicília (Itália), no convento de Messina. Entre 30 de maio e 8 de junho desse ano, participa do Capítulo das Esteiras, em Assis (Itália), e conhece pessoalmente São Francisco. Frei Antônio é transferido para o Convento de Monte Paulo (Eremitério).

1222 Convidado a participar de uma ordenação sacerdotal em Forli, faz um sermão de improviso, revelando grande dom de oratória e seu profundo conhecimento da Bíblia;
Em setembro é nomeado pregador.

1223 Realiza pregações missionárias em Rimini

1224 Professor de Teologia em Bologna.

1224(a 1227) É missionário na França, em montpellier, Toulose e Limonges. É nomeado Custódio dos frades em Limonges; funda o convento de Brive e participa do Sínodo de Bourges. Realiza pregações em Saint-Julien e na Abadia de Solignac, tornando-se guardião dos frades em Le Puy.

1227 No final do ano retorna à Itália

1228(a1230) Como Ministro Provincial, visita os conventos do norte da Itália e viaja várias vezes a Milão. Prega em Marca Trevignana e termina em Pádua seus Sermões Dominicais.

1230 Ensina Teologia para os frades em Pádua. Renuncia ao cargo de Provincial. É recebido pelo Papa Gregório IX para interpretar a Regra da Ordem Franciscana. Retorna a Pádua e compõe os Sermões Festivos.

1231 De 5 de fevereiro a 23 de março prega os Sermões da Quaresma. Em 17 de março, por mediação de Santo Antônio, a prefeitura promulga um decreto que torna menos cruel a condição dos que devem e não conseguem pagar suas dívidas. Em meados de maio, abençoa a cidade de Pádua.Na segunda quinzena de maio até 13 de junho vive no eremitério de Campo Sampiero, em Arcela, nos arredores de Pádua. Em 13 de junho, à tarde, morre Frei Antônio.
Até 17 de junho realizam-se solenes funerais. Em 1 de junho desse ano inicia-se o processo de sua canonização.

1232 Em 30 de maio, menos de um ano após sua morte, ocorre a solene canonização de Santo Antônio na catedral de Spoleto, pelo papa Gregório IX.

1263 Solene exumação dos restos mortais de Santo Antônio e a descoberta da língua intacta, na presença de São Boaventura.

1931 Na celebração do centenário de sua morte (700 anos), o Papa Pio XI lança um programa espiritual: “Por Antônio a Jesus” (Retornar ao Senhor por meio de Santo Antônio).

1946 Em 16 de janeiro, Santo Antônio é proclamado (“Doutor Evangélico”, pelo Papa Pio XII. (p.5-7. Frei Paulo Back – Nova Trezena de Santo Antônio).

Aos 15 anos
Já aos 15 anos de idade, o jovem Fernando de Bulhões sentiu o desejo de buscar o caminho da vida religiosa. Foi aceito pelos cônegos regulares de Santo Agostinho, os frades agostinianos, no Mosteiro de São Vicente, em Lisboa. Jovem inteligente, durante dois anos recebeu destes frades excelente formação intelectual e religiosa. Como estava em sua cidade natal, recebia muitas visitas de amigos e familiares. Por esse motivo, pediu para ser transferido para Coimbra, para o Mosteiro de Santa Cruz, cerca de 200km de Lisboa. Permaneceu ali 8 anos, recebendo a mais sólida formação filosófica e teológica. (p.19. Frei Paulo Back – Nova Trezena de Santo Antônio).

Excelente pregador
A sólida formação que o jovem Fernando recebeu em Coimbra junto aos frades agostinianos, proporcionou-lhe a graça de poder receber a ordenação sacerdotal. Como padre, ele adquire uma grande familiaridade com a Sagrada Escritura. A inteligência e a facilidade que tinha para decorar textos dão a ele a capacidade de adquirir um conhecimento extraordinário da Bíblia Sagrada. Irá ser um grande pregador da palavra de Deus. A Igreja vai lhe confiar a difícil tarefa de pregar contra os erros dos hereges albigenses. A Ordem Franciscana vai fazer dele o primeiro grande professor de teologia e ele virá a ser chamado de “Arca do Testamento”. (p.25. Frei Paulo Back – Nova Trezena de Santo Antônio).
Chamado em sua própria época de “o martelo dos hereges” e “arca do testamento”, ele combateu heresias que contestavam o valor de toda a vida, a autoridade da Igreja e a própria natureza de Deus. Era eloqüente e eficiente na pregação da verdade para uma sociedade que em geral a ignorava. Além disso, não só proclamou o Evangelho, mas também o viveu plenamente, de modo que sua própria vida atestava a profunda verdade de suas palavras. (p.16. Madeline Pecora Nugent. Antônio, Palavras de fogo, vida de luz. Ed.Paulinas.2008).

Santo Antônio e a vocação franciscana
O modo de viver do Frades Menores suscitava admiração e estima junto aos habitantes de Coimbra e das cercanias. Todos, pequenos e grandes, queriam troc ar algumas palavras com eles para também contagiar-se com sua alegria. Fernando também havia se encontrado com eles, muitas vezes, pelos caminhos da cidade, e acolhera-os no mosteiro.
Tinha ouvido deles algumas das maravilhosas experiências vividas por Francisco de Assis: o convite que lhe fizera o Crucifixo de São Damião, para que lhe restaurasse sua igreja; o beijo no leproso; a renúncia à herança paterna diante do bispo; a escolha da pobreza evangélica, para assemelhar-se mais intimamente ao Cristo crucificado etc…(p.16.Giovanni M Colasanti. Antônio de Pádua. Um santo também para você.. Ed. Paulinas).
Todos os dias Francisco pregou aos frades e aos camponeses – senhoras e senhores que também vinham para ouvi-lo. “A luxúria deste mundo é curta, mas a punição que segue é infinita”, lembrou ele. “Os sofrimentos nesta vida são curtos, mas glórias na vida futura são infinitas. (p.80. Madeline Pecora Nugent. Antônio, Palavras de fogo, vida de luz. Ed.Paulinas.2008).
Quando o jovem Fernando era estudante de Teologia, em Coimbra, ele conheceu os filhos de São Francisco que morava no convento de Santo Antão de Olivas, muito próximo ao seu mosteiro. Em fevereiro de 1220, Fernando fica sabendo que os frades menores que tinham ido pregar missões em Marrocos haviam sido martirizados.
Os restos mortais dos Franciscanos foram velados na capela do Mosteiro da Santa Cruz. Fernando decide ser franciscano também. E em 1221 ele é admitido na Ordem Franciscana, recebendo o nome de Frei Antônio e vestindo o hábito de São Francisco, com o grande sonho de poder morrer mártir também. (p.30. Frei Paulo Back – Nova Trezena de Santo Antônio).

Pregação aos Peixes em Rimini

“Então eu disse coisas que vocês não querem ouvir,” reverberou a voz de Antônio acima da multidão em dispersão. O frade levantou os olhos para o céu e fez uma brevíssima pausa. Então pulou da rocha e encaminhou-se para o rio.
“Ouçam a palavra de Deus, vocês, peixes do mar..já que os hereges não a querem escutar…Meus irmãos peixes, vocês devem muitíssimo, na medida em que são capazes, agradecer a seu Criador por ter lhes dado um elemento tão nobre no qual viver….água salgada. Deus deu-lhes muitos abrigos contra as tempestades e alimento que podem viver.”
… “Deus, seu amável e gentil criador, quando criou vocês ordenou-lhes que crescessem e se multiplicassem. Ele lhes deu sua benção. Quando o grande dilúvio engoliu todo o mundo e todos os outros animais foram destruídos, Deus preservou somente vocês sem dano ou prejuízo…
…A vocês, Deus deu a ordem de preservar Jonas, que havia sido jogado no mar, e, depois de três dias, um de vocês o lançou para a praia são e salvo. Um de vocês manteve em sua boca o tributo de que nosso Senhor Jesus Cristo necessitava, o qual ele, pobre e humilde, não poderia pagar se vocês não lhe tivessem dado a moeda. Vocês foram a comida do Rei  eterno, Cristo Jesus, antes da Ressurreição e, de novo, depois dela,…quando nosso Senhor…comeu peixe na praia com seus apóstolos. Por todos esses favores, vocês devem louvar e bendizer a Deus que lhes concedeu tantos benefícios.”
Benedetto não sabia para onde olhar. Para a praia, onde a multidão volúvel estava começando a se movimentar em direção ao sacerdote. Para a água, que estava cintilando com fileiras de peixinhos…Ou para Antônio, cujo olhar passeava, de um lado para o outro, sobre as ondas mansas como se estivesse exortando criaturas racionais a louvar a Deus.
“Bendito seja o Deus eterno, pois peixes da água honram-no mais do que pessoas que negam sua doutrina. Os animais irracionais escutam mais prontamente a palavra de Deus do que a humanidade sem fé.”
…Minha gente boa e meus queridos peixes, obrigado por ouvirem com o coração. Voltem agora em paz para casa.”
As águas movimentaram-se e borbulharam. Quando Benedetto enxugou os olhos e conseguiu enxergar de novo, a superfície do rio estava coberta de círculos que rapidamente se ampliavam onde milhares de peixes tinham mergulhado sob as ondas.
Fonte: (p.117-121) Madeline Pecora Nugent. Antônio, Palavras de fogo, vida de luz. Ed.Paulinas.2008).

 Milagre com o Santíssimo Sacramento em Rimini

Milagre Eucarístico em Rimini





Santo Antônio, durante uma pregação na cidade de Rimini (Itália), foi envolvido numa disputa com uns hereges, que negavam a presença real de Jesus na Eucaristia e que pretendiam ver uma prova irrefutável disso.Um dos hereges, de nome Bonovillo, disse-lhe: ‘Não acredito que a Hóstia seja o Corpo de Cristo! Mas quero desafiar-te, ó frade: se a minha mula se ajoelhar diante da Hóstia, então acreditarei’. ‘Aceito o desafio’ – respondeu Santo Antonio – ‘Daqui a três dias, trarás a mula a esta mesma praça, diante do povo. Eu trarei a Eucaristia e o animal ajoelhar-se-á diante do Pão consagrado.’
O herético aceitou, dizendo: ‘Está bem. Vou manter a mula fechada e em jejum estes três dias. Depois trazê-la-ei aqui, à presença de todos os habitantes, e apresentar-lhe-ei a cevada.
E tu apresentar-lhe-ás a Hóstia, que dizes que é o Corpo do Homem-Deus. Se a mula ignorar a cevada e se ajoelhar diante da Hóstia, far-me-ei católico’. Santo Antônio retirou-se para o convento e durante aqueles dias dirigiu-se ao Senhor com a oração e o jejum. No dia estabelecido, Santo Antônio apresentou-se com o Santíssimo Sacramento. À vista do Santo que avançava, um profundo silêncio estendeu-se por toda aquela multidão. Então Santo Antônio, em voz alta ordenou à mula: ‘Em nome do teu Criador, que trago vivo, verdadeiro, real e substancial nas minhas mãos, embora indignamente, ordeno-te, ó mula, que venhas já ajoelhar-te diante d´Ele, a fim de que estes hereges reconheçam que toda a criação é submissa e obediente ao Cordeiro que Se imola sobre os nossos altares’. O herético suava frio, gritando com a besta e tentando-a com o seu alimento preferido. Mas o animal, recusando a cevada do patrão, aproximou-se docilmente do religioso: dobrou as patas anteriores diante da Hóstia e assim ficou. O herético veio então lançar-se aos pés de Santo Antônio, confessando publicamente o seu erro e, a partir daquele dia, tornou-se um dos mais zelosos colaboradores do Santo. Toda a sua família entrou também com ele no seio da verdadeira Igreja e ele, no ardor do seu reconhecimento para com Deus, fundou com o seu dinheiro uma igreja dedicada ao Príncipe dos Apóstolos, São Pedro. (p.41.Giovanni M Colasanti. Antônio de Pádua. Um santo também para você.. Ed. Paulinas).

Natureza de Jesus
A natureza divina vem do Pai celestial; a natureza humana de sua mãe terrena.
(p.137. Madeline Pecora Nugent. Antônio, Palavras de fogo, vida de luz. Ed.Paulinas.2008).

Contra a usura
“São Mateus o diz bem. ‘Espaçoso é o caminho que leva a perdição’. Quem  vai por este caminho? Certamente, não os pobres de Cristo que entram pela porta estreita. O caminho para a destruição é um mar imenso pelo qual nadam os usurários a caminho do inferno. Essas pessoas gananciosas abundam em todo o oceano, tendo o mundo em seu poder.”…Os pobres de Bolonha estavam na miséria por causa da usura. Trapaceiros emprestavam dinheiro aos necessitados a trinta cinqüenta e até oitenta por cento de juros. Como os pobres definhando em miséria, poderiam pagá-lo de volta? Ás vezes, em desespero, os tomadores de empréstimo contratavam assassinos para matar os homens a quem deviam dinheiro…os usurários engordavam e bebiam vinhos finos que bem poderiam ter sido feitos com o suor e sangue dos destituídos…Essas pessoas miseráveis não se preocupam nem um pouco com as realidades da vida. Jamais pensam como entraram neste mundo completamente nuas, nem pensam que vão sair dele enroladas em alguns trapos. Como entraram na posse de tantas coisas? Antônio fez uma pausa. “Por meio de roubo e logro…Portanto, levantem os olhos..não temam…se levantarem os olhos e reconhecerem seus pecados, ‘certamente viverão e não morrerão’. (p.148-149;p.151. Madeline Pecora Nugent. Antônio, Palavras de fogo, vida de luz. Ed.Paulinas.2008).

Santo Antônio confessava mendigos
As confissões continuariam até que o último mendigo foi absolvido.
(p.153. Madeline Pecora Nugent. Antônio, Palavras de fogo, vida de luz. Ed.Paulinas.2008).

Oração pedindo intercessão à Nossa Senhora
“Oramos a ti, Nossa Senhora, nossa esperança. Somos jogados de um lado para o outro pela tempestade dos mares da vida. Que tu, Estrela-do-Mar, nos ilumine e conduza para nosso porto seguro. Assiste-nos com tua presença protetora quando estivermos prestes a partir desta vida, para que mereçamos deixar esta prisão sem medo e alcançar alegremente o reino do júbilo sem fim. Esperamos receber esses favores de Jesus Cristo, a quem tu carregaste em teu ventre bendito e alimentaste em teu santíssimo seio. A ele seja dada toda honra e glória, para todo o sempre. Amém.” (p.160. Madeline Pecora Nugent. Antônio, Palavras de fogo, vida de luz. Ed.Paulinas.2008).

Importância de ser verdadeiro
Não temas as pessoas, padre. A verdade não deve ser abandonada por se temer oposição. Por temerem oposição, os pregadores cegos ficaram sujeitos à cegueira da alma. São ‘cegos guiando cegos’. Alguns homens ricos dão a pregadores o esterco de bens terrenos para escapar de repreensões. No entanto, padre, peço-lhe que seja um pregador autêntico que não dá importância alguma a prata e ao ouro. (p.162. Madeline Pecora Nugent. Antônio, Palavras de fogo, vida de luz. Ed.Paulinas.2008).

Importância de ser afável

Um pregador deve ser afável, tratando as almas arrependidas e humildes com compaixão e misericórdia. Assim, quando você pregar a palavra de Deus, pregue com determinação e firmeza para tocar o coração de seus ouvintes. Entretanto, se esses ouvintes proferirem insultos e afrontas contra você, permaneça gentil, clemente e amistoso. (p.163. Madeline Pecora Nugent. Antônio, Palavras de fogo, vida de luz. Ed.Paulinas.2008).

Após a benção no lago as rãs ficam silenciosas
Antônio tinha abençoado a água de um lago e pedido às rãs barulhentas que estavam ali que fizessem silêncio. Depois disso, elas jamais tinham voltado a coaxar. (p.183. Madeline Pecora Nugent. Antônio, Palavras de fogo, vida de luz. Ed.Paulinas.2008).

Temperança
Com um irmão caído, precisamos nos mostrar nem demasiadamente afáveis nem demasiadamente duros, nem brandos como carne nem duros como osso; nele, temos de amar nossa própria natureza humana, enquanto odiamos sua falha. (p.187. Madeline Pecora Nugent. Antônio, Palavras de fogo, vida de luz. Ed.Paulinas.2008).

A importância do bom testemunho
Quando os dois chegaram aos subúrbios da cidade, Antônio comentou: “Acabamos de pregar um bom sermão meu rapaz”. O comentário surpreendeu o noviço. “Mas não dissemos coisa alguma”.
“Nossas maneiras pacíficas e nossa aparência modesta foram um sermão para as pessoas que nos viram. Muitas vezes o ser pode influenciar mais do que o falar. (p.187. Madeline Pecora Nugent. Antônio, Palavras de fogo, vida de luz. Ed.Paulinas.2008).

Santa pobreza

“Ó valor inestimável da pobreza! Quem não a tem não possui coisa alguma, mesmo que possua tudo. Que alegria há em você! Pois, quando somos pobres e humildes, esvaziamos a nós mesmos de tudo que possuímos. Então ficamos ocos, podendo conter tudo que seja derramado em nós. Em nós, ó Deus, derrama uma infusão de graça divina até transbordarmos de alegria”. (Santo Antônio). “Senhor, faze com que eu não tenha coisa alguma, para que tenha tudo que és tu”, sussurrou o noviço. (p.193. Madeline Pecora Nugent…);

Importa que eu diminua e Deus cresça
“A Igreja foi confiada a Pedro por Cristo, com as palavras: ‘Apascenta minhas ovelhas’. Não uma vez, mas três vezes. Nem uma vez sequer Ele disse a Pedro para tosquiá-las ou tosá-las. É como se Jesus dissesse: ‘Se tu me amas por causa de mim mesmo, apascenta minhas ovelhas, não tuas ovelhas, mas as minhas. Procura minha glória entre elas, não a tua; meu ganho, e não o teu, pois o amor de Deus é provado pelo amor ao próximo. (p.202. Madeline Pecora Nugent…);

Oração
“Ó Luz do mundo, Deus infinito, Pai da eternidade, Doador de sabedoria e conhecimento, e inefável Concessor de toda graça espiritual, tu conheces todas as coisas antes que sejam feitas. Tu, que crias as trevas e a luz, estende tua mão e toca minha boca. Torna-a como uma espada afiada para proferir eloqüentemente tuas palavras. Torna minha língua, ó Senhor, como uma seta escolhida para declarar fielmente teus prodígios. Coloca teu Espírito, ó Senhor, em meu coração para que eu perceba. Coloca-o em minha alma para que eu o conserve na memória. Coloca-o na minha consciência para que eu medite. Se forma amorosa, santa, misericordiosa, clemente e gentil, inspira-me com tua graça. (p.204. Madeline Pecora Nugent…);

Conselho ao herege sincero
Muitas vezes acontece que pessoas sinceras estão sinceramente equivocadas. (p.217. Madeline Pecora Nugent…);

Chagas de Jesus
Cristo mostrou suas chagas para gravar em nosso coração os sinais de seus sofrimentos; e, quarto, para evocar em nós compaixão, de modo que não o crucificássemos de novo com os cravos de nossos pecados….Cristo mostra-nos as chagas em suas mãos, seus pés e no seu lado e diz: ‘Vejam as mãos que criaram e formaram vocês; vejam como foram perfuradas por cravos… “Quando nosso Senhor mostrou aos apóstolos as chagas em suas mãos, seus pés e na lateral de seu corpo, ele repetiu: ‘A paz esteja convosco’. Somente se mantivermos em nosso coração a memória das chagas de Cristo e ouvirmos suas palavras, encontraremos a verdadeira paz de coração. (p.220. Madeline Pecora Nugent…);

Santo Antônio e o menino Jesus

O barão abriu os olhos e ergueu a cabeça. Levantou-se e sacudiu um joelho e então o outro, para afastar a rigidez que os acometera…o corredor que levava aos seus aposentos estava fracamente iluminado com uma única tocha no centro. Junto ao quarto do barão havia um quarto de hóspedes em que Antônio estava alojado. Os superiores de Antônio tinham-no instruído a escrever seus sermões da Páscoa para que outros sacerdotes pudessem usá-los…Por isso, o barão esperava ver…a luz de vela sob a porta de Antônio. Em vez disso, o que ele notou foi um brilho intenso. Ao mesmo tempo, ouviu o balbucio de uma criança no quarto….nenhum dos servos da casa tinha criança pequena…a essa altura, a criança estava dando risadinhas…o barão inclinou-se e espiou pelo buraco da fechadura…Antônio estava banhado por uma luz, que vinha de uma criancinha…sentada um pouco oscilante sobre o livro mais grosso. Enquanto o barão observava, o frade segurava as mãos na frente da criança, seus dois dedos indicadores estendidos para o bebê. A criança levantou as mãos e agarrou um dedo com cada uma das mãozinhas…com a ajuda do sacerdote, pôs-se na ponta dos pés. As pernas do garotinho subiam e desciam, enquanto ele ria…O sacerdote virou o rosto para a porta, pois a criança subitamente estendeu os braços exatamente na direção do senhor do castelo. Enquanto o garotinho fazia isso, quase caindo dos braços do sacerdote, o barão curvou a cabeça em espanto por uma fração de segundo. Quando ergueu os olhos de novo, os braços de Antônio estavam vazios…O barão curvou a cabeça e ajoelhou-se. Estava espantado demais, comovido demais, com profunda alegria, até para chorar….”Meu senhor”, disse o frade suavemente, “Cristo permitiu que você o visse e recebesse sua mensagem.(p.230-233. Madeline Pecora Nugent…);
O notário…ao dobrar a rua, viu um frade de túnica cinza que não lhe era familiar caminhando em sua direção. Quando o notário chegou perto, o frade olhou para ele, então se ajoelhou e baixou a cabeça até o chão. O notári continuou a cavalgar. O novo frade deve pensar que sou um rei, pensou ele. Poucos dias depois, o notário vo0ltou a se encontrar com o frade. Dessa vez, o notário estava cambaleando, meio bêbado, saindo da taverna local com uma das prostitutas da cidade pendurada em seu braço. De novo Antônio ajoelhou-se e curvou a cabeça até o chão.
No dia seguinte, quando a mente do notário ficou lúcida, ele pensou no segundo ato de reverência do sacerdote. Talvez esteja zombando de mim. Mais duas vezes aconteceu este mesmo tipo de incidente. O notário começou a se sentir constrangido. Observava por onde caminhava ou cavalgava e, se via algum frade de túnica cinza na mesma rua, tomava outro rumo….O notário estava cavalgando pela praça cheia de gente, quando, ao contornar a tenda de um agricultor, defrontou-se com Antônio. De novo, o padre ajoelhou-0se e curvou-se.
Enquanto duas jovens senhoras elegantemente sufocavam o riso, o notário falou rispidamente; “Padre, eu deveria golpeá-lo com a espada para punir a zombaria….Por que se curva diante de mim e me faz de bobo publicamente?…Antônio ergueu a cabeça e olhou para o notário, mas não se levantou. Ó irmão, você não sabe a honra que Deus reservou a você. Tornei-me um pobre irmão menor de Francisco, porque desejava ser um mártir para a glória de Deus…Entretanto, Deus revelou-me que, um dia, você alcançará o sonho que eu tinha para mim mesmo.
O notário começou a gargalhar. “Que coisa mais ridícula”.
“Quando sua hora bem-aventurada chegar, peço-lhe que se lembre de mim”. Padre, você está enganado”. O notário cuspiu o rosto do frade, que estava erguido para ele, e esporeou seu cavalo.(p.243). “Que Deus o abençoe exclamou Antônio. E quando chegar sua hora lembre-se de mim.
…A conversão viera lentamente, como o gotejar incessante de uma água produzindo uma marca em uma pedra.Depois do Batismo de Filipe, o notário começou a ter dificuldades para dormir; imagens perturbavam-no. Imagens de sua infância, de sua fé, de padre Antônio…Uma manhã quando os pássaros cantavam…ele parou o cavalo junto a um córrego cristalino e rezou enquanto o animal bebia sedentamente. Senhor, se tu realmente existes, mostra-me o que devo fazer. Todo dia, durante uma semana, cavalgou  para o mesmo lugar e fez a mesma oração. Então o bispo foi para Puy-em-Velay e pregou palavras de fogo às pessoas. Exortou a se unirem a ele em uma cruzada à Terra Santa para converter os sarracenos à verdadeira fé em Cristo…As pessoas que morressem lá na causa de Cristo, dizia o bispo, podiam ter a certeza de que iriam para o céu. Esta era sua resposta – uma oportunidade para obter a remissão de seus pecados. No fundo de sua alma ele sabia que não retornaria da terra santa…No caminho para lá, na missa diária e em oração, sua fé cresceu e aprofundou-se…Quando o grupo de cavaleiros e crentes cristãos chegou a Jerusalém, o bispo começou a pregar….falou aos seguidores de Maomé sobre sua própria vida e sua maldade e proclamou a grandeza de Cristo como verdadeiro Filho de Deus…Todos foram torturados e todos iriam morrer…Com uma prece pelo sacerdote em seus lábios, foi lançado sobre a areia. Alguém empurrou um CEP de madeira para debaixo de seu pescoço. Senhor abençoa o sacerdote. Abençoa a missão dele, orou ele enquanto ouvia o movimento de uma espada impelida em direção ao seu pescoço. (p.237-248. Madeline Pecora Nugent…);

Sabedoria
“Mesmo que as tentações da carne e a impureza sejam fortes, a verdade de Cristo é mais forte e vence todos esses pecados.” Cristo é vida para as pessoas sem vida. ‘(p.268. Madeline Pecora Nugent…);

É mais fácil um camelo passar pelo buraco da agulha…
“Havia uma porta EM Jerusalém chamada de ‘buraco da agulha’. Era tão estreita que um camelo não conseguia passar por ela, pois o camelo é um animal orgulhoso e altivo. Ele se recusava a se abaixar o suficiente para passar pela porta. Essa porta é o Cristo humilde. Os orgulhosos e avarentos, aqueles que carregam falsas pretensões e riquezas, não podem entrar por essa porta.  Os que desejam entrar têm de se humilhar curvando-se. Têm de se ajoelhar diante de Cristo, o mais humilde de todos, e admitir seus pecados. Então entrarão pela porta e serão salvos, contanto que perseverem.”…Louvor a ti, meu Senhor Cristo, ‘o caminho, a verdade e a vida’, ‘a porta’ através da qual o pecador humilde pode entrar no reino de Deus. Amém.”(p.269-270. Madeline Pecora Nugent…);

A comida envenenada
As conversões que as pregações de Antônio operavam, um pouco em toda parte, suscitavam raiva e desejo de vingança entre os chefes das seitas heréticas. Nos debates públicos, não conseguiam derrubá-lo nem fazê-lo calar…Pensaram então, em matar frei Antônio…envenená-lo… Certo dia, um pequeno grupo de hereges cultos fingiu pedir esclarecimentos a frei Antõnio, sobre algumas dúvidas a respeito da bondade de Deus. Como eram muito ocupados e não dispunham de muito tempo suplicaram a Antônio para que viesse tomar a refeição junto com eles, assim poderiam conversar…Quando a conversa já estava ao auge, serviram a Antônio uma perdiz. Essa- disse o dono da casa – mandei preparar só para você…Frei Antônio olhou-a atentamente; depois, como se estivesse sido iluminado do Alto, disse: -Mas por que desejam envenenar-me?…os hereges empalideceram…até que um deles..disse…-Olhe, Pai! Não tínhamos a intenção de fazer-lhe mal. Só queríamos saber se realmente Jesus falava a verdade, quando dizia que, se seus discípulos bebessem ou comessem algo envenenado, não lhe faria mal algum. (p.42-43.Giovanni M Colasanti. Antônio de Pádua. Um santo também para você.. Ed. Paulinas).
Então, mantendo sua mão direita acima do trigo envenenado, ele fez o sinal da cruz. Apanhou sua colher, mergulhou-a na comida e então levou-a a boca….O sacerdote engoliu uma colherada e então outra. “Você deve dizer ao cozinheiro-chefe para envenenar mais a comida…jamais saboreei algo tão gostoso….No final, o conde Silvestro e vários outros crentes tinham prometido voltar à Igreja Católica. .”(p.323. Madeline Pecora Nugent…);

Conhecimento de si mesmo
Jamais podemos conhecer a verdade sobre Cristo a não ser que saibamos a verdade sobre nós mesmos. Nosso valor provém não de nós mesmos, pois somos apenas humildes animais, mas do fato de , como o asno do Domingo de Ramos, estamos carregando Cristo. Se nos virmos dessa maneira, um dia Cristo, nossa verdade, nos dirá em seu eterno banquete: ‘Meu honesto e humilde amigo, venha mais para cima”. (p.388. Madeline Pecora Nugent…);

Humildade
Assim como todos os vícios dependem do orgulho, pois este é o início de todo pecado, a humildade é a mãe e a raiz de todas as virtudes. Deus resiste ao orgulhoso, mas mostra-se ao humilde e usa-o. (p.388. Madeline Pecora Nugent…);
“A verdadeira humildade não pode sofrer nem dor por causa de alguma injustiça nem rancor por causa da boa sorte de outra pessoa.” (p.389. Madeline Pecora Nugent…);

Contemplação
A oração dá-nos a graça de agir para Deus. Somente das alturas da contemplação podemos descer para instruir e trabalhar entre os fiéis, para mostrar em nossa própria vida o caminho da salvação. (p.390. Madeline Pecora Nugent…);

Não se preocupar com os bens temporais
“Se o espírito colocar de lado o cuidado ansioso com coisas temporais, jamais se aproximará de Deus. As pessoas que estão presas em infinitas preocupações temporais fazem com que os fardos do pecado e o peso da preocupação com o mundo alcancem sua alma. As coisas temporais são como uma nuvem matinal. Não são absolutamente nada, no entanto, como uma nuvem, parecem ser algo. A nuvem matinal impede que vejamos o sol, e o excesso de bens temporais desvia a alma dos pensamentos de Deus. (p.423. Madeline Pecora Nugent…);

Cura
Um jovem chamado Leonardo tinha procurado Antônio para se confessar…Como fazia com todos os penitentes, Antônio tinha ouvido pacientemente, dado conselhos e a absolvição e enviado o jovem para casa. Não muito tempo depois, disseram a Antônio que Leonardo tinha cortado fora seu pé. Ele e Lucas foram às pressas para a casa do jovem…tomando o rosto de Leonardo em suas mãos, Antônio perguntou com a voz cheia de agonia: “Leonardo por que você fez isso? Padre, chorou o tremulo rapaz, ‘quando lhe contei que tinha chutado minha mãe, você disse que “Se o seu pé é ocasião de escândalo para você corte-o. É melhor você entrar para a vida sem um dos pés, do que ter os dois pés e ser jogado no inferno.”
…Por que você fez isso? Perguntou o santo – Não precisava cortar seu pé, bastava só controlar-se a si mesmo e dominar sua raiva….Leonardo, o corpo é o templo de Deus. Nunca, nunca o mutile.
Oh Leonardo, meu sincero penitente. Onde está o pé?
Antônio levantou a cabeça, seus olhos fechados abriram-se e um profundo suspiro escapou do seu peito. “Vamos rezar, Leonardo.” Durante longos momentos, os quatro na casa oraram em conjunto. Então Antônio levantou-se para ir embora. “Não remova a atadura durante muitas semanas. Continuarei a orar pela cura. Muitas semanas mais tarde, quando Leonardo removeu a atadura, o pé permaneceu preso. (p.439-440. Madeline Pecora Nugent…); (p.81-82.Giovanni M Colasanti. Antônio de Pádua. Um santo também para você.. Ed. Paulinas).

A cura do jovem Leonardo

O verdadeiro pregador
“O pregador deve saber primeiro o quê, a quem e quando prega, e depois deve se perguntar se vive segundo aquilo que prega”…“Quem segue verdadeiramente Jesus deseja que todos o sigam.” (Nova Trezena de Santo Antônio. Frei Paulo Back, OFM. p.43).

Confissão
“Confesso-me a um homem, não como a um homem, mas como a Deus”. O sacramento da penitência é chamado ‘Casa de Deus’, porque os pecadores se reconciliam com Deus, como filho pródigo se reconcilia com o pai, que o acolhe novamente em casa. É também chamado de ‘porta do paraíso’ porque através da confissão o penitente é chamado a beijar os pés, as mãos e a face do Pai celeste.” (Nova Trezena de Santo Antônio. Frei Paulo Back, OFM. p.48).

Santo Antônio – Casamenteiro
Uma moça queria se casar, mas como era muito pobre, não tinha condições de alcançar seu objetivo. Pôs-se a rezar diante da imagem do santo, pedindo a graça. Caiu nas mãos da moça um bilhete, que dizia: “Vá até o comerciante mais rico da cidade e peça que ele lhe dê em ouro o equivalente ao peso do bilhete. Quando o comerciante colocou o bilhete na balança, o bilhete pesava tanto que a moça conseguiu a quantia que precisava para o seu casamento. O certo é que, em vida, Santo Antônio sempre se dedicou a ajudar os casais em crise a superar os momentos de conflito, a combater a imoralidade e o adultério. (Nova Trezena de Santo Antônio. Frei Paulo Back, OFM. p.66).


Biografia de Santo Antônio pelo Vaticano
CERIMÓNIA LITÚRGICA POR OCASIÃO DA COMEMORAÇÃO
DO 750º ANIVERSÁRIO DA MORTE DE SANTO ANTÓNIO
HOMILIA DO CARDEAL AGOSTINO CASAROLI
Basílica de Pádua
Domingo, 6 de Setembro de 1981

Enquanto, na recolhida grandiosidade desta Basílica, se aproximam do fim as celebrações litúrgicas comemorativas do septingentésimo quinquagésimo aniversário da morte daquele que os paduanos, e muitos dos que chegam aqui peregrinos de todas as partes da terra, chamam afectuosamente o “Santo”, parece-me quase ver — reunidos aqui hoje connosco, e com o Santo Padre João Paulo II que, impossibilitado de vir nesta ocasião a Pádua, nela está contudo espiritualmente presente — parece-me quase ver multidões de homens que, espalhados por todos os Continentes, dirigem o pensamento e a oração para o “Santo do mundo inteiro”, como o definiu o grande Pontífice Leão XIII.
Na realidade, bem difícil é descobrir cidade ou aldeia do orbe católico onde não se encontre um altar, ou ao menos uma imagem, de António de Pádua; e a sua serena e tranquilizadora imagem ilumina, com o sorriso, milhões de casas cristãs, nas quais à fé alimenta, por seu meio, a esperança na Providência do Pai celeste.
Santo da Providência na verdade, sempre pronto e poderoso intercessor junto dela, é considerado e sentido pelos crentes, especialmente pelos mais humildes e indefesos, mas não por eles só, este filho da generosa terra portuguesa, arribado às praias da Sicília e de lá subindo a caminho de Assis, radiosa ainda com a presença do seu Pobrezinho, e depois para o norte da Itália, para fazer por último, desta ilustre cidade, a sua cidade, indissoluvelmente ligada durante os séculos ao seu nome.
Ele, que o Papa Paulo VI com grandiosa expressão chamou uma vez “este querido, bom e, digamos ainda, também tão cortês, porque cheio de serviços, o querido Santo António”, continua a exercitar a sim extraordinária atracção sobre inúmeros fiéis, esperançados em encontrar, nele, paciente e benévola audição, também nas pequenas dificuldades e contrariedades da vida quotidiana, e ainda mais nas maiores, que impelem o homem a procurar quem apresente, apoie e torne eficaz a sua súplica a Deus.
“Si quaeris miracula…” Se desejas milagres — é a antiga hinódia — que Julião da Spira compôs pouco depois da canonização de António, ou seja pouco mais de um ano a contar da sua morte — a qual prossegue caracterizando a relação de muitos cristãos com o Taumaturgo de Pádua. E esta relação às vezes parece empobrecer um pouco a figura do Santo, senão mesmo favorecer formas pouco iluminadas de religiosidade popular.
Longe de mim querer perturbar esse clima de confiança que séculos de experiência criaram, dando lugar aquilo que não injustamente foi chamado “o fenómeno antoniano”.
Mas, numa circunstancia excepcional como esta, e depois de um reflorescimento de estudos apaixonados ter procurado, e conseguido, fazer dalgum modo redescobrir, na sua justa estatura, na sua verdadeira dimensão, o Santo de Pádua, é necessário perguntarmo-nos se ele não tem ainda outra, mais vasta, mais elevada, mensagem para lançar ao mundo, recolhido este ano, na recordação do longínquo 13 de Junho de 1231, quando na solidão do ermitério da Arcella, depois do fatigante regresso do seu refúgio de Camposampiero, o grande filho de São Francisco, a menos de cinquenta anos do piíssimo trânsito do Pai, o seguia na glória do Céu, realizando em si mesmo quanto ele escrevera num seu Sermão para a Ressurreição do Senhor: “Quando a alma está a tal ponto iluminada, a tal ponto elevada, é então que o vigor do corpo falta, o rosto empalidece e a carne se afrouxa”.
A sua morte, prematura se calculamos os anos da sua breve existência, chegava coroando uma vida a tal ponto iluminada, que maior luminosidade e maiores alturas nunca poderia atingir.
Os últimos dez anos da sua breve mas intensa peregrinação terrestre, além de nos cuidados do ensino e no triénio de governo provincial, passara-os no exercício do ministério sacerdotal, e sobretudo na pregação. Depois do início imprevisto e surpreendente de Forlì, ei-lo, pregoeiro da Palavra, a percorrer incansável a Itália do norte e o sul da França, para voltar depois à Itália, até à Quaresma por ele pregada aqui em Pádua na vigília, agora, do fim da sua vida, extenuado nas forças, mas arrebatador ainda numa oratória feita de ensino e exemplo. “A vicia do pregador — deve ser quente e a doutrina luminosa”, deixará escrito ele mesmo.
Entre os seus ouvintes contam-se também doutos e poderosos — na primavera de 1228 o Papa Gregário IX quis que ele fosse pregador dos Cardeais e dos Prelados da Cúria Romana —, mas o seu público habitual eram as grandes multidões, compostas sobretudo de gente simples e pobre.
Todavia, o ensinamento por ele dado a estes, como aos outros, era o fruto de longa e profunda preparação. Oh, os anos serenos da adolescência e da juventude, gastos no solene silêncio dos claustros agostinianos de Lisboa e de Santa Cruz em Coimbra, na oração e no estudo, como atleta preparado misteriosamente pela Graça para a extraordinária aventura que o veria entre os primeiros grandes franciscanos, exemplo de humildade, de pobreza e de penitência, mas simultaneamente portador — na Ordem recém-nascida — da exigência de um vigoroso esforço cultural, que Francisco pareceu durante um momento temer, quase como um perigo para “o estudo da oração e o espírito de devoção”, que ele considerava ser característica, primeira e fundamental, dos seus Irmãos.
As antigas figurações do Santo apresentam-no tendo na mão o símbolo da ciência e da sabedoria: o livro. E a sabedoria, bem mais que a virtude taumatúrgica, é, juntamente com a santidade da vida, aquilo que celebram os contemporâneos de António, como característica sua, própria e excepcional.
A sua cultura, que não desprezava os conhecimentos das ciências humanísticas e nem sequer as naturais, então (para dizer a verdade) ainda nos princípios, centrava-se no Livro Sagrado, a Bíblia, Gregório IX, depois de o ouvir, pôde chamar-lhe “Arca do Testamento” e “Escrínio das Sagradas Escrituras”. É tradição que o mesmo Pontífice, ao proceder à sua canonização em Espoleto, a ele se dirigiu com a invocação “O Doctor optime, Ecclesiae sanctae lumen, beato Antoni…!” — Doutor admirável, luz da santa Igreja, Santo António — reconhecendo-o assim como Doutor da Igreja.
Este reconhecimento foi solenemente ratificado, em 1946, pelo Papa Pio XII. Mas o que sobretudo me impressiona é o apelativo que, em relação com os outros luminares da Igreja — com nomes ilustres e títulos sugestivos — lhe é atribuído, quase como seu distintivo: Doctor Evangelicus! — Doutor Evangélico.
E em tal apelativo parece-me poder descortinar qual é, na realidade, a mensagem que António de Pádua tem para enviar também a nós, homens do fim do século XX da era cristã.
Esta mensagem bem se enquadra naquela acção taumatúrgica, naquela “cortesia” em escutar e servir, da qual falava o Papa Paulo VI, cortesia que, aos olhos de muitos cristãos, quase velou o verdadeiro rosto de Santo António: Doutor e evangelizador. Ele, de facto, como os Apóstolos de Jesus enviados através do mundo, pregou e quer ainda hoje pregar o Evangelho de Cristo, e fá-lo “Domino cooperante et sermonem confirmante, sequentibus signis” — O Senhor cooperava com eles, confirmando-lhes a palavra com os milagres que a acompanhavam — (Mc 16, 20). Demonstração de bondade e de amor, os sinais maravilhosos, que o povo cristão continua a atribuir à intercessão do Santo, para isto são principalmente destinados: para confirmar os homens na verdade, para reforçar a fé vacilante ou para a despertar adormecida, para levar a que seja acolhida — pelos doutos e pelos indoutos — a luz do Evangelho.
Com muita razão, qual mote inspirador do ano antoniano em curso, foi escolhida a afirmação que atribuiu Cristo a Si e António ele Pádua fez própria: Evangelizare pauperibus misit Me (Lc 4, 18) — (Deus) enviou-Me para anunciar a boa nova aos pobres.
Disto, do Evangelho, é que tem necessidade o mundo de hoje.
Do Evangelho: da Sua doutrina e do Seu espírito.
Ele apareceu no mundo, há quase dois milénios, como luz nas trevas, como mensagem de esperança: anúncio de alegria para os incertos, os oprimidos, os desiludidos e os desesperançados; fogo de amor trazido à terra, para toda ser por ele incendiada.
A tantos séculos — desde que a voz do Mestre se levantou num ângulo perdido do grande Império de Roma, difundindo-se depois por todo o orbe — devemos perguntar-nos que é feito, hoje, daquela luz, daquela esperança, daquele incêndio: Quantos olhos se erguem para o céu, que Ele nos abre para mostrar-nos o Pai e indicar-nos o caminho que a Ele conduz? Quantos corações aceitam verdadeiramente a Sua lei de amor e de fraternidade, que não conhece barreiras nem confins, nem ódios, nem injustiças, nem opressões, nem guerras?
Enquanto o homem moderno muitas vezes se interroga, angustiado, sobre o seu ser e o seu destino, enquanto a humanidade tem agora de perguntar-se se não está para ficar sepultada, de um momento para o outro, debaixo dos seus crescentes triunfos nas ciências e na técnica, esta antiga e sempre nova voz deve, com renovada insistência, ressoar forte na terra.
A isto nos convida, a nós sacerdotes, a nós cristãos todos, o Doutor Evangélico. E a todos convida ele a não fecharmos os olhos a tanta luz; os ouvidos, o coração, a tão grande Mensagem: que é Mensagem de salvação, Mensagem de justiça, Mensagem de amor, Mensagem de paz. Desça a sua Bênção sobre a Itália e sobre o mundo todo. E seja ela nova primavera de esperança, na luz da Boa Nova, para a humanidade inteira!


PAPA BENTO XVI
AUDIÊNCIA GERAL
Quarta-feira, 10 de Fevereiro de 2010
São António de Pádua

Queridos irmãos e irmãs!
Há duas semanas apresentei a figura de São Francisco de Assis. Esta manhã gostaria de falar de outro santo pertencente à primeira geração dos Frades Menores: António de Pádua ou, como é também chamado, de Lisboa, referindo-se à sua cidade natal. Trata-se de um dos santos mais populares de toda a Igreja Católica, venerado não só em Pádua, onde foi construída uma maravilhosa Basílica que conserva os seus despojos mortais, mas em todo o mundo. São queridas aos fiéis as imagens e as imagens que o representam com o lírio, símbolo da sua pureza, ou com o Menino Jesus no colo, em recordação de uma milagrosa aparição mencionada por algumas fontes literárias.
António contribuiu de modo significativo para o desenvolvimento da espiritualidade franciscana, com os seus salientes dotes de inteligência, equilíbrio, zelo apostólico e, principalmente, fervor místico.
Nasceu em Lisboa numa família nobre, por volta de 1195, e foi baptizado com o nome de Fernando. Uniu-se aos cónegos que seguiam a regra monástica de Santo Agostinho, primeiro no mosteiro de São Vicente em Lisboa e, sucessivamente, no da Santa Cruz em Coimbra, famoso centro cultural de Portugal. Dedicou-se com interesse e solicitude ao estudo da Bíblia e dos Padres da Igreja, adquirindo aquela ciência teológica que fez frutificar na actividade do ensino e da pregação. Aconteceu em Coimbra o episódio que contribuiu para uma mudança decisiva na sua vida: ali, em 1220 foram expostas as relíquias dos primeiros cinco missionários franciscanos, que tinham ido a Marrocos, onde encontraram o martírio. A sua vicissitude fez nascer no jovem Fernando o desejo de os imitar e de progredir no caminho da perfeição cristã: então, pediu para deixar os Cónegos agostinianos e para se tornar Frade Menor. O seu pedido foi aceite e, tomando o nome de António, partiu também ele para Marrocos, mas a Providência divina dispôs de outro modo. Após uma doença, foi obrigado a partir para a Itália e, em 1221, participou no famoso “Capítulo das Esteiras” em Assis, onde encontrou também São Francisco. Em seguida, viveu algum tempo no escondimento total num convento de Forli, no norte da Itália, onde o Senhor o chamou para outra missão. Enviado, por circunstâncias totalmente casuais, a pregar por ocasião de uma ordenação sacerdotal, mostrou ser dotado de ciência e eloquência, e os Superiores destinaram-no à pregação. Começou assim na Itália e na França, uma actividade apostólica tão intensa e eficaz que induziu muitas pessoas que se tinham afastado da Igreja a reconsiderar a sua decisão. António foi também um dos primeiros mestres de teologia dos Frades Menores, ou até o primeiro. Iniciou o seu ensino em Bolonha, com a bênção de São Francisco, o qual, reconhecendo as virtudes de António, lhe enviou uma breve carta, que iniciava com estas palavras: “Agrada-me que ensines teologia aos frades”. António lançou as bases da teologia franciscana que, cultivada por outras insignes figuras de pensadores, teria conhecido o seu ápice com São Boaventura de Bagnoregio e com o beato Duns Escoto.
Tornando-se Superior dos Frades Menores da Itália setentrional, continuou o ministério da pregação, alternando-o com as funções de governo. Concluído o cargo de Provincial, retirou-se para perto de Pádua, aonde já tinha ido outras vezes. Após um ano, faleceu nas portas da cidade, a 13 de Junho de 1231. Pádua, que o tinha acolhido com afecto e veneração durante a vida, tributou-lhe para sempre honra e devoção. O próprio Papa Gregório IX, que depois de o ter ouvido pregar o tinha definido “Arca do Testamento”, canonizou-o só um ano depois da morte, em 1232, também após os milagres que se verificaram por sua intercessão.
No último período de vida, António pôs por escrito dois ciclos de “Sermões”, intitulados respectivamente “Sermões dominicais” e “Sermões sobre os Santos”, destinados aos pregadores e aos professores dos estudos teológicos da Ordem franciscana. Nestes Sermões ele comentava os textos da Escritura apresentados pela Liturgia, utilizando a interpretação patrístico-medieval dos quatro sentidos, o literal ou histórico, o alegórico ou cristológico, o antropológico ou moral, e o analógico, que orienta para a vida eterna. Hoje redescobre-se que estes sentidos são dimensões do único sentido da Sagrada Escritura e que é justo interpretar a Sagrada Escritura procurando as quatro dimensões da sua palavra. Estes Sermões de Santo António são textos teológico-homiléticos, que reflectem a pregação bíblica, na qual António propõe um verdadeiro itinerário de vida cristã. É tanta a riqueza de ensinamentos espirituais contida nos “Sermões”, que o Venerável Papa Pio XII, em 1946, proclamou António Doutor da Igreja, atribuindo-lhe o título de “Doutor evangélico”, porque desses escritos sobressai o vigor e a beleza do Evangelho; ainda hoje os podemos ler com grande proveito espiritual.
Nestes Sermões Santo António fala da oração como de uma relação de amor, que estimula o homem a dialogar docilmente com o Senhor, criando uma alegria inefável, que suavemente envolve a alma em oração. António recorda-nos que a oração precisa de uma atmosfera de silêncio que não coincide com o desapego do rumor externo, mas é experiência interior, que tem por finalidade remover as distracções causadas pelas preocupações da alma, criando o silêncio na própria alma. Segundo o ensinamento deste insigne Doutor franciscano, a oração é articulada em quatro atitudes indispensáveis que, no latim de António, são assim definidas: obsecratio, oratio, postulatio, gratiarum actio. Poderíamos traduzi-las do seguinte modo: abrir com confiança o próprio coração a Deus; é este o primeiro passo do rezar, não simplesmente colher uma palavra, mas abrir o coração à presença de Deus; depois, dialogar afectuosamente com Ele, vendo-o presente comigo; e depois muito natural apresentar-lhe as nossas necessidades; por fim, louvá-lo e agradecer-lhe.
Deste ensinamento de Santo António sobre a oração captamos uma das características específicas da teologia franciscana, da qual ele foi o iniciador, isto é, o papel atribuído ao amor divino, que entra na esfera dos afectos, da vontade, do coração, e que é também a fonte da qual brota uma consciência espiritual, que supera qualquer conhecimento. De facto, amando, conhecemos.
Escreve ainda António: “A caridade é a alma da fé, torna-a viva; sem o amor, a fé esmorece” (Sermomes Dominicales et Festivi II, Messaggero, Pádua 1979, p. 37).
Só uma alma que reza pode realizar progressos na vida espiritual: é este o objecto privilegiado da pregação de Santo António. Ele conhece bem os defeitos da natureza humana, a nossa tendência a cair no pecado, e portanto exorta a continuar a combater a inclinação da avidez, do orgulho, da impureza, e a praticar as virtudes da pobreza e da generosidade, da humildade e da obediência, da castidade e da pureza. No início do século XVIII, no contexto do renascimento das cidades e do florescer do comércio, crescia o número de pessoas insensíveis às necessidades dos pobres. Por este motivo, António convidou várias vezes os fiéis a pensar na verdadeira riqueza, a da cruz, que tornando bons e misericordiosos, faz acumular tesouros para o Céu. “Ó ricos assim exorta ele tornai-vos amigos… dos pobres, acolhei-os nas vossas casas: serão depois eles, os pobres, quem vos acolherão nos eternos tabernáculos, onde há a beleza da paz, a confiança da consciência, a opulenta tranquilidade da eterna saciedade” (Ibid., p. 29).
Não é porventura este, queridos amigos, um ensinamento muito importante também hoje, quando a crise financeira e os graves desequilíbrios económicos empobrecem não poucas pessoas, e criam condições de miséria? Na minha Encíclica Caritas in veritate recordo: “A economia tem necessidade da ética para o seu correcto funcionamento não de uma ética qualquer, mas de uma ética amiga da pessoa” (n. 45).
António, na escola de Francisco, coloca sempre Cristo no centro da vida e do pensamento, da acção e da pregação. Esta é outra característica típica da teologia franciscana: o cristocentrismo. Ela contempla benevolamente, e convida a contemplar, os mistérios da humanidade do Senhor, o homem Jesus, de modo particular, o mistério da Natividade, Deus que se fez Menino, se entregou nas nossas mãos: um mistério que suscita sentimentos de amor e de gratidão para com a bondade divina.
Por um lado a Natividade, ponto central do amor de Cristo pela humanidade, mas também a visão do Crucifixo inspira em António pensamentos de reconhecimento para com Deus e de estima pela dignidade da pessoa humana, de modo que todos, crentes e não-crentes, possam encontrar no Crucificado e na sua imagem um significado que enriquece a vida. Escreve Santo António: “Cristo, que é a tua vida, está pendurado diante de ti, para que tu olhes para a cruz como para um espelho. Nela poderás conhecer quanto mortais foram as tuas feridas, que nenhum remédio teria podido curar, a não ser o do sangue do Filho de Deus. Se olhares bem, poderás dar-te conta de como são grandes a tua dignidade humana e o teu valor… Em nenhum outro lugar o homem pode aperceber-se melhor do seu valor, a não ser olhando para o espelho da cruz” (Sermones Dominicales et Festivi III, pp. 213-214).
Meditando estas palavras podemos compreender melhor a importância da imagem do Crucifixo para a nossa cultura, para o nosso humanismo nascido da fé cristã. Precisamente olhando para o Crucifixo vemos, como diz Santo António, como é grande a dignidade humana e o valor do homem. Em nenhum outro ponto se pode compreender quanto o homem vale, precisamente porque Deus nos torna tão importantes, nos vê tão importantes, que somos, para Ele, dignos do seu sofrimento; assim, toda a dignidade humana aparece no espelho do Crucifixo e olhar em sua direcção é sempre fonte do reconhecimento da dignidade humana.
Queridos amigos, possa António de Pádua, tão venerado pelos fiéis, interceder pela Igreja inteira, e sobretudo por aqueles que se dedicam à pregação; oremos ao Senhor para que nos ajude a aprender um pouco desta arte de Santo António. Os pregadores, inspirando-se no seu exemplo, tenham a preocupação de unir doutrina sólida e sã, piedade sincera, incisiva na comunicação. Neste Ano sacerdotal, rezemos para que os sacerdotes e os diáconos desempenhem com solicitude este ministério de anúncio e de actualização da Palavra de Deus aos fiéis, sobretudo através das homilias litúrgicas. Sejam elas uma apresentação eficaz da eterna beleza de Cristo, precisamente como António recomendava: “Se pregas Jesus, Ele comove os corações duros; se o invocas, alivia das tentações amargas; se o pensas, ilumina o teu coração; se o lês, sacia-te a mente” (Sermones Dominicales et Festivi III, p. 59).


Saudações
Saúdo, com fraterna amizade, os grupos vindos de São Paulo, Rio de Janeiro, Ribeirão Preto e demais peregrinos de língua portuguesa, desejando que esta visita aos lugares santificados pela pregação e martírio dos Apóstolos Pedro e Paulo possa confirmar a todos na fé, esperança e caridade. A Virgem Mãe vos acompanhe e proteja!


CARTA DO PAPA JOÃO PAULO II
CENTENÁRIO DO NASCIMENTO DE 
SANTO ANTÔNIO DE PÁDUA
Aprendi com grande satisfação que as quatro famílias franciscanas estão se preparando para celebrar com as medidas adequadas VIII centenário de Santo António, figura carismática universalmente venerado e invocado.
A Ordem Franciscana inteira está envolvida na sua preparação para o Jubileu do modelo exemplar, junto com a cidade de Pádua, que admite no seu território o centro da devoção de Anthony, e com a de Lisboa, onde o santo nasceu…
Durou apenas 36 anos sua existência terrena. Os quatorze primeiros foram gastos na escola episcopal de sua cidade. Aos quinze anos, ele pediu para entrar entre os Cônegos Regulares de Santo Agostinho, foi ordenado sacerdote aos vinte anos: dez anos de vida caracterizado pela busca e rigorosos cuidados de Deus, através do estudo intensivo de teologia… e aperfeiçoamento interior.
Mas Deus continuou a questionar o espírito do jovem padre Fernando: esse era o nome que recebeu na fonte batismal. No mosteiro de Santa Cruz, em Coimbra, conheceu um grupo de franciscanos…de Assis, que foi para o Marrocos para testemunhar o Evangelho, mesmo à custa do martírio. Nessa ocasião, o jovem Fernando experiências com um novo desejo: proclamar o Evangelho aos gentios, sem parar, para enfrentar o risco de vida.
No outono de 1220 ele deixou o mosteiro e se tornou um seguidor de Francisco de Assis, tomando o nome de Antonio. Partiu, em seguida, para Marrocos, mas uma grave doença o obrigou a desistir do seu ideal missionário.
Assim começou o último período de sua existência, durante o qual ele foi guiado por Deus nas estradas que nunca teria pensado em ir. Depois de arrancados de sua terra natal e seus projetos no exterior da evangelização, Deus o levou a viver a forma ideal de vida evangélica em solo italiano. Anthony viveu experiência franciscana onze anos apenas, mas assimilados a ponto de, “Cristo” e o ideal do Evangelho, se tornarem para ele uma regra de vida encarnada no cotidiano.
Seguimos você, como a criatura segue o Criador, o Pai como filhos, como a mãe das crianças como o pão ao faminto, o doente como o médico, o cansaço da cama, como os exilados casa “(S. Augustini, Sermões, II, p. 484).
Em Cristo, ele construiu sua vida
Toda a sua pregação foi uma contínua e incansável proclamação do Evangelho. Anúncio verdadeiro, corajoso, claro. A Pregação era sua maneira de transformar a fé nas almas, para purificá-los, confortá-los, iluminá-los (p. 154).
Em Cristo, ele construiu sua vida. As virtudes do Evangelho, sobretudo a pobreza de espírito, mansidão, humildade, castidade, a misericórdia, a coragem da paz foram os temas constantes de sua pregação.
Ele usou todos os instrumentos científicos então conhecido de aprofundar o conhecimento da verdade do Evangelho e para tornar mais compreensível o anúncio. O sucesso de seu ministério confirmou que ouviu falar a mesma língua dos seus ouvintes, capazes de comunicar eficazmente os conteúdos da fé e aceitar os valores do Evangelho na cultura popular de seu tempo.
Pedindo ao Senhor, Pastor e Mestre de todas as almas, por intercessão de Santo António, um pregador eminente e padroeiro dos pobres, será dada a todos com generosidade e seguir fielmente os ensinamentos do Evangelho, eu concedo uma especial Bênção Apostólica para você, a família franciscana inteira e todos os devotos do grande santo.
Cidade do Vaticano, em 13 de junho de 1994, o décimo sexto do meu Pontificado.
IOANNES PAULUS PP. JOHN PAUL PP. II II
Escreve Santo Antônio de Pádua: “Cristo, que é a tua vida, está suspenso diante de ti, para que tu olhes para a cruz como num espelho… se olhares para Ele, poderás perceber como são grandes a tua dignidade… e o teu valor…. Em nenhum outro lugar, o homem pode perceber melhor quanto ele vale do que contemplando-se no espelho da cruz” (Sermones Dominicales et Festivi III, pp. 213-214).
Sermões de Santo Antônio

SERMÕES DE SANTO ANTÔNIO DE PÁDUA


Santo Antônio examinando as Sagradas Escrituras


Na solidão encontrarás o Senhor
1. Naquele tempo disse Jesus a Pedro: “Segue-me” (Jo 21,19). Neste passo do Evangelho, podem-se observar duas coisas: a imitação de Cristo e seu amor para com seu fiel discípulo.

I – A Imitação de Cristo.
2. A imitação de Cristo está expressa nas palavras: “Segue-me”. Sim, isso ele o diz a Pedro, mas também a todo cristão: “segue-me, tu também, nu como nu o sou, livre de todo apego como livre o sou”. Por isso é que Jeremias afirma: “ Chamar-me-ás de Pai e não te cansarás de andar atrás de mim” (3,19). Segue-me, portanto, e joga fora o peso que levas, pois, carregado como estás, não podes andar atrás de mim que corro. “Corri, diz o salmista, tendo sede” (Sal 61,5); sede, entende-se, de salvar a humanidade. E para onde ele corre? Na direção da cruz. Por isso, corre também tu atrás de Cristo para que assim como ele tomou sua cruz por ti, tu também tomes a tua cruz por ti. Lê-se no evangelho de Lucas: “Se alguém quer vir após mim, renegue a si mesmo” (9,23), quer dizer, sacrifique a própria vontade, tome sua cruz mortificando a carne, todos os dias, isto é, continuamente, e assim siga-me. Portanto: segue-me! Ou então, se quiseres vir a mim e encontrar-me, segue-me, isto é, procura-me à parte. Ele diz aos discípulos: “Vinde à parte a um lugar deserto e descansai um pouco. Com efeito, tão grande era a multidão que ia e vinha que ele não tinha nem mesmo o tempo para comer” (Mc 6,31). Que coisa! Quantas paixões da carne, que multidão de pensamentos vão e vêm pelo nosso coração! E assim não temos nem o tempo de nos alimentar com o alimento da eterna doçura, nem de sentir o sabor da contemplação interior. Eis porque o bondoso Mestre diz ainda: “Vinde à parte, para longe da multidão, vinde a um lugar apartado, isto é, à solidão interior, da mente e do corpo, e descansai um pouco.
Sim, “um pouco”, porque como diz o Apocalipse: “Fez-se silêncio no céu por mais ou menos uma meia hora” (8,1) e o Salmo 54,7: “Quem me dará asas de pomba para voar e encontrar repouso?”. E o profeta Oséias também diz: “Eis que eu a amamentarei e conduzi-la-ei ao deserto e lhe falarei ao coração” (2,16). Nestas três expressões (amamentarei-conduzirei-falarei ao coração) podem-se notar também três situações: aquela de quem está no começo, aquela de quem está progredindo e aquela de quem já está na perfeição. É a graça que amamenta quem está no começo e o ilumina para que cresça e progrida de virtude em virtude; e por isso o conduz do barulho dos vícios, do tumulto dos pensamentos à solidão, isto é, à quietude interior da mente. Aí então, torna-o perfeito, fala-lhe ao coração e ele sente a doçura da inspiração divina e pode elevar-se de corpo e alma à alegria do espírito. E então, como é grande em seu coração a devoção! E como são grandes também a contemplação e o êxtase! Através da grandeza da devoção, a pessoa eleva-se acima de si mesma.
Através da sublime contemplação ela se sente como que transportada ainda acima de si mesma e, através do êxtase, ela é levada como para fora de si mesma. Por isso: “segue-me”. O Senhor fala como uma mãe carinhosa que quando está ensinando seu nenê a caminhar, mostra-lhe o pão ou uma maçã e lhe diz: “Vem, vem, eu vou te dar!” E quando a criança está pertinho, pronta para pegar, a mãe, devagarinho.. vai se afastando e dizendo-lhe, mostrando o pão e a maçã: “Vem, vem, pega!” Existem também pássaros que tiram do ninho seus filhotes e, voando, os ensina a voar e segui-los. Assim faz Cristo: ele mesmo se coloca como exemplo para que o sigamos e promete o prêmio no Reino dos Céus.
3. Segue-me, portanto, porque eu conheço o bom caminho pelo qual conduzir-te. No Livro dos Provérbios encontra-se escrito a este propósito: “Mostrar-te-ei o caminho da sabedoria. Conduzir-te-ei pelos caminhos da retidão. Quando neles entrares, teus passos não serão trôpegos e, se correres, não haverás de
tropeçar” (4,11-12). O caminho da sabedoria é o caminho da humildade. Bem diferente é o caminho da estultícia, porque é o caminho do orgulho. Jesus mesmo no-lo mostrou quando disse: “Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração e encontrareis descanso para vossas almas” (Mt 11,29). O caminho é estreito, dá apenas para dois pés, de tal modo que nenhum outro possa passar. Diz-se em latim `semita’, isto é, “meia estrada”,`semis iter’, pois “semis” quer dizer metade e `iter’ quer dizer caminho. Caminhos da retidão
são os da pobreza e da obediência. Por eles é que Cristo te conduz com seu exemplo, ele mesmo pobre e obediente. Nesses caminhos não existe estrada tortuosa; tudo é bem plaino, bem reto! Mas o que causa maravilha é o fato que, mesmo sendo assim tão estreitos, os passos dados neles não são indecisos, sem jeito. O caminho do mundo, ao contrário, é largo e espaçoso. E, no entanto, os seculares, aqueles que vivem segundo o mundo, acham que ele nunca é suficientemente largo: são como bêbados que acham sempre estreito qualquer caminho, mesmo o largo. Com efeito, a maldade tem uma estreiteza conatural. A pobreza e a obediência, ao contrário, contêm, é claro, uma restrição, mas por isso mesmo doam também liberdade, porque a pobreza torna rico e a obediência livre. Quem percorrer esses caminhos seguindo a Jesus, jamais encontrará o tropeço das riquezas ou o tropeço da própria vontade. Segue-me, portanto, e mostrar-te-ei “aquilo que olho não viu, ouvido não ouviu nem penetrou em coração de homem” (1Cor 2,9). “Segue-me e dar-te-ei, diz Isaías, tesouros escondidos e riquezas ocultas” (45,3). E o mesmo: “Ù vista disso ficarás radiante de alegria e teu coração estremecerá e se dilatará” (60,5). Haverás de ver a Deus face a face, assim como ele é e te encherás de delícias e riquezas na dupla estola da alma e do corpo. Teu coração admirará as ordens dos anjos e a moradia dos bem-aventurados e, por causa da imensa felicidade, se dilatará na exultação e no louvor. Portanto: segue-me! II – O Amor de Cristo para com o seu discípulo fiel.
4. O amor de Cristo para com a pessoa que lhe é fiel é bem demonstrado, por exemplo, na seguinte passagem: “Pedro, então, tendo-se voltado, viu que o estava seguindo o discípulo que Jesus amava, aquele que na ceia tinha se inclinado sobre o seu peito” (Jo 21,20). Quem realmente segue a Cristo, deseja que todos sigam o Senhor. Eis porque se dirige ao próximo com carinho, com oração devota e com a pregação. O voltar-se de Pedro significa exatamente isto e concorda com o final do Apocalipse – “O esposo e a esposa, isto é, Cristo e a Igreja, dizem: Vem! E quem escuta diga por sua vez: Vem! (22,17). Cristo, por meio da inspiração celeste, e a Igreja, por meio da pregação, dizem ao homem e à mulher: Vem! E quem ouve essas palavras, diga por sua vez ao próximo: Vem! Não queres seguir a Jesus? Portanto: tendo-se voltado, Pedro viu que o estava seguindo aquele discípulo que Jesus amava. E Jesus ama quem o segue. No livro dos Números diz-se o seguinte: “O meu servo Caleb, que me seguiu fielmente, eu o introduzirei na terra que ele percorreu. E a sua
geração dela tomará posse” (14,24). A Glossa, sem dizer o nome, mas com as palavras “que Jesus amava” está indicado o discípulo João e ele se distingue dos outros não porque Jesus amasse somente a ele, mas porque amava mais a ele do que aos outros. Amava também os outros, mas a este o amava com “maior afeição”. E Jesus gratificou-o com uma ternura maior de seu amor, pois o havia chamado quando era ainda virgem e virgem ele permaneceu; por isso a ele Jesus confiou sua própria mãe. Este foi um gesto imenso de amor! Somente João repousou a cabeça no peito de Jesus” no qual estão encerrados todos os tesouros da sabedoria e da ciência” (Col 2,3). Nesse mesmo gesto estava como que prefigurado o fato dos inumeráveis segredos divinos que ele haveria de escrever, a diferença dos demais evangelistas.
5. Pode-se observar também que Jacó descansou sobre uma pedra e João sobre o peito de Jesus. Aquele durante a caminhada, este durante a ceia. Em Jacó são representados os peregrinos sobre a terra, em João os bem-aventurados. Aqueles, durante a caminhada terrena, estes, já chegados à pátria celeste. No livro do Gênesis, se diz: “Jacó partiu de Bersabéia e dirigia-se a Haran. Querendo descansar, pegou uma pedra, colocou-a sob a cabeça e dormiu. E, em sonho, viu uma escada em pé e anjos subindo e descendo por ela e o Senhor no topo da escada.” (28,10-13). Jacó é o justo ainda peregrino sobre esta terra onde tem muito que lutar. Ele sai de Bersabéia que significa “sétimo poço” e representa o poço sem fundo da cobiça humana, exatamente como o sétimo dia do qual se lê não ter fim.
Dirige-se rumo a Haran que significa “alto” e representa por isso a Jerusalém celeste. O profeta Habacuc o diz: “Subirei e me unirei ao nosso povo já em paz”, o nosso povo que triunfou sobre a maldade do século. E, por desejar aliviar o cansaço de sua peregrinação, o justo coloca sob a cabeça uma pedra e adormece. A cabeça é a mente. A pedra é a firmeza da fé. A escada em pé representa o duplo amor a Deus e ao próximo. Os anjos são os homens justos que sobem até Deus elevando-se com suas mentes, mas abaixando-se até o próximo através da compaixão. A
pessoa justa, então, durante a peregrinação terrena, coloca a mente na firmeza da fé para descansar. Eis porque está escrito nos Provérbios: “O arganaz, uma espécie de marmota, por sua natureza, é fraco e faz seu esconderijo na pedra” (30,26). O arganaz, animal tímido, representa quem é fraco no espírito e por isso não sabe opor-se com força aos ataques de qualquer espécie e coloca na pedra da fé o travesseiro da sua esperança para aí poder descansar e dormir e ver elevar-se em si mesmo a escada do amor. Observe-se que o Senhor está no topo da escada por dois motivos: para sustentá-la e para acolher os que nela sobem. Na realidade ele sustenta o peso da nossa fragilidade de modo a estarmos em grau de subir a escada através das obras do amor. E ele acolhe aqueles que sobem para que possamos também nós tornar-nos eternos e bem aventurados com ele que é eterno e bem aventurado. E então, naquela ceia que nos saciará para sempre, descansaremos, com João, sobre o peito de Jesus. O coração no peito é o amor no coração.
Descansaremos em seu amor, porque haveremos de amá-lo com todo o coração e com toda a alma e encontraremos nele todos os tesouros da sabedoria e da ciência. O amor de Jesus! Que tesouro colocado no amor! Que sabedoria de inestimável sabor! Que ciência ele nos faz conhecer! “Serei saciado, diz o salmista, quando aparecer a tua glória” (16,15) e “Esta é a vida eterna: conhecer a Ti, o único verdadeiro Deus e aquele que enviaste, Jesus Cristo” (Jo 17,3). A Ele sejam dados louvor e glória pelos séculos eternos. Amém.(Na Festa de São João Evangelista, III,pg.31-35)
Traduzido diretamente dos originais em latim por frei Geraldo Monteiro, conforme a edição crítica: “Sermões Dominicais e Festivos, III volume, Pádua, 1979, Ed. Messaggero Padova”.

Deixemos a vaidade do mundo!
“Jesus, tendo saído daquele lugar, retirou-se para a região de Tiro e Sidônia…”(Mt 15,21). “Jesus, tendo saído…”etc. A saída de Jesus representa a saída de toda pessoa humana que se converte e sai da vaidade do mundo. Sobre isto, se lê e se canta na história deste domingo (2º da Quaresma): “Tendo Jacó saído de Bersabéia partiu para Harã (Gn 28,10). Eis como concordam os dois Testamentos: “Jesus, tendo saído daquele lugar, retirou-se para a região de Tiro e Sidônia”, diz Mateus. “Jacó, tendo saído de Bersabéia, partiu para Harã”, diz Moisés no Gênesis. “Jacó é interpretado como ‘suplantador’ e representa o pecador convertido que, sob a planta (do pé) da razão pisa, esmaga a sensualidade da carne. Ele sai de Bersabéia, que se interpreta `sétimo poço’, indicativo da insaciável cobiça deste mundo que é a raiz de todos os males. Deste poço fala João no seu evangelho, colocando as palavras da Samaritana na conversa com Jesus:
“Senhor! Nem sequer tens uma vasilha e o poço é profundo”. E Jesus responde: “Todos aqueles que beberem desta água, ainda terão sede” (Jo 4,11.13). Ó Samaritana! Disseste com toda razão e verdade que o poço é profundo. Com efeito, a cobiça do mundo é profunda, exatamente porque não tem o fundo da suficiência, da saciedade. Por isso, quem quer que seja que beber da água deste poço, entendida como riquezas e prazeres temporais, terá sede de novo. E é verdade mesmo, devemos repetí-lo, porque até Salomão o diz nas parábolas: “A sanguessuga tem duas filhas que dizem: Quero mais, quero mais” (Pv 30,15). A sanguessuga é o diabo que tem sede da nossa alma e deseja bebê-la. Suas são a duas filhas, isto é, as riquezas e os prazeres que sempre dizem: “Quero mais, quero mais” e nunca “Basta!” Diz também o Apocalipse: “Do poço subiu uma fumaça como a fumaça de uma grande fornalha, de modo que o sol e o ar ficaram escuros por causa da fumaça do poço. E da fumaça se espalharam gafanhotos pela terra” (9,2-3). A fumaça que cega os olhos da razão sobe do poço da cobiça mundana que é a grande fornalha da Babilônia. Por causa dessa fumaça é que se obscureceram o sol e o ar. O sol e o ar simbolizam os religiosos. “Sol”, porque os religiosos devem ser sempre puros, cheios de afeição e lúcidos: puros pela castidade, cheios de afeição pelo amor e lúcidos pela pobreza. “Ar”, porque eles devem ser “aéreos”, quer dizer, contemplativos. Infelizmente, por causa de nossos pecados, saiu a fumaça do poço da cobiça e já defumou a todos. É por isso que Jeremias deplora nas Lamentações: “Ai! Como se escureceu o ouro, como mudou sua mais esplêndida cor!” (Lm 4,1).
ol e ouro, ar e cor esplêndida significam a mesma coisa. O esplendor do sol e do ouro se obscureceu, o ar e a cor mudaram. E observe-se bem a exatidão com que Jeremias disse: “escureceu e mudou”. Com efeito, a fumaça da cobiça escurece o esplendor da vida religiosa e obscurece a esplêndida cor da contemplação celeste, na qual o vulto da alma torna-se misticamente invadido por uma esplêndida cor, isto é, torna-se cândido e vermelho: cândido pela encarnação do Senhor, vermelho pela sua paixão, cândido pelo branco marfim da castidade, vermelho pelo ardente desejo do esposo celeste. Lamentavelmente, esta esplêndida cor, hoje em dia, está bastante deteriorada porque foi defumada pela fumaça da cobiça, sobre a qual ainda está escrito: “E da fumaça do poço saíram gafanhotos pela terra”.
Os gafanhotos, pelos saltos que dão, representam todos os religiosos, os quais, com ambos os pés da pobreza e da obediência, devem saltar para a altura da vida eterna. Infelizmente, porém, com um salto para trás, da fumaça do poço, eles saíram pela terra e, como se diz no Êxodo, “cobriram a superfície da terra” (10,5). Hoje não se vêem mercados, não se fazem reuniões civis ou eclesiásticas nas quais não se encontrem monges e religiosos. Compram e
revendem, “constroem e destroem, tornam redondo o que era quadrado” (Horácio, Epist.), isto é, torcem e retorcem qualquer coisa. Nos processos convocam as partes, brigam diante dos juizes, pagam legistas e advogados, induzem testemunhas a jurarem junto com eles por coisas transitórias, frívolas e vãs. Dizei-me, ó religiosos insensatos, se nos profetas ou nos evangelhos de Cristo ou nas cartas de Paulo, se na regra de São Bento ou de Santo Agostinho vós encontrastes essas brigas, essas distrações, esses clamores e essas declarações nos processos por coisas efêmeras e caducas. Ou pelo contrário, não é o próprio Senhor que diz aos Apóstolos, aos monges, a todos os religiosos e não a modo de conselho, mas de ordem mesmo, já que escolheram o caminho da perfeição: “Eu vos digo: amai os vossos inimigos, fazei o bem àqueles que vos odeiam; abençoai aqueles que vos amaldiçoam, orai por aqueles que vos caluniam. E a quem te bate numa face, apresenta-lhe também a outra. E a quem te leva o manto, não recuses a túnica. Dá a quem te pede e não reclames de quem toma o que é teu. Como quereis que os outros vos façam, fazei também a eles. E se amais apenas os que vos amam, que méritos tereis? Os pecadores também amam aqueles que os amam. E se fazeis o bem aos que vo-lo fazem, que méritos tereis? Até mesmo os pecadores agem assim” (Lc 6,27-33).
Esta é a regra de Jesus Cristo que deve ser preferida a todas as regras, instituições, tradições, invenções, porque “não há servo maior que seu patrão, nem apóstolo maior que aquele que o enviou” (Jo 13,16).Observai, escutai e vede, ó povos todos, se existe bobeira, se existe presunção igual à deles. Em suas regras e constituições está escrito que cada monge ou cônego tenha duas ou três túnicas e dois pares de calçados, de acordo com o inverno ou o verão. Se por acaso acontece de não terem essas coisas no tempo e no lugar que querem, dizem que não se está observando o que é mandado e isso vai mesquinhamente contra a regra.
Olhai com que escrúpulo querem observar a regra naquilo que é prescrito em vantagem do corpo, mas a regra de Jesus Cristo, sem a qual não podem salvar-se, observam pouco ou nada. E o que direi do clero e dos prelados da Igreja? Se um bispo ou um prelado da Igreja fizer algo contra um decreto do Papa Alexandre, Papa Inocêncio ou de qualquer outro papa, imediatamente é acusado, o acusado é convocado, o convocado é julgado por seu crime e, depois de julgado, é deposto. Ao contrário, se ele cometer algo de grave contra o Evangelho de Jesus Cristo, que ele tem por obrigação de vida observar, não há ninguém que o acuse, ninguém que o repreeenda. “Com efeito, todos amam o que é seu e não o que é de Jesus Cristo” (cfr. Fil 2,21). O próprio Cristo, com relação a essas coisas, tanto aos religiosos como ao clero, diz: “Invalidastes a Palavra de Deus por causa da vossa tradição. Hipócritas! Bem profetizou Isaías a vosso respeito, quando disse: `Este povo me honra com os lábios, mas o coração está longe de mim. Em vão me prestam culto, pois o que ensinam são mandamentos humanos’ (Mt 15,6-9). E de novo: “Ai de vós, fariseus, que pagais o dízimo da hortelã, da arruda e de todas as hortaliças, mas deixais de lado a justiça e o amor de Deus! Importava praticar estas coisas sem deixar de lado aquelas. Ai de vós, fariseus, que apreciais o primeiro lugar nas sinagogas e as saudações nas praças públicas…
Ai de vós, doutores da lei, que impondes aos homens fardos insuportáveis e vós mesmos não tocais esses fardos com um dedo sequer… Ai de vós, doutores da lei, porque tomastes as chaves da ciência! Vós mesmos não entrastes e impedistes os que queriam entrar! (Lc 11,42-43.46.52). Portanto, bem se diz no Apocalipse que “saiu a fumaça do poço como a fumaça de uma grande fornalha que escureceu o sol e o ar e, da fumaça do poço, se espalharam sobre a terra os gafanhotos”. E observe-se ainda que o poço da cobiça humana é chamado “sétimo poço” e isso por dois motivos: ou porque
é o `lixo’ e a fossa de sete crimes (pois a cobiça, como diz o Apóstolo, é a raiz de todos os males (Tm.6,10), ou porque a cobiça não tem o fundo da saciedade tal qual se lê no Gênesis que o “sétimo dia não teve tarde” (Gn 2,2). É deste infeliz poço, pois, que o pecador arrependido consegue sair. A ele se aplicam as palavras:
“Jacó, tendo saído de Bersabéia, partiu para Harã”. “Jesus, tendo saído dali, partiu para a região de Tiro e Sidônia”. Vejamos o que significam esses três nomes: Tiro, Sidônia e Harã. Tiro é interpretado como “angústia”, Sidônia “caça da tristeza”, Harã “excelsa ou indignação”. A pessoa arrependida, que sai da cobiça do mundo, vai para as regiões de Tiro, isto é, da angústia. Observe-se bem que a pessoa verdadeiramente arrependida tem duas angústias: a primeira é aquela que ela sente pelos pecados cometidos, a segunda é aquela que ela tem que agüentar por causa das três tentações, a do diabo, do mundo e a da carne. Sobre a primeira diz Jó: “As coisas que antes a minha alma não queria tocar, agora na minha angústia, tornaram-se o meu alimento” (6,7). Com efeito, para a pessoa arrependida, por causa da angústia do arrependimento que ela sente pelos pecados, quais alimentos saborosos são as vigílias intensas, as lágrimas abundantes, os freqüentes jejuns. Tudo isso a alma, isto é, a sua sensualidade saciada de coisas temporais, aborrecia até tocar, antes de voltar à penitência. É por isso que diz Salomão nas Parábolas: “A alma saciada pisa o favo de mel, mas a alma faminta toma até o amargo como se fosse doce” (Pr 27,7). Observe-se como calham bem Tiro e Harã, isto é, a angústia e o excelso, pois quem quiser chegar às coisas excelsas, sublimes, não poderá fazê-lo sem passar pela angústia. Assim também, a pessoa arrependida que quer subir à plenitude da vida eterna, deve antes passar por Tiro. É o próprio Senhor que o diz em Lucas: “Não era necessário que o Cristo
sofresse – eis aí Tiro – para entrar assim em sua glória – eis aí Harã – ? (24,26).
Frei Geraldo Monteiro,Tradução do latim “Sermões Dominicais e Festivos”, vol. I, pp.105-109 –Ed.Messaggero – Pádua – 1979.

Um novo modo de pensar e de viver
O tentador aproximou-se de Jesus e disse-lhe: “Se és Filho de Deus, manda que estas pedras se transformem em pães” (Mt 4,3). O diabo em circunstâncias semelhantes procede de maneira semelhante. Com a mesma tática com que tentou Adão no paraíso terrestre, tentou também a Cristo no deserto e continua
tentando qualquer cristão neste mundo. Tentou o primeiro Adão pela gula, pela vanglória e pela avareza e, tentando-o, venceu-o. Ao segundo Adão, isto é, Cristo, ele tentou de maneira semelhante, mas no foi vencido no seu intento porque quem ele tentava então não era somente um homem, mas era também Deus! Nós, que somos participantes de ambos, do homem segundo a carne e de Deus segundo o espírito, despojemo-nos do homem velho com suas obras que são a gula, a vanglória e a avareza e vistamo-nos do homem novo, renovados pela confissão, para frearmos, com o jejum, o desenfreado ardor da gula, para abatermos, com a humildade da confissão, a altura da vanglória, para pisarmos, com a contrição do coração, o denso lodo da avareza. “Bem aventurados, diz o Senhor, os pobres em espírito”, isto é, os que têm o espírito dolorido e o coração contrito, “porque deles é o reino dos céus” (Mt 5,3).
Procure ainda observar que, assim como o diabo tentou de gula o Senhor no deserto, de vanglória no templo, de avareza no cimo do monte, assim também faz conosco todos os dias: tenta-nos de gula no deserto do jejum, de vanglória no templo da oração e do ofício, de tantas formas de avareza no monte dos nossos cargos. Enquanto fazemos jejum, ele nos sugere a gula, com a qual pecamos em cinco maneiras, como diz o verso: “antes do tempo, abundantemente, demais, com voracidade e com delicadeza exagerada” (São Gregório). ANTES DO TEMPO, isto é, quando se come antes da hora; ABUNDANTEMENTE, quando se excita a gulosice da língua e se quer aumentar um apetite fraco com temperos, especiarias e toda espécie de comida; DEMAIS, quando se come mais comida do que o corpo necessita; pois dizem alguns gulosos: temos que fazer jejum, então vamos comer para suprir de uma só vez tanto o almoço quanto a janta. Estes são como o bicho-da-seda que não sai da árvore em que está até não devorá-la completamente. O “bruco” (bicho-da-seda) é chamado assim porque é feito quase só de boca e simboliza muito bem os gulosos que são tudo, gula e barriga, e assaltam o prato como se fosse uma fortaleza e não o deixam se antes não o devoraram todo: ou se estoura a barriga ou se esvazia o prato! COM VORACIDADE quando o homem se joga sobre qualquer comida como se fosse assaltar uma fortaleza, abre os braços, estica as mãos, come com todo seu corpo; à mesa é como um cão que, na comida, não quer ter rivais. COM DELICADEZA EXAGERADA quando se procura só comidas deliciosas e preparadas com grande esmero.
Como se lê no primeiro livro dos Reis, sobre os filhos de Heli, que não queriam aceitar a carne cozida, mas só a crua, para poderem prepará-la com mais temperos e outras iguarias. Semelhantemente, o diabo nos tenta de vanglória no templo. Com efeito, enquanto estamos em oração, enquanto recitamos o ofício e estamos ocupados na pregação, somos assaltados pelo diabo com os dardos da vanglória e, infelizmente, muitas vezes feridos. Existem efetivamente alguns que, enquanto oram e dobram os joelhos e soltam suspiros, querem ser vistos. E há outros que, quando cantam em coro, modulam a voz, fazem falsetes e desejam ser ouvidos. Enfim, há também os que, quando pregam, elevam a voz como trovão, multiplicam as citações, interpretam-nas a seu modo, giram-se pra cá e pra lá e desejam ser louvados. Todos esses mercenários – acreditem-me – “já receberam sua recompensa” (Mt 6,2) e colocaram sua filha no prostíbulo. Diz Moisés no Levítico: “Não profanes a tua filha, fazendo-a prostituir-se” (19,29). Filha minha é a minha obra e eu a prostituo, quer dizer, a coloco no prostíbulo quando a vendo pelo dinheiro da vanglória. Por isso é que o Senhor nos aconselha: “Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto e, fechando tua porta, ora ao teu Pai que está lá no segredo” (Mt 6,6). Tu, quando quiseres rezar ou fazer alguma coisa de bom – e é nisto que consiste o “orar sem cessar” – entra em teu quarto, isto é, no segredo do teu coração, e fecha a porta dos cinco sentidos para não desejar nem ser visto nem ser escutado nem ser louvado. Com efeito, diz Lucas (1,9)
que Zacarias entrou no templo do Senhor na hora do incenso. No tempo da oração ‘que se eleva à presença do Senhor como o incenso’ (Salmo 140,2). Tu deves entrar no templo do teu coração e orar ao teu Pai e “o teu Pai, que vê no segredo, te recompensará” (Mt 6,6). Além disso, do alto dos nossos encargos, da nossa passageira dignidade, somos tentados a cometer muitos pecados de avareza.
Não existe só a avareza do dinheiro, mas também aquela do querer ser mais do que os outros. Os avarentos, mais têm mais desejam possuir. Aqueles que ocupam altos postos, quanto mais sobem mais querem subir e assim acontece que caem com numa queda muito mais ruidosa, já que “os ventos sopram mais nos lugares altos” (Ovídio) e “aos ídolos é que são oferecidos sacrifícios nas alturas” (4 Reis 12,3). Diz Salomão a propósito: “O fogo não diz nunca: basta!” (Prov 30,16). O fogo, quer dizer, a avareza do dinheiro e das honrarias não diz nunca: basta! Mas o que é que diz então? “Mais, mais!” þ Senhor Jesus, tirai, tirai estes dois “mais, mais” dos prelados de vossa Igreja, que se pavoneiam no alto de suas dignidades eclesiásticas e gastam o vosso patrimônio, por Vós conquistado com os tapas, com as flagelações, com as cusparadas, com a cruz, com os cravos, com o vinagre, com o fel e a lança. Nós, portanto, que somos chamados cristãos por causa do nome de Cristo, imploramos todos juntos, com a devoção da alma e ao mesmo Jesus Cristo, e pedimos insistentemente que ele, do espírito de contrição, nos faça chegar ao deserto da confissão, a fim de que, nesta Quaresma, mereçamos receber o perdão de todas as nossas maldades e, renovados e purificados, nos tornemos dignos de gozar da alegria da sua santa Ressurreição e ser colocados na glória da felicidade eterna. No-lo conceda Aquele a quem se deve toda honra e toda glória por todos os séculos dos séculos. Amém. Tradução: Frei Geraldo Monteiro, OFM Conv. Sermões Dominicais e Festivos 1º Domingo de Quaresma, pp. 81-84

Nós deixamos tudo…
Naquele tempo disse Simão Pedro a Jesus: “Eis que nós deixamos tudo e te seguimos” (Mt 19,27). Neste evangelho podem-se notar duas coisas: a grandeza dos apóstolos no juízo final e a recompensa daqueles que deixam as coisas passageiras deste mundo. A Grandeza dos Apóstolos no Juízo Final A
grandeza apostólica provém das palavras “Eis que nós deixamos tudo”. Pedro “corredor ágil, que faz a sua corrida” (Jeremias 2,23) diz: “Eis que nós deixamos tudo!” Pedro, fizeste bem, pois, carregado de peso, não poderias acompanhar Aquele que corre, Cristo! Um pouco antes, ele tinha ouvido o Senhor dizer: “Em verdade eu vos digo, dificilmente um rico entrará no Reino dos Céus” (Mt 19,23). Por isso, para entrar com facilidade, tudo deixou. Mas, o que significa “tudo”? As coisas exteriores e e as interiores, isto é, aquilo que possuíamos e também a vontade de possuir, de tal modo que não nos restou absolutamente nada. Sobre isso diz o Senhor pela boca do Profeta Isaías: “Destruirei até o nome de Babilônia, seu resto, a sua descendência e a sua posteridade” (14,22).
O nome Babilônia significa “propriedade”, como se disséssemos: “meu, teu”. Cristo destruiu nos apóstolos não só este nome, mas até “o resto” da propriedade; e não só isso, mas também a descendência, quer dizer, a tentação de ter, e a posteridade, isto é, a vontade de possuir. Felizes os religiosos em que essas coisas foram destruídas, porque só assim poderão dizer verdadeiramente: Eis que nós deixamos tudo! Olhai os apóstolos “que voam”. Pelo que, diz Isaías: “Quem são estes que vêm deslizando como nuvens, como pombas de volta aos seus pombais?” As nuvens são leves. Os apóstolos, deixando o peso do mundo, voam ligeiros nas asas do amor seguindo a Jesus. Diz Jó: “Conheces por acaso os grandes caminhos das nuvens e a ciência perfeita?” (37,16). Grande caminho é deixar tudo. Caminho
estreito durante a peregrinação desta vida, mas largo e grande no momento da recompensa. Ciência perfeita é amar a Jesus e segui-Lo. Este foi o caminho e esta foi a ciência dos apóstolos que, como pombas, voaram a seus pombais. Pombais em latim se diz “Fenestrae” e é como dizer “que se leva para fora” (ferentes extra). Os apóstolos e os homens apostólicos, inocentes e simples como pombas, voaram bem para longe das coisas terrenas a tal ponto que guardaram as janelas dos sentidos para que não voltassem, saindo através delas, aquelas coisas exteriores que tinham abandonado. Por essas janelas saiu aquela pomba sem coração que se deixou seduzir. Conta o livro do Gênesis que “Dina (filha de Jacó) saiu para ver as moças daquela região. Mas
Siquém (príncipe) raptou-a e violou a sua virgindade” (cf.34,1-2). Assim também a alma desventurada é levada para fora através dos sentidos do corpo para ver as belezas mundanas e, enquanto vagueia pra cá e pra lá, é raptada com seu consentimento pelo diabo e o resultado é a sua ruína. Que diferença entre os dois vôos! Os apóstolos, das coisas terrenas voam rumo às celestes, a pessoa pecadora, das coisas celestes desce para as terrenas. Ela voa pra o diabo, eles para Cristo! “Eis que te seguimos” (Mt 19,27). Por Ti, Jesus, deixamos tudo, nos tornamos pobres. E pois que és rico, nós Te seguimos para que nos faça ricos também.
São os mais miseráveis entre todos os homens aqueles religiosos que deixam tudo e no entanto não seguem a Cristo. Esses têm um duplo prejuízo: são privados de qualquer consolação externa e não possuem nem a interior. Os mundanos, mesmo não tendo as consolações interiores, pelo menos têm aquelas exteriores. “Nós te seguimos”. Nós, criaturas, seguimos o Criador; nós, filhos, seguimos o pai; nós, crianças, seguimos a mãe; nós, famintos, seguimos o pão; nós, com sede, seguimos a fonte; nós, doentes, seguimos o médico; nós, cansados, seguimos o leito; nós, exilados, seguimos o paraíso! “Nós Te seguimos”: nós corremos atrás da fragrância dos teus perfumes (Ct 1,3), porque a fragrância de teus perfumes supera a de todos os demais aromas (Ct 4,10). Lê-se na História Natural que a pantera é uma fera de beleza maravilhosa, cujo cheiro é de tanta suavidade que supera qualquer outro perfume. Por isso, quando os outros animais pressentem sua presença, imediatamente se avizinham e seguem-na, porque se sentem reforçados de modo admirável pela sua visão e pelo seu perfume (Aristóteles e Plínio). Quão grande seja a beleza e a suavidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, os bem aventurados o experimentam na pátria celeste, mas também as pessoas justas,
de algum modo, o experimentam nesta vida. E os apóstolos, logo que experimentaram a suavidade de Jesus, tendo deixado tudo, imediatamente O seguiram. “Eis que nós te seguimos: que recompensa teremos?” (Mt 19,27) “Como aqueles que procuram um tesouro: alegram-se sobremaneira quando encontram um sepulcro”(Jó 3,21-22). O tesouro no sepulcro é o símbolo de Deus no corpo, assumido da Virgem Maria.  Apóstolos, já encontrastes o tesouro, já o tendes totalmente. O que procurais a mais? “Que recompensa teremos”? O que quereis ter ainda mais? Conservai aquilo que encontrastes, porque Ele é tudo o que procurais. Nele, diz Baruc, existe a sabedoria, a prudência, a fortaleza, a inteligência, a longevidade e o alimento, a luz dos olhos e a paz” (3,12-14). Existe a sabedoria que tudo cria; a prudência com que governa todas as coisas criadas; a fortaleza com que freia o diabo; a inteligência com que tudo penetra; a longevidade com que perpetua os seus; o alimento com que sacia; a luz com que ilumina; a paz com que conforta e doa serenidade. “E Jesus lhes disse: em verdade eu vos digo, vós que me seguistes” (Mt 19,28). O Senhor não responde: “Vós que deixastes tudo”, mas “vós que me seguistes” – isso é próprio dos apóstolos e dos perfeitos. Muitos deixam suas coisas e no entanto não seguem a Cristo porque, por assim dizer, se agarram a si mesmos. Se quiseres seguir e alcançar, é preciso que deixes a ti mesmo.
Quem segue alguém pelo caminho, não olha para si, mas para o outro, que constituiu como guia para seu caminho. Deixar-se a si mesmo significa não confiar em si em nenhum caso, considerar-se inútil mesmo quando se fez tudo o que tinha sido mandado, desprezar-se a si mesmo como um cão morto ou uma pulga (1Sm 24,15), no próprio coração não antepor-se a ninguém, julgar-se inferior a todos, até aos maiores pecadores, considerar todas as próprias obras boas como panos sujos de uma mulher menstruada, colocar-se diante de si mesmo e chorar como diante de um morto, humilhar-se profundamente em qualquer ocasião e lançar-se totalmente nos braços de Deus. Ouçamos o que é prometido àqueles que assim O seguem. “Na nova criação: (in regeneratione) a primeira regeneração acontece na alma através do batismo, a segunda acontecerá no corpo no dia do juízo, quando os mortos ressurgirão incorruptos” (1Cor 15,52), quando “o Filho do homem”, isto é Jesus, na condição de servo, submetido a juízo aqui na terra, “sentar-se-á”, isto é, exercitará o seu poder de juiz “sobre o trono da sua glória”, isto é, a Igreja, onde se manifestará o seu poder, “sentareis também vós sobre os doze tronos” (Mt19,28).
Se somente os doze apóstolos, sentados sobre doze tronos, serão juízes com Cristo no dia do juízo, onde se sentará Paulo, “vaso de eleição” (At 9,15), que hoje de lobo se transformou em cordeiro, que trabalhou mais do que todos (1Cor 15,10), que “foi arrebatado até o terceiro céu e ouviu segredos que não é lícito ao homem revelar” (2Cor 12,2)? Onde se sentará, repito, um homem tão grande assim, se no tribunal existem para os juízes somente doze tronos, do momento que ele afirma: “Não sabeis que julgaremos os anjos” (1Cor 6,3), isto é, os anjos maus? Por isso é preciso saber que o número doze é usado para indicar a plenitude do poder e que com as doze tribos de Israel entendem-se todos aqueles que deverão ser julgados. Eis, portanto, que os pobres, junto com Jesus pobre, filho da Virgem pobrezinha, julgarão com justiça o mundo inteiro (Sl 9,9). Jó também diz: “Deus não salva os ímpios, mas deixará aos pobres o juízo” (36,6). Diz “aos pobres” e não aos ricos” cuja glória será a sua confusão” (Fl 3,19). Com efeito, os ricos ficarão confusos quando virem sentados em juízo com Cristo e com Cristo julgar, “aqueles que um dia desprezaram e ultrajaram” (Sab 5,3). Tradução: Frei Geraldo Monteiro, OFM Conv – Conversão de S. Paulo, Vol.III, pp. 83-87 Sermões Dominicais e Festivos Ed.Mess. Padova – 1979

Anunciação da Bem-aventurada Virgem Maria

IV. Reflexão.
10. “O anjo Gabriel foi enviado” etc. Acabamos de ouvir de que maneira a Virgem Maria concebeu o Filho de Deus Pai. Vamos ver agora, brevemente, de que jeito a alma concebe o espírito da salvação. Na Virgem Maria vemos representada a alma fiel: “virgem” pela integridade da fé. Com efeito, diz o Apóstolo: “Eu vos prometi a um único esposo, para apresentar-vos como virgem casta a Cristo” (2Cor 11,2). “Maria”, isto é, estrela do mar, pela profissão da própria fé. “Crê-se com o coração para obter a justiça”, eis a virgem. “Com a boca faz-se a profissão de fé para obter a salvação” (Rm 10,10): eis a estrela que da amargura do mundo guia ao porto da salvação eterna. Essa virgem mora em Nazaré da Galiléia, quer dizer, “na flor da emigração”.
A flor é a esperança do fruto. Com efeito, a alma fiel espera “emigrar”, passar da fé à visão, da sombra à verdade, da promessa à realidade, da flor ao fruto, do visível ao invisível. Dizem os pastores: “Vamos até Belém, porque ali encontraremos bons pastos, o pão dos anjos, o Verbo Encarnado. Lemos em Isaías: “Alegria dos burros selvagens, pastagem dos rebanhos” (32,14). Nos burros selvagens estão simbolizados os justos, cuja alegria será a pastagem dos rebanhos, quer dizer, o esplendor e a felicidade dos anjos, porque junto com os anjos pastarão, isto é, gozarão da visão do Verbo Encarnado. A essa virgem é enviado o anjo Gabriel, cujo nome significa “Deus me confortou”. Nele é indicada a infusão da graça divina e sem o seu conforto a alma desfalece.
Por isso diz Judite: “Dai-me forças, ó Senhor, Deus de Israel, nesta hora”. E, com o punhal, golpeou duas vezes o pescoço de Holofernes e cortou-lhe a cabeça” (13,9-10). Holofernes significa “enfraquece o boizinho engordado”. Nele é representado o pecador que, engordado com a gordura das coisas temporais, é despojado pelo diabo das virtudes e assim se enfraquece e fica doente. A cabeça de Holofernes é a soberba do diabo. Diz Gênesis: “Ela te esmagará a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar” (3,15). No calcanhar é indicado o fim da vida. A Virgem Maria esmigalhou a soberba do diabo por meio da humildade, mas ele a tentou, no calcanhar, durante a paixão de seu Filho. Quem quiser arrancar de si mesmo a soberba do diabo, deve golpeá-lo duas vezes. Esse duplo golpe é a lembrança do nosso nascimento e o pensamento da nossa morte. Quem medita assiduamente sobre esses dois momentos da sua vida arranca de si a soberba do diabo, mas antes é preciso que implore o sustento da graça divina. “Agi virilmente e o vosso coração será confortado” (Sl
30,25). 11. “Entrando o anjo onde ela estava”. Aqui é colocada em evidência a solidão da alma que mora em si mesma, lendo no livro da própria miséria e indo à busca da doçura divina: por isso ela merece ouvir dizer:
“Ave!” O nome de Eva que quer dizer “ai” ou desgraça. Lido ao contrário fica Ave. A alma que se encontra no pecado mortal é Eva, ou seja, “ai” e desgraça, mas se ela se converte à penitência e ouve dizer-lhe Ave, quer dizer “sem ai”. “Cheia de graça”. Quem derrama ainda alguma coisa numa vasilha cheia perde tudo aquilo que nela coloca. Assim também na alma, se ela for cheia de graça, não pode entrar nela a sujeira do pecado. A graça penetra todos os espaços e não deixa nenhum pedacinho vazio em que possa entrar e ficar aquilo que lhe é contrário. Quem tudo compra, tudo quer possuir. E a alma é tão grande que ninguém pode preenchê-la a não ser somente Deus que, como diz São João, “é infinitamente maior que o nosso coração e conhece todas as coisas” (1Jo 3,20).
Uma vasilha bem cheia derrama em todas as partes. Da plenitude da alma recebem todos os sentidos porque, como diz o profeta Isaías, “será de sábado a sábado” (66), quer dizer, da paz interior virá a paz dos sentidos e dos membros. “O Senhor é contigo”. Ao contrário, lemos no Êxodo: “Não irei contigo, porque tu és um povo de cabeça dura” (33,3), isto é, desobediente e soberbo. É como se dissesse: “Eu iria contigo se fosses humilde!” Por isso ao humilde ele promete: “Tu és o meu servo: mesmo que tiveres que atravessar as águas eu estarei contigo e os rios não te submergirão. Se tiveres que atravessar o fogo, não te queimarás, a chama não poderá te queimar” (Is 43,2). Nas águas é simbolizada a sugestão do diabo, nos rios a gula e a luxúria; no fogo, o dinheiro e a abundância das coisas materiais; na chama, a vanglória. O servo, isto é, a pessoa humilde com quem está o Senhor, passa ileso através das sugestões do diabo, porque nem a gula nem a luxúria o cobrem. Quem está com a cabeça totalmente coberta não pode ver, cheirar, falar e ouvir distintamente. Assim, também quem estiver totalmente coberto pela gula e pela luxúria fica privado da faculdade de contemplar, discernir, reconhecer o seu pecado e obedecer. O humilde, mesmo que caminhe através do fogo das coisas temporais, não se queima com a avareza ou com a vanglória. 12. “Tu és bendita entre as mulheres”.
Lê-se na História Natural que as mulheres sentem compaixão bem mais intensamente do que os homens, derramam lágrimas bem mais do que os homens e possuem uma memória muito mais duradoura do que os homens (Aristóteles). Nessas três qualidades são indicadas a piedade com o próximo, a devoção das lágrimas, a lembrança da paixão do Senhor. Lemos no Cântico dos Cânticos: “Coloca-me como um selo em teu coração, uma tatuagem em teu braço, porque forte como a morte é o amor!” (8,6): o teu amor pelo qual morreste! Bem-aventuradas aquelas almas que possuem essas três qualidades. Entre elas é bendita, com o privilégio de uma bênção especial, a alma fiel e humilde, rica de obras de caridade. E em mérito a essa bênção, continua: “Eis que conceberás e darás à luz um filho e lhe porás o nome de Jesus”. Lemos ainda na História Natural que as mulheres grávidas sentem dores, perdem o apetite, a vista fica anuviada. Outras mulheres grávidas não gostam de vinho, porque bebendo-o perdem as forças. Isso acontece também com a alma. Quando, sob a ação do Espírito Santo, concebe o espírito da salvação: começa a arrepender-se de seus pecados, sente repugnância pelas coisas temporais, desagrada-se a si mesma, (este é o significado do anuviamento da vista); acostumada a admirar-se com gosto, não gosta do vinho da luxúria. Por estes sinais poderás julgar se a alma concebeu o espírito da salvação que em seguida dará à luz quando der fruto na luz das obras boas. E a esse fruto dará o nome de “salvação” (Jesus), porque tudo o que faz é em vista da salvação. É a intenção – foi dito – que qualifica a obra. A alma fiel age para agradar a Deus, para obter o perdão dos pecados, edificar o próximo e alcançar a salvação. Digne-se conceder a salvação também a nós Aquele que é bendito pelos séculos dos séculos. Amém. Tradução: Frei Geraldo Monteiro, OFM Conv Sermões de Santo Antônio Ed. Messaggero – Padova,1979 – Volume III, pp158-161

Paixão de Jesus e a Formação da nossa Vida
1. Naquele tempo disse Jesus aos seus discípulos: “Ninguém pode servir a dois senhores” (Mt 6,24). Nós lemos no livro de Tobias que o anjo Rafael lhe disse: “Abre o peixe, pega o coração, o fel e o fígado e coloca-os de lado para ti; são remédios necessários e úteis” (6,5). Vamos ver que significado têm o peixe, seu coração, o fel e fígado. O peixe é a figura de Cristo que diz a Pedro: “Vai mais para o fundo do mar, joga o anzol e o primeiro peixe que vier, pega-o, abre-lhe a boca e encontrarás uma moeda de prata (estatere): pega-a e entrega-lhes por mim e por ti” (Mt 17,26). O peixe, portanto, é figura de Cristo que morou neste mar grande e espaçoso; primeiro, ele foi mais para o fundo, isto é, ele se ofereceu à morte pela nossa redenção, para que aquilo que se encontrou em sua boca, quer dizer, em seu testemunho, fosse dado por Pedro e pelo Senhor. Foi pago exatamente um único preço, mas dividido, porque foi dado por Pedro como pecador, enquanto, que o Senhor não tinha cometido pecado algum. A moeda é o estatere, que vale quatro dracmas, para que fosse manifestada a semelhança na carne, enquanto o Patrão (o Senhor) e o servo são libertados com o mesmo preço. Ou então, o estatere na boca de Cristo é figura da sua misericórdia e da sua justiça. Misericórdia, quando disse: “Vinde a mim vós todos que estais cansados e oprimidos” (Mt 11,28) . Justiça quando dirá: “Ide, malditos, para o fogo eterno” (Mt 25,31). Abre, portanto, o peixe, isto é, medita profundamente sobre a vida de Cristo e ali encontrarás o seu coração, o fel e o fígado. Com o coração nós compreendemos, com o fel nós nos enraivecemos e com o fígado nós amamos. No coração é simbolizada a sabedoria, no fel a amargura e no fígado o amor de Jesus Cristo. Com o sabor da sabedoria que se estende de um confim a outro e governa com bondade excelente todas as coisas (Sab 8,1), tempera a tua insipiência; mistura a amargura da sua paixão aos teus prazeres; coloca o seu amor acima de qualquer outro amor, pois sem o seu amor deve-se dizer dor e não amor. Estes são os remédios úteis à tua alma e se tu os guardares para ti, serás servo não do diabo mas de Deus, não da carne mas do espírito, não do mundo, mas do céu! A sabedoria de Cristo quebra o poder do diabo. Diz Jó: “A sua sabedoria abateu o soberbo” (26,2). O antigo adversário foi derrotado não pela força mas pela sabedoria, porque quando se arrojou temerariamente contra Cristo, em quem não havia nada que lhe dissesse respeito, com razão lhe escapou das mãos o homem sobre o qual quase tinha o direito de dominar. A amargura da paixão de Cristo consegue sufocar até os apetites da carne. Disse alguém: “A lembrança do Crucificado crucifica os vícios!” E sobre isso, olha o sermão do Domingo de Quinquagésima, no Evangelho: “Um cego estava sentado à beira do caminho”. Semelhantemente o contra-veneno do seu amor elimina o veneno das riquezas. Com efeito, está escrito no livro de Tobias que: “a sua fumaça”, isto é, a eficácia do seu amor, “expulsa qualquer espécie de demônio”(6,8), isto é, toda ganância de riquezas que, como demônios, despedaçam e fazem sofrer os homens. Todos os ricos deste mundo são como que endemoniados, se movem de um lado para outro, feitos servos não do verdadeiro mas do falso patrão. É propriamente deles que o Evangelho diz: “Ninguém pode servir a dois senhores”. 2. Considera que queremos dividir o Evangelho de hoje em três partes. A primeira: “Ninguém pode servir a dois senhores”. A segunda: “Eu vos digo: não vos preocupeis!” A terceira: “Procurai em primeiro lugar o Reino de Deus! A primeira trata dos dois senhores, a segunda nos ensina a eliminar qualquer preocupação, a terceira nos manda procurar antes de tudo o Reino de Deus. Observa também que neste Domingo se lê na igreja o livro de Tobias do qual tomaremos alguns passos para ver sua concordância com as três partes do Evangelho. No intróito da missa canta-se o salmo: “Piedade de mim, Senhor, a Vós eu grito o dia inteiro”(85,3). Lê-se depois na Carta de São Paulo apóstolo aos Gálatas: “Se vivemos do Espírito, caminhemos também segundo o Espírito”(5,25). Vamos dividí-la em três partes para ver a sua concordância
com as três partes do Evangelho. A primeira parte: “Se vivemos no Espírito”. A segunda parte: “Levai o peso uns dos outros”. A terceira parte: “Quem semeia no Espírito”. Presta muita atenção porque esta Carta é lida junto com o Evangelho pelo fato que o Senhor, no Evangelho, proíbe as preocupações da alma, isto é, da animalidade; ensina a procurar o Reino de Deus. E Paulo, na carta, ensina a viver segundo o Espírito, ensina a semear não na carne mas no espírito, porque quem semeia no espírito há de recolher a vida eterna. I. Os dois senhores.
3. “Ninguém pode servir a dois senhores: ou odiará a um e amará o outro, ou preferirá um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e à Riqueza!” (Mt 6,2). Pensa que a alma tem duas potências: a razão e a sensualidade que são como que dois senhores. Do domínio da razão, Isaac diz no livro do Gênesis: “Eu o constituí teu senhor e coloquei sob seu serviço todos os seus irmãos” (27,37). E isto acontece quando a própria vontade e os sentidos do corpo são colocados sob o domínio da razão. Com efeito, no mesmo livro, Jacó diz de Judá: “Ele amarra à videira o seu burrinho, e à parreira, meu filho, a sua burra”. (Gn 49,11). Judá é a figura do penitente, a videira é a razão, a parreira o arrependimento, a burra a sensualidade, o burrinho os seus impulsos. Por isso Judá amarra a burra à videira e o burrinho à parreira, quando o penitente domina a sensualidade do coração com o arrependimento e coloca sob o jugo da razão os estímulos da sensualidade.
Em Gênesis trata-se ainda disso na parte em que José diz aos seus irmãos: “Parecia-me que estivéssemos amarrando os feixes de trigo no meio do campo, quando eis que o meu feixe se levantou e ficou em pé e os vossos feixes se colocaram a seu redor e se prostraram diante do meu. Disseram-lhe os seus irmãos: “Por acaso te tornarás nosso rei? Ou nos submeteremos à tua autoridade?” (Gn 37,7-8). O feixe, em latim ‘manípulus’, manípulo, porque se pega com as mãos, é um feixe de ramos de trigo. José é a figura do justo, cujo ‘manípulo’ é a razão que, quando se ergue em pé por meio do desprezo das coisas temporais e permanece imóvel nas alturas da contemplação, os outros feixes, isto é, os sentidos do corpo, se submetem a seu comando. Por isso Isaac diz: “Sê senhor de teus irmãos e prostrem-se diante de ti os filhos de tua mãe”
(Gn 27,29). E Isaías: “Virão a ti, de cabeça baixa, os filhos de teus opressores “, isto é, de desejos da carne “e adorarão as pegadas dos teus pés aqueles que te insultaram” (60,14). E sobre o domínio da sensualidade diz Moisés: “Pois que não serviste o Senhor teu Deus com a alegria e a felicidade do coração no meio da abundância de todas as coisas, servirás a teu inimigo que te colocará sobre o pescoço um jugo de ferro,até que te tiver destruído” (Dt 28,47.48). Pois que Adão não quis submeter-se Àquele que lhe estava acima, não se submeteu a ele aquele que lhe estava abaixo. Aliás, o próprio Adão foi obrigado a servir ao seu inimigo, isto é, ao diabo, ou à sua carne, de quem nenhum inimigo é mais aguerrido em prejudicar; seu jugo férreo, isto é, a sensualidade ou a carnalidade, foi colocado sobre o pescoço da razão. Diz o Eclesiástico: “Como jugo pesado pesa sobre os filhos de Adão desde o dia de seu nascimento!” (40,1). O jugo pesado sobre os filhos de Adão desde o dia de seu nascimento é o pecado original, ou seja, a fome do pecado ou a concupiscência à qual, diz Agostinho, não se deve permitir mandar. E existem os seus desejos, isto é, as concupiscências de cada dia que são as armas nas mãos do diabo que provêm da fraqueza da natureza. Esta fraqueza é o tirano que dá origem aos maus desejos. Queres ouvir como é pesado o jugo dos filhos de Adão?
Escuta o que está escrito nos “Dogmas da Igreja”. Tem como certo, sem nenhuma sombra de dúvida, que todos os homens, concebidos da união do homem e da mulher, nascem com o pecado original, sujeitos à impiedade, destinados à morte, portanto, por natureza “filhos da ira” (Ef 2,3), “da qual ninguém pode se livrar senão por meio da fé no Mediador entre Deus e os homens” Cristo Senhor! Tradução: frei Geraldo Monteiro (Sermões Dominicais e Festivos, volume II, Pádua, 1979, Edições Mensageiro, pp. 221-225)

As três saudações de Paz
“Veio Jesus e, pondo-se no meio deles, lhes disse: A paz esteja convosco”. Tendo dito isso, mostroulhes as mãos e o lado. O discípulos se alegraram ao ver o Senhor. E Jesus lhes disse de novo: ‘A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou, assim também eu vos envio’ ” (Jo 20,19-20). É preciso notar, antes de tudo, que neste trecho do Evangelho é dito por três vezes “A paz esteja convosco” por causa das três pazes que Cristo restabeleceu: – entre Deus e o homem, reconciliando este último com o Pai por meio de seu sangue; – entre o anjo e o homem, assumindo a natureza humana e elevando-a acima dos coros dos anjos; – entre homem e homem, reunindo em si como pedra angular, o povo dos Judeus e o dos Gentios (pagãos). Observe-se também que na palavra PAZ (PAX em latim) há três letras que formam uma só sílaba. Com isso é simbolizada a Unidade e a Trindade de Deus. No “P” é indicado o Pai, no “A”, que é a primeira das vogais, é indicado o Filho que é a voz (o vogal) do Pai. No “X” que é consoante dupla, é indicado o Espírito Santo que procede de ambos (do Pai e do Filho). Quando, portanto, Jesus disse: “A paz esteja convosco”, ele nos recomendou a fé na Unidade e na Trindade. “Veio Jesus e se pôs no meio deles”. O centro é o lugar que compete a Jesus; no céu, no seio da Virgem, na manjedoura da grei e no patíbulo da cruz. No céu: “O Cordeiro que está no meio do trono”, isto é, no seio do Pai, “os guiará e os conduzirá às fontes de água da vida” (Ap 7,17), isto é, à saciedade dos gozos celestes. No seio da Virgem: “Exultai e cantai louvores, habitantes de Sião, porque grande é no meio de vós o Santo de Israel” (Is 12,6). Ó bem-aventurada Maria que és a figura dos habitantes de Sião, isto é, da Igreja, que na encarnação do vosso Filho fundaste o edifício da sua fé, exulta com todo o coração, canta com a boca o teu louvor: “Minha alma glorifica o Senhor!”, porque o grande, o pequeno e o humilde, o santo e o santificador de Israel está no meio de ti, isto é, em teu seio! Na manjedoura da grei: “Serás conhecido entre dois animais” (Hab 3,2 – Glossa). “O boi conhece o seu proprietário e o burro a manjedoura do seu dono” (Is 1,3). No patíbulo da cruz:“Crucificaram junto com Jesus outros dois, de um lado e de outro e Jesus no meio” (Jo 19,18). Veio, pois, Jesus e se colocou no meio deles. “Eu estou no meio de vós – nos diz São Lucas – como aquele que serve (22,27). Ele está no centro de todo coração. Está no centro porque dele, como do centro, todos os raios da graça se irradiam a nós que caminhamos ao seu redor e nos agitamos na periferia. Com tudo isso estão de
acordo as palavras dos Atos dos Apóstolos: “Naqueles dias, Pedro, tendo-se levantado no meio dos irmãos, (estava reunido um grupo de quase cento e vinte homens) disse: “Irmãos…”, etc. e tudo aquilo que aconteceu para a eleição de Matias (cf. Atos 1,1-1). Cristo, ressuscitado dos mortos, colocou-se no meio dos discípulos.
Pedro que, antes de todos, tinha caído renegando-O, levantou-se no meio dos irmãos, indicando com isso a nós que, levantando-nos do pecado, nos colocamos no meio dos irmãos, porque no centro existe o amor que se estende seja ao amigo que ao inimigo. “Veio, pois, Jesus e se colocou no meio dos discípulos e disse: ‘A paz esteja convosco”.
É preciso lembrar que existem três tipos de paz. Em primeiro lugar, a paz do tempo sobre a qual está escrito no livro dos Reis que “Salomão esteve em paz com todos ao seu redor” (com os países limítrofes) (5,4). Segundo, a paz do coração, sobre a qual se diz: “Na paz eu me deito e logo adormeço” (salmo 4,9); e ainda: “A Igreja estava em paz em toda a Judéia, Galiléia e Samaria; crescia e caminhava no temor do Senhor, cheia do conforto do Espírito Santo” (Atos 9,31). Judéia quer dizer “confissão”, Galiléia “passagem” e Samaria “guarda”. Portanto, a Igreja, isto é, a alma fiel, encontra a paz nestas três coisas: na confissão, na passagem dos vícios às virtudes, na guarda do preceito divino e da graça recebida. Desse modo ela cresce e caminha de virtude em virtude no temor do Senhor; não um temor servil mas um afetuoso temor filial; e em toda tribulação sente-se cheia da consolação do Espírito Santo. Terceiro: a paz da eternidade, sobre a qual
diz o salmo: “Ele construiu a paz em teus confins” (147,14). A primeira paz, tu deves ter com o próximo, a segunda contigo mesmo e assim, na oitava da ressurreição, terás também a terceira paz, com Deus no céu! Coloca-te, pois, no meio e terás a paz com o próximo. Se não estiveres no meio, não poderás ter a paz. Com efeito, na “circunferência” não há paz nem tranqüilidade, antes, movimento e volubilidade. Conta-se sobre os elefantes que, quando eles têm que enfrentar um combate, possuem um cuidado todo especial para com os feridos: fecham-nos ao centro do grupo junto com os mais fracos. Assim também tu: acolhe no centro do amor o próximo fraco e ferido. Como fez aquele guarda da cadeia de que se fala nos Atos dos Apóstolos que, tomando à parte Paulo e Silas naquela mesma hora da noite, lavou-lhes os ferimentos, conduziu-os à sua casa, preparou-lhes de comer e ficou imensamente contente junto com toda a sua família por ter acreditado em Deus (cf. Atos 16,33-34). “Jesus colocou-se no meio dos discípulos e lhes disse: ‘A paz esteja convosco!’ Tendo dito isso, mostrou-lhes as mãos e o lado”. Lucas escreve que Jesus disse: “Olhai as minhas mãos e os meus pés: sou eu mesmo!” (24,39).
Conforme meu parecer, o Senhor mostrou aos apóstolos as mãos, o lado e os pés por quatro razões.Primeira, para mostrar que tinha realmente ressuscitado e tirar-nos assim qualquer dúvida. Segunda, porque a pomba, isto é, a Igreja ou mesmo a alma fiel pudesse fazer seu ninho nas suas chagas como que em profundas fendas e assim pudesse proteger-se da vista do gavião que trama ciladas para pegá-la. Terceira, para imprimir em nossos corações os sinais extraordinários da sua paixão. Quarta, mostrou-lhes para que também nós, participando de sua paixão, não O preguemos nunca mais na cruz com os cravos dos nossos pecados. Mostrou-nos, portanto, as mãos e o lado dizendo: “Eis as mãos que vos plasmaram, como foram transpassadas pelos cravos! Eis o peito do qual vós, fiéis, Igreja minha, fostes gerados, como Eva foi procriada do costado de Adão, eis como foi aberto pela lança para abrir-vos as portas do paraíso, guardada pela espada flamejante do anjo querubim. O vigor do sangue que jorra do coração de Cristo, afastou o anjo e tornou inócua a espada e a água apagou o fogo. Portanto, não queirais crucificar-me de novo e profanar o sangue da aliança em que fostes santificados e ultrajar o Espírito da graça. Se prestares bem atenção a estas coisas e as escutares, terás paz contigo mesmo, ó homem! Por isso, o Senhor, após ter-lhes mostrado as mãos e o lado, disse de novo: “A paz esteja convosco! Como o Pai me enviou” à paixão, embora me ame, assim também eu, com o mesmo amor, vos envio ao encontro daqueles sofrimentos aos quais o Pai me enviou. (Sermões de Domingos e Festas, volume I, Pádua, 1979, Edição Mensageiro de Santo Antônio, pp. 235ss)Tradução: Frei Geraldo Monteiro, OFM Conv




As várias ofertas da Virgem Maria
Lemos no Livro dos Juízes: “Água ele pediu, leite ela lhe deu e em uma taça de príncipes ofereceu creme” (5,25). Sísara (chefe do exército de Canaã) significa “exclusão da alegria” e é figura do diabo que, excluído da alegria da vida eterna, procura de todos os modos excluir também os cristãos fiéis. A ele, que pedia a água da concupiscência, a nossa Jael (Maria) ofereceu o leite. Foi por divino conselho que o mistério da encarnação do Senhor permaneceu escondido ao diabo. Vendo que a beata Virgem era casada, estava grávida e deu à luz a um filho e o amamentava, o diabo pensou que também ela fosse sujeita à concupiscência e ao pecado e, por isso, aproximou-se dela para exigir-lhe, como preço, a água da concupiscência. A Virgem, porém, amamentando seu Filho, levou ao engano o diabo e assim matou-o com a estaca da tenda e com o martelo. Na estaca, que serve para fixar e fechar a tenda, é representada a virgindade de Maria. No martelo, que tem a figura de um tau (T), é representada a cruz de Cristo. Jael, portanto, ou seja, a Virgem Maria, matou o inimigo, o diabo, com a virgindade do seu corpo e com a paixão do seu Filho pregado na cruz. Por isso, diz o Livro de Judite: “Uma mulher hebréia, sozinha, cobriu de vergonha a casa do rei Nabucodonosor. Com efeito, eis Holofernes que jaz no chão, decapitado” (14,18). Adonái, Senhor, Deus grande e admirável, a Vós o louvor e a glória, a Vós que nos destes a salvação pela mão da vossa Filha e Mãe, a gloriosa Virgem Maria! No trecho citado no início, prestemos atenção às palavras “ofereceu creme numa taça de príncipes”. São estas palavras que nos deram motivo para as considerações preliminares. Vejamos o que significam a taça, os príncipes e o creme. Na copa é representada a humilde condição do pobre, nos príncipes, os apóstolos; e, no creme, a humanidade de Cristo. Em sua humilde condição de pobreza – que até os “príncipes” (os apóstolos) teriam tido, ricos na fé, mas pobres neste mundo –, Maria ofereceu, no templo, o creme, quer dizer, o Filho que tinha gerado, do qual diz o profeta Isaías: “Nutrir-se-á de mel e coalhada” (7,15). No mel é indicada a divindade; na coalhada, a humanidade do Salvador. Ele nutriu-se de mel e coalhada quando uniu, em si mesmo, a natureza divina e a humana e, por isso, “aprendeu”, isto é, fez com que também nós aprendêssemos a “rejeitar o mal e a escolher o bem” (Is 7,15). Em sua pobreza, Maria ofertou o Filho e, com ele, a oferta dos pobres, isto é, um par de rolas ou duas pombinhas, como prescrevia a lei de Deus. “Quando uma mulher engravidar, e der à luz a um filho homem, será impura por sete dias” (Lv 12,2), à exceção, porém, daquela que deu à luz permanecendo virgem. Nem o Filho nem a Mãe precisavam de ofertas para purificar-se, mas o fizeram para que nós fôssemos libertados do temor da lei, isto é, da prescrição da lei que era observada por medo. E continuava a lei: “Quando os dias de sua purificação se
completarem, isto é, após quarenta dias, deverá oferecer um cordeiro na entrada da tenda. Se não o encontrar ou não tiver a possibilidade de oferecer um cordeiro, oferecerá duas rolas ou duas pombinhas”( Lv 12, 6.8). Esta era a oferta dos pobres, que não tinham a possibilidade de oferecer um cordeiro, e isto é dito porque em tudo deveriam manifestar-se a humildade e a pobreza do Senhor e de sua Mãe. E fazem esta oferta fazem aqueles que são realmente pobres. Observe-se que, se a rola perder o companheiro, ficará sozinha para sempre. Vai embora solitária, não bebe água límpida, não sobe sobre um ramo verde. A pomba também é simples. Tem o ninho mais rústico e pobre entre os demais pássaros, a ninguém fere com as unhas nem com o bico. Não vive de rapinas. Com o bico nutre seus filhotes com o que ela mesma se nutriu. Não come cadáveres. Nunca ataca os outros pássaros nem os mais pequeninos. Alimenta-se de grãos. Esquenta sob as asas, como se fossem seus, os filhotes dos outros. Mora na beira dos rios para defender-se do gavião.
Faz o ninho entre as pedras. Quando a tempestade ameaça, refugia-se no ninho. Defende-se com as asas. Voa em grupo. Seu canto é como um gemido. É prolífica e alimenta os gêmeos. Observe-se também que quando as pombas criam e os pequenos crescem, o macho vai bicar na terra salgada, coloca no bico dos pequenos aquilo que pegou, para que se acostumem à comida. E se a fêmea, pelo sofrimento do parto, demora para voltar, o macho a bica e a empurra com força para dentro do ninho. Também os pobres no espírito, isto é, os verdadeiros penitentes, dado que pecando mortalmente perderam seu “companheiro”, isto é, Jesus Cristo, vivem sozinhos na solidão do espírito e do corpo, longe do tumulto das coisas temporais. Não bebem a água clara dos gozos terrenos, mas aquela turva da dor e do pranto. “A minha alma está perturbada, diz o Senhor. O que direi?” (Jo 12,27). Não sobem nos ramos verdejantes da glória temporal de que diz o profeta Ezequiel: “Levam os ramos no nariz” (8,17). Os escravos da luxúria carregam no nariz o ramo da glória temporal para não sentir o fedor do pecado e o mau cheiro do inferno. Além disso, os verdadeiros penitentes são simples como as pombas. O lugar em que moram e a cama em que dormem é rústica e pobre. Não ofendem ninguém. Aliás, perdoam a quem os ofende. Não vivem de rapina, mas distribuem suas coisas. Confortam e sustentam, com a palavra da pregação, aqueles que lhes são confiados e partilham alegremente com os demais a graça que lhes foi dada. Não se unem aos cadáveres, isto é, ao pecado mortal. Diz o verso: “Alguns cadáveres caíram pela espada, outros de morte natural”. Não escandalizam nem o grande nem o pequeno. Alimentam-se de puro grão, isto é, da pregação da Igreja e não dos hereges, que é impura. Tornam-se tudo a todos, promovem tanto a salvação de estranhos quanto de conhecidos. Amam a todos no coração de Cristo. Vivem à beira dos rios da Sagrada Escritura para se precaverem de longe das tentações do diabo que trama sempre alguma coisa para raptá-los e assim se defendem. Fazem seus ninhos nas fendas da
rocha, isto é, nas chagas do peito de Cristo e, se houver a tempestade da tentação carnal, correm ao peito de Cristo e ali se refugiam e oram com o Profeta: “Sede para mim, ó Senhor, uma torre firme diante do adversário” (Salmo 60,4) e ainda “Sede, ó Deus, a minha proteção” (Salmo 70,3). Não se defendem com as unhas da vingança, mas com as asas da humildade e da paciência. O jeito melhor de vencer – diz o filósofo – é a paciência”; e ainda: “O refúgio das desgraças é a paciência”. Em união com a Igreja, com a comunidade de fiéis junto deles, eles se elevam até as coisas celestes. Seu canto é um gemido. Suas melodias são lágrimas e suspiros. Cheios de boa vontade, nutrem com o máximo escrúpulo os “dois gêmeos”, isto é, o amor de Deus e do próximo. Observe-se ainda que o penitente deve ter duas virtudes: misericórdia e justiça. A misericórdia, por assim dizer, é a fêmea, que guarda os filhotes; a justiça é o macho. A terra salgada é a carne de Cristo, cheia de amargura da qual o penitente deve sugar o amargor e o salgado e colocá-los na boca dos filhotes, isto é, das suas obras, para que, acostumados com tal alimento, vivam sempre na dor e na amargura, “crucificando a carne com seus vícios e concupiscência” (Gal 5,24). Não se esqueça também de que a discrição (prudência) é a mãe de todas as virtudes. Sem ela não se deve oferecer sacrifício. Por isso, se a pomba, isto é, a misericórdia, demora para voltar até seus filhotes (às obras boas) por causa do parto, isto é, da dor, dos gemidos e do arrependimento, a justiça, como macho, deve dirigi-la e guiá-la com uma certa energia, para que nutra os filhotes (as boas obras) e, nutrindo-os, os guarde. O penitente, portanto, arrependa-se de seus pecados, mas de modo tal a não tirar de si mesmo o necessário, sem o que não poderia viver. E, assim, quem oferecer tais rolas e pombas, o sumo sacerdote Jesus Cristo o libertará de qualquer fluxo de sangue, isto é, de qualquer impureza do pecado.
(Sermões de Domingos e Festas, volume II, pp.135-139, Edição Mensageiro de Santo Antônio)Tradução: Frei Geraldo Monteiro, OFM Conv

Jesus intercede por nós junto ao Pai
“Eu roguei ao Pai por vocês: o próprio Pai os ama, porque vocês me amaram e acreditaram que eu saí do Pai” (Jo 16,26). Cristo, sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque, mediador entre Deus e os homens, roga por nós ao Pai. Lemos no livro do Levítico: “O sacerdote rogará por eles e o Senhor lhes será propício” (4,20); e novamente: “o sacerdote rogará por ele e pelo seu pecado e este lhe será perdoado” (4,26). Estão muito bem de acordo com tudo isso as palavras do livro dos Números: “Moisés disse a Aarão: “pega o turíbulo, acende-o com o fogo do altar coloca incenso e dirige-te ao povo para orar por ele: porque a ira do Senhor se acendeu e o flagelo já começou. Aarão cumpriu a ordem: foi ao meio do povo já golpeado pelo flagelo, ofereceu o incenso; e permanecendo entre os mortos e os vivos, orou em favor do povo e o flagelo cessou” (Num 16,46-48). “Disse Moisés a Aarão”, isto é, disse o Pai ao Filho: “Pega o turíbulo” da humanidade que foi feito por obra de Beseleel (Nm 31,1) que quer dizer “sombra divina”, sombra do Espírito Santo no seio da Virgem gloriosa que justamente pelo Espírito Santo foi “sombreada” levando-lhe assim o refrigério e extinguindo nela de maneira total a fome do pecado. “Enche” com o fogo da divindade o turíbulo da humanidade em que morou corporalmente a plenitude da divindade.E justamente diz: “do altar”, porque “eu saí do Pai e vim ao mundo” (Jo 16,28) “E coloca incenso” da tua paixão, e assim, qual mediador rogarás em favor do povo que o incêndio do diabo está devastando atrozmente. E Jesus, obediente à vontade de quem mandara, pegou o turíbulo, correu “à morte e morte de cruz”. E estando “na cruz com os braços abertos, entre os mortos e os vivos”, isto é, entre os dois ladrões, dos quais um foi salvo e o outro condenado – ou também “entre os mortos e os vivos”, isto é, entre aqueles que estavam presos no cárcere do inferno e aqueles que viviam na miséria deste exílio – livrou-os todos do incêndio da perseguição diabólica, oferecendo-se a si mesmo como sacrifício de suave odor. E justamente de si mesmo ele diz: “Eu rogarei ao Pai por vocês”. E João, em sua carta canônica, escreve: “Nós temos um advogado junto ao Pai, Jesus Cristo justo: ele é propiciação – isto é, expiação – pelos nossos pecados” (1Jo 2,1). Por isso é que todos os dias nós O oferecemos ao Pai no sacramento do altar afim de que sempre de novo se ofereça por nossos pecados. Com efeito, nós fazemos como a mulher que tem uma criança pequenina quando o marido nervoso quer agredi-la:
segurando a criança nos braços, coloca-a diante do homem, falando: “Bate nela! Bate nela!” A criança, com lágrimas nos olhos, sofre junto com a mãe. O pai, comovendo-se diante das lágrimas do filho a quem ama intensamente, perdoa a esposa, por causa do filho. Assim também nós: a Deus Pai nervoso com os nossos pecados oferecemos o seu filho Jesus Cristo no sacramento do altar como aliança da nossa reconciliação. E Deus Pai, se não for por nós, pelo menos em consideração a seu Filho amado, afaste de nós os merecidos flagelos e nos perdoe lembrando-se de suas lágrimas, sofrimentos e paixão. O próprio Filho diz por boca do profeta Isaías: “Eu o criei e eu o conduzirei, eu o levarei e o salvarei”(46,4). Observem-se bem os quatro verbos: eu “criei” o homem e o “conduzirei” em meus ombros como uma ovelha perdida e cansada; eu o “levarei” como a mãe carrega a criança nos braços. E que é que pode fazer o Pai senão responder: “Eu o salvarei”? Por isso é que Cristo diz com muita propriedade: “Eu rogarei ao Pai por vocês; o próprio Pai os ama porque vocês me amaram e acreditaram que eu saí do Pai”. Pai e Filho são uma coisa só. O próprio Filho o afirmou: “Eu e o Pai somos uma coisa só” (Jo 10,30). Quem ama o Pai, ama também o Filho, e o Pai e o Filho o amam. No Evangelho de João, com efeito, o Filho diz: “Quem me ama será amado pelo meu Pai e eu também o amarei e me manifestarei a ele (14,21). Por tudo quanto diz respeito a este amor, estão de acordo também as palavras da carta de São Tiago: “Quem fixa o olhar sobre a lei da perfeita liberdade e lhe permanecer fiel, não como quem escuta e se esquece, mas como quem que a coloca em prática, este sim, será feliz em praticá-la” (1,25). A lei da perfeita liberdade é o amor de Deus que torna o homem perfeito em tudo e livre de toda escravidão. Diz o Salmo (36,31), sobre o justo: “A lei do seu Deus está em seu coração”.
Com efeito, no coração do justo está a lei do amor de Deus e por isso diz Deus: “Filho, dê-me seu coração!” (Pv 23,26). Como o falcão tira dos pássaros que apanha, antes o coração e o come, assim também Deus nada procura e nada ama no homem mais do que o coração no qual está a lei do amor e por isso “seus passos não vacilarão” (Sl 36,31). Os passos dos justos são as suas obras ou mesmo os afetos do coração que nunca vacilarão, isto é, nunca cairão no laço da sugestão diabólica nem escorregarão na praça da vaidade mundana. Sobre o laço fala Jó: “Seu pé será preso pelo laço e a sede se lançará contra ele” (18,9). O pé do inimigo está preso no laço da má sugestão e assim lança-se contra ele a sede da cobiça. Sobre a escorregada fala Jeremias: “Nossos pés escorregaram no caminho rumo às nossas praças” (Lm 4,18). Praça vem da palavra grega platós, que significa largura. Nossos pés – ditos aqui em latim “vestigia”, porque por meio deles se investiga, isto é, descobre-se o percurso de quem passou – estão indicando as obras em base
às quais alguém é reconhecido. Na imensidão suja do prazer mundano escorregam as obras dos pecadores, porque caem de pecado em pecado e por fim se arruinam no inferno. Diz o salmo: “Seus caminhos tornem-se escuros e escorregadios e o anjo do Senhor”, isto é, o anjo mau (ele também é criatura de Deus!) “os persiga” (34,6) até que os precipite no abismo do inferno. Ao invés, os passos do justo não vacilam, porque em seu coração está a lei do amor e quem lhe é fiel “encontrará a felicidade em observá-la”. O amor de Deus infunde a graça na vida presente e a felicidade da glória na vida futura. A ela nos conduza Aquele que é bendito nos séculos dos séculos. Amém. “Religião pura e sem mancha diante de Deus, nosso Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas em suas necessidades e conservar-se puros neste mundo” (Tg 1,26). A religião é chamada assim porque por meio dela nós “ligamos” a nossa alma ao único Deus para render-lhe o culto divino. Escutem as pessoas religiosas o que é que diz o Senhor no Apocalipse: “Eu não imporei sobre vocês outros pesos: segurem aqueles que vocês já têm”(2,24), isto é, o Evangelho! E a verdadeira religião consiste nessas duas coisas: na misericórdia e na inocência. Com efeito, ordenando visitar os órfãos e as viúvas, ela sugere tudo o que devemos fazer pelo próximo; e mandando preservar-nos sem mancha neste mundo, mostra-nos tudo aquilo em que nós devemos ser castos. Peçamos, portanto, irmãos caríssimos, a nosso Senhor Jesus Cristo que nos infunda a sua graça com que possamos inclinar-nos e chegar à plenitude da verdadeira felicidade, rogue por nós junto ao Pai, nos conceda a verdadeira religião a fim de que possamos alcançar o reino da vida
eterna. No-lo conceda Aquele que é digno de louvor, princípio e fim, admirável e inefável nos séculos eternos. E toda religião pura e sem mancha diga: Amém, aleluia! (Sermões, Ed. Mens. Sto. Antonio, 1979, V Domingo depois da Páscoa)
Tradução: Frei Geraldo Monteiro, OFM Conv

Quarta-feira de Cinzas início do jejum
1. Naquele tempo disse Jesus aos seus discípulos: “Quando jejuardes, não fiqueis tristes como os hipócritas que desfiguram o rosto para se fazer ver pelos homens que estão jejuando. Em verdade, eu vos digo: eles já receberam a sua recompensa. Tu, ao contrário, quando jejuares, urge a cabeça, lava o rosto para que os homens não vejam que estás jejuando, mas o teu Pai que está no secreto” (Mt 6,16-18).Neste trecho evangélico vamos tratar de dois assuntos: o jejum e a esmola.

I. O jejum
2. “Quando jejuais”. Nesta primeira parte devem-se considerar quatro coisas: • o fingimento dos hipócritas; • a unção da cabeça; • o lavar o rosto; • a ocultação do bem. “Quando jejuais”. Lê-se na História Natural que com a saliva do homem em jejum resiste-se aos animais portadores de veneno; aliás, se uma
cobra o ingere, morre (Plínio). Portanto, no homem em jejum existe verdadeiramente um grande remédio. Adão no paraíso terrestre, até que não comeu (jejum) do fruto proibido, permaneceu na inocência. Eis aí o remédio que mata a diabólica serpente e restitui o paraíso, perdido por culpa da gula. Por isso conta-se que Ester castigou seu corpo com jejuns para fazer cair o orgulhoso Aman e reconquistar aos judeus a benevolência do rei Assuero. Jejuai, portanto, se quiserdes conseguir estas duas coisas: a vitória sobre o diabo e a restituição da graça perdida. Mas “quando jejuais, não fiqueis tristes como os hipócritas”, isto é, não queirais ostentar o vosso jejum com a tristeza do rosto. Hipócrita diz-se também “dourado”, isto é, que tem a aparência do ouro mas, internamente, na consciência é barro. Este é o ídolo dos babilônios (Baal), de quem diz Daniel: “Não te enganes, ó rei, este ídolo, de fora é de bronze; dentro, porém, é só barro” (14,6). O bronze ressoa e pelo aspecto pode quase parecer ouro. Assim também o hipócrita ama o som do louvor e ostenta um pouquinho de santidade.
O hipócrita é humilde no rosto, simples no vestir, submisso na voz, mas lobo em sua mente. Esta tristeza não é segundo Deus. É uma maneira estranha de buscar para si mesmo o louvor, essa de ostentar os sinais da tristeza. Os homens estão acostumados a alegrar-se quando ganham dinheiro. Mas trata-se de negócios diferentes: nestes últimos existe a vaidade, nos outros a falsidade. “Desfiguram-se (em latim exterminant) o rosto”, isto é, desfiguram-no para além dos limites da condição humana. Como se pode orgulhar da beleza das vestes, pode-se também fazê-lo da sua feiúra e falta de cor. Não se deve abandonar nem a uma sem cor exagerada e nem a uma excessiva vaidade: é bom estar na justa medida! “A fim de serem vistos pelos homens…” Qualquer coisa que fazem é apenas, aparência, pintado de um falso colorido. Fazem-no para aparecerem diferentes dos outros e serem chamados “super-homens”, até mesmo por causa da aviltação. “…jejuam”. O hipócrita jejua para receber louvor disso, o avarento para encher o bolso, o justo para agradar a Deus. “Em verdade eu vos digo: já receberam sua recompensa”. Eis a recompensa do prostíbulo, de que diz Moisés: “Não prostituas tua filha” (Lv 19,29). Filha representa as obras deles: colocam-nas no prostíbulo do mundo para receberem a recompensa do louvor. Seria loucura de quem vendesse como uma moeda de chumbo uma preciosa moeda de ouro. Na realidade vende por um preço muito barato algo de grande valor, aquele que faz o bem só para ser louvado pelos homens. 3. “Tu, ao contrário, quando jejuas, unge a cabeça, lava o rosto”. Isto concorda com o que diz Zacarias. “Isto diz o Senhor dos exércitos: O jejum do quarto mês, do quinto, do sétimo e do décimo mês serão para a casa de Judá dias de alegria e felicidade, dias de grande festa” (Zc 8,11). A “casa de Judá” significa “que manifesta” ou “que louva” e representa os penitentes que manifestando e confessando seus pecados prestam louvor a Deus. Destes é e deve ser o jejum do quarto mês, porque jejuam (abstêm-se, de quatro coisas: soberba do diabo, impureza da alma, glória do mundo e injúria ao próximo. “Este é o jejum que eu amo”, diz o Senhor (Is 58,6). O jejum do quinto mês consiste em afastar os cinco sentidos dos pensamentos e prazeres ilícitos. O jejum do sétimo mês é a representação da cobiça terrena; com efeito como se lê que o sétimo dia não tem fim, assim também nem a cobiça do dinheiro chega ao fundo o suficiente. O jejum do décimo mês consiste em deixar de perseguir um fim mau. O final de cada número é o dez: quem quiser contar além tem que começar de novo do um. O Senhor se lamenta pela boca do profeta Malaquias: “Vós me roubais e ainda me dizeis: Em que coisa nós te roubamos? No dízimo e nas primícias (3,8), isto é, na finalidade má e no início de uma intenção perversa. Preste-se atenção, que o profeta coloca o dízimo antes das primícias, porque é sobretudo pela finalidade perversa que é condenada toda a obra precedente. Este jejum transforma-se para os penitentes em alegria da mente felicidade de amor divino e em esplêndida solenidade de celeste convivência. Isto quer dizer ungir a cabeça e lavar o rosto. Unge a cabeça aquele que em seu interior está cheio de alegria espiritual. Lava o rosto aquele que orna as suas obras com a honestidade da vida.
4. O outro sentido. “Tu, ao contrário, quando jejuas…”. São muitos os que nesta Quaresma, jejuam e no entanto continuam em seus pecados. Estes não ungem a cabeça. Há um triplo unguento: o lenitivo (sedativo), o corrosivo e o “pungitivo”. O primeiro é produzido pelo pensamento da morte, o segundo pelo pensamento da presença do futuro Juiz e o terceiro pelo pensamento da geena. Há a cabeça coberta de furúnculo, verrugas e bentiligo. O furúnculo é uma pequena protuberância superficial cheia de podridão (pus); verruga é uma
excrescência de carne supérflua, pelo que verruguento pode significar também “supérfluo”; o bentiligo é uma casca seca que deturpa a beleza. Nestas três doenças estão indicadas a soberba, a avareza e a luxúria obstinada. Tu, ó soberbo, recoloca diante dos olhos da tua mente a corrupção do teu corpo, a podridão e o fedor que terá. Onde estará, então, aquela tua soberba do coração, aquela tua ostentação de riquezas? Aí, então, não existirão mais as palavras cheias de vento, porque a bexiga murcha ao mínimo toque do alfinete.
Estas verdades, meditadas no íntimo de cada um, ungem a cabeça feridenta, isto é, humilham a mente orgulhosa. Tu, ó avarento, lembra-te do último exame, onde haverá o Juiz justo, estará a carnífice pronto a atormentar, os demônios que acusam, a consciência que remorde. “Então a tua prata será jogada fora, o ouro se tornará sujeira, o teu ouro e a tua porta não poderão livrar-te do dia da ira do Senhor (Ez 7,19). Estas verdades, meditadas com atenção, destróem e tiram as verrugas do supérfluo e os dividem entre aqueles que nem o necessário têm. Por isso, quando jejuas, unge tua cabeça com este unguento, para que o que tiras de ti mesmo seja dado ao pobre. E tu, ó luxurioso, começa a pensar na geena do fogo inextinguível, onde haverá morte sem morrer, fim sem terminar, onde se procura mas não se encontra a morte, onde os condenados engolirão a língua e amaldiçoarão o Criador. Lenha daquele fogo serão as almas dos pecadores e o sopro da ira de Deus as incendiará. Diz Isaías: “Desde ontem”, isto é, desde toda a eternidade, “está preparado o Tofet”, a geena do fogo, “profundo e vasto. Fogo e muita lenha são seu alimento; o sopro do Senhor o acenderá como torrente de enxofre” (Is 30,33). Eis o unguento que punge, que penetra, capaz de sarar a mais obstinada luxúria. Como prego tira prego, assim estas verdades, meditadas assiduamente, são em grau de reprimir o estímulo da luxúria. Tu, portanto, quando jejuas, unge a cabeça com este unguento.
5. “Lava o rosto”. As mulheres, quando querem sair em público, ficam na frente do espelho e se descobrirem alguma mancha no rosto, logo se limpam com água. Assim também tu, olha no espelho da tua consciência. E se encontrares alguma mancha de pecado, vai imediatamente à fonte da confissão e, quando
na confissão se lava com lágrimas o rosto do corpo, também o rosto rosto da alma fica limpo e iluminado.
Uma observação: as lágrimas são luminosas na escuridão, são quentes contra o frio, são salgadas contra o fedor do pecado. “Para que os homens não vejam que estás jejuando”. Faz jejum para os homens quem busca os aplausos deles. Faz jejum para Deus quem sofre por seu amor e partilha com os outros aquilo que tira de si mesmo. “Mas só o teu Pai que está no secreto”. Acrescente-se: o Pai está no secreto por causa da fé e recompensa aquilo que é feito em secreto. Portanto, deve-se jejuar somente lá onde ele vê. E é preciso que quem jejua, jejue de tal modo que agrade àquele que carrega no coração. Amém.

II. A esmola
6. “Não acumuleis para vós tesouros sobre a terra, onde a traça e a ferrugem corroem e onde os ladrões assaltam e roubam” (Mt 6,19). A ferrugem corrói os metais, a traça corrói as roupas; o que se salva destes dois flagelos, os ladrões roubam. Com estas três expressões é condenada toda forma de avareza. Vejamos o significado moral das cinco palavras: terra, tesouros, ferrugem, traça e ladrões. A terra, assim chamada porque se seca (em latim “torret”) pela seca natural, representa a carne que é de tal modo sedenta que nunca diz: chega! Tesouros são os preciosos sentidos do corpo. A ferrugem, doença do ferro, assim chamada do verbo latim “eródere”, indica a impureza que, enquanto parece agradar, acaba com a beleza da alma e a corrói. A traça, assim chamada porque “segura”, indica o orgulho ou então a ira. Os ladrões (em latim
“fures”, de furrus = obscuro), que trabalham na escuridão da noite, representam os demônios. Portanto, se carregamos alguma coisa na carne, escondemos os tesouros na terra, quer dizer: enquanto usamos os preciosos sentidos do corpo nos desejos terrenos ou da carne, a ferrugem; isto é, a impureza, os corrói. Além disso, o orgulho, a ira e demais vícios destróem a roupa dos bons costumes e, se sobrar ainda alguma coisa, os demônios a roubam, pois estão sempre interessados justamente nisso: roubar os bens espirituais. “Acumulai-vos de tesouros no céu”. Imenso tesouro é a esmola! Diz S. Lourenço: “As mãos dos pobres é que colocaram nos tesouros celestes as riquezas da Igreja!” Acumula tesouros no céu quem dá a Cristo e dá a Cristo quem dá ao pobre: Aquilo que fizestes a um destes mais pequeninos, o fizestes a mim! (Mt 25,40).
“Esmola” é uma palavra grega que em latim se diz “misericórdia”. Por sua vez misericórdia significa “que irriga o mísero coração”. O homem irriga o pomar para colher os frutos. Tu, também, irriga o coração do pobre miserável através da esmola que é chamada água de Deus para obter seus frutos na vida eterna. Seja o pobre o teu céu! Coloca nele o teu tesouro, para que nele esteja sempre o teu coração. E isso, sobretudo agora, durante a santa Quaresma. Onde está o coração, aí também está o olho; e onde estão o coração e o olho, alí também está a inteligência, sobre a qual diz o salmo: “Feliz aquele que atende (“intelligit” = tem cuidado) ao mísero e ao pobre” (40,2). Daniel disse a Nabucodonosor: “Seja-te aceito, ó rei, o meu conselho: desconta teus pecados com a esmola, desconta tuas maldades com obras de misericórdia para com os
pobres” (Dn 4,24). Muitos são os pecados, muitas são as maldades e por isso, muitas devem ser as esmolas e muitas as obras de misericórdia para com os pobres. Assim resgatado por elas da escravidão do pecado, possais voltar livres à pátria celeste. Vo-lo conceda Aquele que é bendito nos séculos. Amém.
7. Lê-se no Livro dos Juízes que “Gedeão invadiu os acampamentos de Madiã com tochas, trombetas e ânforas” (7,16…) Isaías também diz: “Eis o Dominador, o Senhor dos exércitos quebrará com o terror a broca de barro; os de alta estatura serão cortados e os poderosos serão humilhados. O centro da selva será destruído a ferro e o Líbano cairá com seus altos cedros” (10,33-34). Vejamos o significado moral de Gedeão, tochas, trombeta e ânforas. Gedeão quer dizer “que gira no útero” e indica a pessoa penitente que, antes de se apresentar à confissão, deve girar no útero da sua consciência em que foi concebido e gerado o filho da vida ou da morte. Ela tem que pensar se já se confessou de todos os seus pecados; e se, depois de ter se confessado, recaiu nos mesmos pecados, e quantas vezes; porque neste caso foi muito, mas muito mesmo mais ingrato para com a graça de Deus. Se transcurou a confissão e por quanto tempo permaneceu em pecado sem confessar-se, e se, com pecado mortal, recebeu o corpo do Senhor. Portanto, a pessoa penitente, ouvindo o Senhor que diz “fazei penitência”, deve julgar a si mesma por todos os dias de sua vida, para ver se ela é “Israel”, isto é, alguém que vê a Deus. Todos os anos, durante a Quaresma, deve analisar a própria consciência, que é a casa de Deus e tudo aquilo que nela encontrar de nocivo ou supérfluo deve
circuncidar na humildade da contrição; e deve também considerar o tempo passado, procurando com diligência aquilo que cometeu, omitiu e, depois disso, voltar sempre ao pensamento da morte que deve ter diante dos olhos, aliás, morar mesmo neste pensamento.
8. A pessoa penitente, como atento explorador, feito assim o giro, deve logo acender a lâmpada que arde e ilumina: nela é indicado o coração contrito o qual, pelo fato de arder também ilumina. E eis o que pode fazer a verdadeira contrição. Quando o coração do pecador se acende com a graça do Espírito Santo, ele arde pela dor e ilumina pelo conhecimento de si mesmo; e então, a consciência, cheia de tribulações e remorsos, e a atormentada impureza é destruída porque seja interna que externamente a paz volta a florescer. E o esplendor do luxo deste mundo, a dissolutez carnal são destruidos desde a alma até a carne, porque tudo o que houver de imundo tanto na alma como no corpo, é queimado pelo fogo da contrição. Feliz aquele que queima e ilumina com esta lâmpada! Dela diz Jó: “lâmpada desprezada nos pensamentos dos ricos, preparada para o tempo estabelecido” (12,5). Os pensamentos dos ricos deste mundo são: guardar as coisas adquiridas e suar para adquirir mais ainda. Por isso, raramente ou nunca se encontra neles a verdadeira contrição. Eles desprezam-na porque fixam sua alma nas coisas passageiras. Com efeito, enquanto procuram com tanto ardor o prazer das coisas materiais, esquecem-se da vida da alma que é a contrição e assim caminham ao encontro da morte. Diz a História Natural que a caça dos cervos se faz assim: dois homens saem, um deles toca a trombeta e canta, o cervo segue o canto porque sente uma atração por ele. No entanto, o segundo homem dispara a flecha, atinge-o e o mata. Assim também acontece com a caça dos ricos. Os dois homens são o mundo e o diabo. O mundo, diante do rico, toca a trombeta e canta porque lhe mostra e promete os prazeres e as riquezas. E enquanto o rico estulto segue-o encantado, já que encontra prazer nessas coisas, é morto pelo diabo, levado à cozinha do inferno para ali ser fervido e assado. 9. Eis, porém, que chega o tempo da Quaresma, instituído pela Igreja para perdoar os pecados e salvar
as almas: na Quaresma prepara-se a graça da contrição que agora está à porta espiritualmente e bate. Se quiseres abrir e acolhê-la ceará contigo e tu com ela. E aí, sim, começarás a tocar a trombeta de maneira maravilhosa. Trombeta é a confissão do pecador contrito. Feita a confissão, deve ser dada a satisfação ou
penitência indicada na ruptura da ânfora ou do vaso de barro. É desprezado o barro, o corpo acaba por sofrer; Madiã é interpretada como “do juízo” ou “iniquidade”, isto é, o diabo que, pelo juízo de Deus, já é condenado, é derrotado e a sua iniquidade arrasada. E é isso que diz o profeta Isaías: “Os de estatura alta”, isto é, os demônios “serão cortados” e “os poderosos”, isto é, os homens orgulhosos “serão humilhados” e “o centro da selva”, isto é, a ganância das coisas materiais “será destruída pelo ferro” do temor de Deus; “e o Líbano”, isto é, o esplendor do luxo mundano “com os seus altos cedros”, isto é, as nulidades, os enganos e as aparências, “cairá”. Atenção! A satisfação, a penitência consiste em três coisas: • na oração, naquilo que diz respeito a Deus, • na esmola, no que diz respeito ao próximo, • no jejum, no que diz respeito a si mesmos. E tudo isso para que a carne que, pelo prazer, conduziu ao pecado, pela expiação conduza ao perdão. E isso digne-se conceder-nos Aquele que é bendito nos séculos. Amém.
(Sermões, vol. III, pg. 139ss) Tradução: frei Geraldo Monteiro, OFM Conv

A incredulidade de Tomé
“Tomé, um dos doze, chamado Dídimo, não estava com eles quando veio Jesus. Então os outros discípulos lhe disseram: ‘Nós vimos o Senhor. “Mas ele lhes disse: ‘Se eu não vir em suas mãos a chaga dos pregos e não colocar os meus dedos no lugar dos pregos e as minhas mãos no seu peito, não acreditarei” (Jo 20,24-25). Tomé quer dizer “abismo” porque, duvidando, alcançou um conhecimento mais profundo e assim sentiu-se mais seguro. Dídimo é uma palavra grega que significa “duplo”, por isso duvidoso (cético). Não foi por acaso, mas por desígnio divino que Tomé não estava com os discípulos e não quis crer naquilo que ouvia contar. Ó ‘desígnio divino! Ó santa dúvida do discípulo! “Se eu não enxergar em suas mãos…” Ele desejava ver reconstituída a tenda de Davi que tinha caído e sobre a qual o Senhor, por boca de Amós, diz: “Naquele dia eu reerguerei a tenda de Davi que caiu e reedificarei as aberturas de suas muralhas (9,11). Em Davi, que quer dizer “de mão forte”, devemos ver a divindade. Na tenda, o corpo do próprio Cristo em que, como numa tenda, habitou a divindade: ‘tenda que caiu com a paixão e com a morte. Por “aberturas” das muralhas pode-se entender as chagas das mãos, dos pés e do peito: o Senhor as reedificou na sua ressurreição. Sobre elas é que Tomé diz: “Se eu não vir em suas mãos as chagas…” O Senhor misericordioso não quis abandonar em sua honesta dúvida aquele discípulo que se tornaria um “vaso de eleição”: tirou-lhe toda sombra de dúvida, misericordiosamente, como tiraria depois a Saulo a cegueira da infidelidade. E eis a concordância nos Atos dos Apóstolos.
Diz Ananias: “Saulo, meu irmão! O Senhor Jesus enviou-me a ti, o mesmo que te apareceu no caminho em que vinhas vindo, a fim de que tu recobres a vista e sejas repleto de Espírito Santo. E improvisamente caíram-lhe dos olhos umas como que escamas e ele recuperou a visão. Levantou-se e foi batizado. Tomou
alimento e sentiu-se fortificado” (At 9,17-19). Realizou-se assim a profecia de Isaías (65,25): “O lobo irá ao pasto junto com o cordeiro”, isto é, Saulo com Ananias que justamente quer dizer “cordeiro”. O corpo da cobra se cobre de escamas. Os Judeus são “as cobras e raça de víboras”. Saulo, imitando a falta de fé dos Judeus, tinha como que recoberto de pele de cobra os olhos do coração, mas depois, caídas as escamas sob a mão de Ananias, manifesta no rosto a luz que recebeu na alma. Assim, sob a mão de Ananias, isto é, de Jesus Cristo que foi conduzido ao sacrifício como um cordeiro. Caíram as escamas da dúvida dos olhos de Tomé e ele recuperou a visão da fé. Profissão de fé de Tomé: confirmação da nossa fé! “Oito dias depois os discípulos estavam de novo em casa; desta vez estava também Tomé. Veio Jesus, com as portas fechadas, colocou-se no meio deles e disse: “Paz a vós!” (Jo 20,26). Não quero explicar de novo aquilo que já foi explicado. “E Jesus disse a Tomé: coloca o teu dedo e olha as minhas mãos; estende a mão e coloca-a no meu peito; não sejas incrédulo, mas tem fé! Respondeu-lhe Tomé dizendo: “Meu Senhor e meu Deus!” E Jesus lhe disse: “Porque me viste, creste. Bem-aventurados os que, mesmo sem terem visto, creram (Jo 20,27-29). Diz o Senhor por boca de Isaías: “Eu te desenhei em minhas mãos (49,16).
Observe-se que, para escrever, são necessárias três coisas: papel, tinta e caneta. As mãos de Cristo eram o papel, seu sangue a tinta, e os cravos a caneta. Cristo, portanto, desenhou-nos em suas mãos por três motivos. Em primeiro lugar, para mostrar ao Pai as cicatrizes das chagas que tinha sofrido por nós e induzi-lo assim à misericórdia. Depois, para não esquecer-se nunca de nós e por isso ele mesmo diz por boca de Isaías: “Pode talvez uma mulher esquecer sua criança e não ter piedade do filho do seu ventre? Mesmo que ela se esqueça, eu não me esquecerei de ti. Eis, eu te desenhei em minhas mãos” (49,15-17). Em terceiro lugar, ele escreveu em suas mãos como nós devemos ser e em que devemos crer. Portanto, não sejas incrédulo, ó Tomé, ó cristão, mas tem fé! “Exclamou Tomé: ‘Meu Senhor e meu Deus!’ etc. Respondendo-lhe, o Senhor não disse: “Pois que tocaste” mas “porque viste”, porque a visão é em certo modo um sentido “global” que em geral é de ajuda aos outros quatro. Diz a Glossa: “Talvez não ousou tocar, mas somente olhou ou talvez olhou também tocando. Via um homem e tocava e, para além disso, eliminada toda dúvida, creu que era Deus, professando assim aquilo que não via. “Tomé, viste-me “homem” e creste-me “Deus”!
“Bem-aventurados os que, mesmo sem terem visto, creram. Com estas palavras Jesus louva a fé dos gentios (pagãos), mas usa o tempo passado porque na sua “presciência” via já como acontecido aquilo que haveria de acontecer no futuro. Disso nós entremos, uma confirmação nos Atos dos Apóstolos quando Felipe interrogou o eunuco, funcionária de Candace, rainha da Etiópia: “Crês de todo coração? E ele respondeu:
“Creio que Jesus Cristo é o Filho de Deus!” E o batizou (8,38). O mesmo se diga onde se fala do centurião Cornélio que Pedro batizou juntamente com toda sua família, em nome de Jesus Cristo. Estes dois que creram em Cristo, prefiguraram a Igreja dos gentios (pagãos) que haveria de se regenerar no sacramento do batismo e crer no nome de Jesus Cristo. É a eles que Pedro fala hoje com as palavras da entrada da missa e diz: “Como crianças recém-nascidas, desejai razoáveis o leite sem engano (= puro) da palavra”(1 P 2,2).
Criança, em latim infans, é assim chamada porque não sabe falar (fari=falar). Os fiéis da Igreja, gerados pela água e pelo Espírito Santo, devem ser in-fantes, não falantes, isto é, que não falam a língua do Egito do qual diz o profeta Isaías: “O Senhor recusará a língua do mar do Egito” (11,15). Com a língua indica a eloqüência, com o mar a sabedoria filosófica e com o Egito o mundo. O Senhor, portanto, recusa a língua do mar do Egito quase, através dos simples e não eruditos, demonstra que a sabedoria do mundo é árida e sem sabor. “Razoáveis, sem engano”. Razoável é aquilo que se faz com a razão. A razão é o olhar da alma, com o qual o verdadeiro é contemplado por si mesmo e não através do corpo ou então é o próprio verdadeiro que é contemplado (Santo Agostinho) Razoáveis, portanto, no que diz respeito a Deus e a nós mesmos, sem engano no que diz respeito ao próximo. “Desejar o leite”. O leite de que fala Agostinho: “O pão dos anjos tornou-se leite dos pequeninos”. O leite (em latim Pac) é chamado assim pela sua cor. Com efeito é um líquido branco. Branco em grego se diz ‘leukós’, em latim albus. A sua substância é produzida pelo sangue, pois, após o parto, se uma parte do sangue ainda não foi consumida para a nutrição no útero, por vias naturais, ela sobe até aos mamilos e tornando-se branco por obra deles, assume a natureza e a substância do leite. E daquele momento, torna-se alimento de todo recém-nascido, porque a substância através da qual acontece a geração é a mesma da nutrição: o leite, com efeito é como o sangue fervido, digerido, não corrompido (Aristóteles). No sangue, que tem um aspecto horrível, é apresentada a ira de Deus. No leite, ao invés, que tem sabor doce e cor agradabilíssima, é representada a misericórdia de Deus. O sangue da ira foi mudado em leite de misericórdia no peito, isto é, na humanidade de Jesus Cristo. É assim que diz o Profeta:
“Mudou os raios em chuva” (Salmo 134,7). Os raios da ira divina transformaram-se em chuva de misericórdia, quando o Verbo se fez carne. O eunuco etíope e o centurião Cornélio são figuras dos pecadores convertidos. Cornélio quer dizer “que entende a circuncisão”. Com justiça, Cornélio e o eunuco têm algo em comum: com efeito os penitentes “tornaram-se eunucos pelo reino dos céus, quer dizer, circuncidam, eliminam de si mesmos os desejos carnais e, crendo no nome de Jesus Cristo, lavam-se na fonte viva do arrependimento e renovam-se no batismo da penitência. Fazem como os elefantes, dos quais diz Solino. “As fêmeas antes dos dez anos ignoram o sexo; os machos, antes do quinze. Por dois anos mantêm relações cinco vezes por ano e não mais. E não voltam entre os companheiros do grupo sem antes se lavarem em águas vivas da fonte.”
Assim também os penitentes e os justos, se caíram em algum pecado, envergonham-se de voltar ao número dos fiéis se antes não se lavarem nas águas vivas das lágrimas e da penitência. Peçamos, portanto, irmãos caríssimos, e supliquemos à misericórdia de Jesus Cristo para que, venha e se firme no meio de nós, extirpe do nosso coração toda dúvida e imprima em nossa alma a fé na sua paixão e ressurreição, a fim de que, juntamente com os apóstolos os fiéis da Igreja, possamos alcançar a vida eterna. No-lo conceda aquele que é bendito, digno de louvor e glorioso pelos séculos eternos. E toda alma fiel responda: Amém. Aleluia!(Sermões, vol I, pp. 241-246) Tradução: Frei Geraldo Monteiro, OFM Conv

Haverá um só rebanho e um só pastor
“Tenho ainda outras ovelhas que não são deste rebanho; também a elas eu devo conduzir: e elas escutarão a minha voz e haverá um só rebanho e um só pastor” (Jo 10,16). A ovelha, um animal macio no corpo e na lã, é chamada em latim “óvis”, de oblação, oferta, porque no início não se ofereciam em sacrifício
touros e sim ovelhas. Ovelhas são os fiéis da Igreja de Cristo que todos os dias sobre o altar da paixão do Senhor e no “sacrifício” do coração arrependido oferecem-se a si mesmos qual hóstia pura, santa e agradável a Deus. “Tenho outras ovelhas”, isto é, os gentios, os pagãos, “que não são deste rebanho”, não são do povo de Israel; “também a estas eu devo conduzir” por meio dos apóstolos e “haverá um só rebanho e um só pastor”. E esta é a Igreja reunida e formada por ambos os povos. Esta é a mulher de que fala o Apocalipse;
“Apareceu no céu um sinal grandioso: uma mulher vestida de sol, com a lua sob seus pés e na cabeça uma coroa de doze estrelas. Estava grávida e gritava pelas dores e trabalho de parto” (Ap 12,1-12). Sentido alegórico. Esta mulher representa a Igreja que de bom alvitre é chamada “mulher”, porque fecunda de muitos filhos que gerou pela água e pelo Espírito Santo. Esta é a mulher vestida de sol . O sol é assim chamado por que ele aparece sozinho, depois de ter obscurecido com o seu fulgor todas as demais estrelas. O sol é Jesus Cristo! Ele habita numa luz inacessível cujo esplendor vela e obscurece os frágeis raios de todos os santos, se forem comparados a ele, porque “não há santo como o Senhor” (1R 2,2). Diz Jó: “Mesmo que eu me lavasse com as águas da neve e minhas mãos brilhassem como nunca, assim mesmo tu me jogarias no lodo e minhas próprias roupas teriam horror de mim (Jó 9,30-31). Nas águas da neve é representada o arrependimento das lágrimas e nas mãos que brilham a perfeição do agir. Diz, pois: mesmo se eu me lavasse com as águas da neve, isto é, do arrependimento, e minhas mãos brilhassem com o esplendor de uma conduta perfeita, mesmo assim me jogarias no lodo, isto é, me farias ver que sou ainda sujo e teriam horror de mim, isto é, me tornariam abominável, as minhas vestes, quer dizer, as minhas qualidades ou os membros do meu corpo, se quisesses tratar-me com rigor: mas, ajuda-me, tu, ó Senhor! Diz Isaías: “Todos nós nos tornamos sujos”, isto é, como um leproso; “todas as nossas justiças são como o pano de mulher menstruada; todos nós caímos como folhas e as nossas maldades nos levaram como vento” (64,6). Por isso o único bom, o único justo e santo é aquele sol de cuja fé e de cuja graça a Igreja é vestida. “E com a lua sob seus pés”. A lua, por causa das variações de seu aspecto. Está indicando a instabilidade da nossa mísera condição. Daqui o dito: “O jogo de sorte muda que nem a lua: cresce e diminui, nunca fica a mesma”. Por isso o Eclesiástico diz: “O estulto muda como a lua” (27,12). O estulto, isto é, o seguidor deste mundo, passa dos “chifres” (forma
da lua no primeiro e último quarto) da soberba à “forma arredondada” da concupiscência carnal e vice-versa.
Esta inconstante prosperidade das coisas caducas deve ser posta sob os pés da Igreja. Os pés da Igreja são todos os prelados que devem conduzí-la como os pés conduzem e sustentam o corpo. E sob estes pés devem ser pisados como esterco todas as coisas temporais. Por isso lemos em Atos: “Todos os que possuíam campos ou casas os vendiam, traziam a importância daquilo que tinha sido vendido e a depositavam aos pés dos Apóstolos” (4,34) porque consideravam como esterco todas aquelas coisas. “Tinha sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas”. As doze estrelas são os doze Apóstolos que iluminam a noite deste mundo. “Vós sois – diz o Senhor – a luz do mundo” (Mt 5,14). A coroa, assim chamada porque é como uma roda em volta da cabeça, de doze estrelas é a fé dos doze apóstolos; e é coroa porque não tolera acréscimo ou diminuição, como todo círculo: e isso porque é completa e perfeita.
A Igreja tem filhos, concebidos como a semente da palavra de Deus, grita pelas dores nos penitentes e sofre no parto pelos esforços de converter os pecadores. Por isso ela, com as palavras de Baruc, diz: “Fui deixada sozinha; me despojei da estola da paz e me vesti com o saco da súplica e gritarei ao Altíssimo por todos os meus dias. Animai-vos, filhos, gritai ao Senhor e ele vos livrará das mãos e do poder dos inimigos.
Ele vos fez partir no luto e no choro, mas vos reconduzirá a mim, o Senhor, na alegria e exultação” (4,19-23).
E isto acontece no dia das Cinzas quando os penitentes são convidados a ficarem fora da igreja e no dia da Ceia do Senhor quando são ali acolhidos. Sentido moral. “Uma mulher vestida de sol”. É a alma fiel de quem diz Salomão: “Quem encontrará uma mulher forte? Seu valor é como aquele das coisas trazidas de longe e da extremidade da terra” (Pv 31,10). Feliz a alma que, revestida pela força do alto, resiste impávida na adversidade e na prosperidade e derrota com coragem os poderes do ar. O valor, o preço desta mulher foi Jesus Cristo que por sua redenção veio de longe; do seio do Pai, em sua divindade e da extremidade da terra, quer dizer, de parentes paupérrimos, em sua humanidade. Ou ainda: por “preço” entendam-se as virtudes. Com este preço se é resgatado, redimido. Diz Salomão: o resgate do homem são suas riquezas (Pv 13,8), isto é, as virtudes (riquezas espirituais) . As virtudes vêm de longe, isto é, do alto; os vícios, ao invés, são nossos familiares, porque provêm de nós mesmos. Esta mulher é vestida de sol. Observe-se que no sol existem três qualidades: candura, esplendor e calor. Na candura é significada a castidade, no esplendor a humildade e no calor a caridade. Com estas três virtudes se confecciona o manto da alma fiel, da esposa do celeste esposo.
Sobre este manto diz Booz a Rute: “Alarga o manto com que te cobres e segura-o com todas as duas mãos.
Ela o estendeu e o segurou estendido e ele colocou seis medidas de cevada e pôs-lhe nos ombros” (Rt 3,15). Booz quer dizer “forte”, Rute “que se vê e tem pressa”. Vejamos o significado da extensão do manto, as duas mãos e as seis medidas de cevada. Rute é a alma que, vendo a miséria deste mundo, a falsidade do diabo, a concupiscência da carne, apressa-se na direção da glória da vida eterna. Alarga este manto quando atribui não a si mas a Deus a sua castidade, a humildade e a caridade e mostra estas virtudes unicamente para a
edificação do próximo. E, para não perdê-las, segura-as com as duas mãos, isto é, com o temor e com o amor de Deus. Nós Vos pedimos, Senhor Jesus, Vós que sois o bom pastor: Guardai-nos como vossas ovelhas, Defendei-nos dos mercenários e do lobo E coroai-nos no vosso Reino Com a coroa da vida eterna. Dignai-vos conceder-nos Vós que sois bendito, glorioso, E digno de louvor por todos os séculos do séculos. E toda ovelha, E toda alma fiel diga: Amém. Aleluia! (Sermões, vol. I, p. 272 e ss, Ed. Mess. Padova, 1979 – II Domingo de Páscoa) Tradução: Frei Geraldo Monteiro, OFM Conv

Circuncisão do Senhor
2. Depois que se completaram os oito dias para ser circuncidado o menino (Lc 2,21). Nesta primeira parte somos ensinados, em sentido místico, como todos os justos, na ressurreição final, serão circuncidados de toda corrupção. Mas porque ouvistes a palavra circuncidado a respeito do Verbo circuncidado, falaremos brevemente da sua circuncisão. Cristo foi circuncidado só no corpo, porque nada tinha para ser circuncidado no espírito, pois não cometeu pecado e não se encontrou mentira na sua boca (1Pd 2,22). E nem sequer contraiu o pecado (original) porque, como diz Isaías, subiu uma nuvem leve (Is 19,1), isto é, assumiu uma carne imune de pecado. Vindo para os seus, porque os seus não o haviam de receber (Jó 1,11), teve de ser circuncidado, a fim de que os judeus não tivessem nenhum pretexto contra ele, dizendo: és incircunciso, deves desaparecer do teu povo, porque segundo o Gênesis, o macho, cuja carne do prepúcio não for circuncidada, perecerá do seu povo (Gn 17,14). És transgressor da lei, não queremos ouvir-te falar contra a lei. É, portanto, circuncidado, pelo menos por três motivos: primeiro, para cumprir a lei – teve de observar o mistério da circuncisão até que fosse instituído o sacramento do batismo -; segundo, para tirar dos judeus a ocasião de o caluniarem; e terceiro, para nos ensinar a ter coração circunciso, da qual diz o Apóstolo São Paulo: a circuncisão do coração está no espírito e não na letra, e o louvor dele procede não dos homens mas de Deus (Rm 2,29).
3. Depois que se completaram os oito dias. Vejamos o que significam as três palavras: o oitavo dia, o menino e a sua circuncisão. A nossa vida se desenvolve, por assim dizer, em sete dias; vem depois o oitavo da ressurreição final. Diz o Eclesiastes: Reparte com sete e mesmo com oito, porque não sabes os males que te podem vir sobre a terra (11,12). Como se dissesse: dedica os sete dias da tua vida às boas obras, porque receberás por eles recompensa no oitavo da ressurreição; neste dia sobrevirá um mal enorme sobre a terra, ou seja, para aqueles que amam a terra, que é ignorado por todo o homem. Na eira correrá o vento, os grãos serão separados da palha (cf Mt 3,12; Lc 3,17) e as ovelhas dos bodes (cf Mt 25,32). O vento na eira significa a separação do juízo final. Os grãos são os justos que serão acolhidos no celeiro celestial. Diz Jó: Irá para o sepulcro com muitos anos, como se amontoa o trigo a seu tempo (Jó 5,26). O sepulcro é a vida eterna, onde os justos entrarão cheios das boas obras, e estarão a salvo dos ataques dos demônios, como um que se esconde num sepulcro para fugir da presença dos homens. A palha, isto é, os soberbos, superficiais e inconstantes, serão queimados no fogo. Desses diz Jó: Serão como palhas em face do vento e como a cinza que o redemoinho espalha (Jó 21,18) Os cordeiros, ou ovelhas, isto é, os humildes e os inocentes, serão colocados à direita de Cristo. Deles escreve Isaías: Assim como o pastor apascenta o seu rebanho, nos seus braços recolherá os cordeiros e os tomará no seu seio; ele mesmo levará as prenhas (Is 40,41).
4. Observa que nestas quatro palavras: apascentar, recolher, tomar e levar, mostram as quatro prerrogativas que os corpos dos justos terão no oitavo dia, ou seja, na ressurreição final. Apascenta pela claridade: Doce é a luz e deleitável é aos olhos ver o sol (Ecl 11, 7); e os justos fulgirão como o sol no reino de Deus (cf Mt 13,43). Se o olho, mesmo corruptível, se deleita assim com o falso brilho do miserável corpo, quanto, imagina, não será o deleite do verdadeiro esplendor do corpo glorificado? Recolherá com a imortalidade: a morte desagrega, a imortalidade reúne. Tomará pela agilidade: toma-se ou pega-se com facilidade o que é ágil. Levará com sutileza: o que sutil se leva com facilidade. As cabras, porém, isto é, os luxuriosos, serão suspensas pelas patas nos ganchos do inferno. Com efeito, o Senhor ameaça, pela boca do profeta Amós, as vacas gordas (cf Am 4,1), isto é, os prelados da Igreja, soberbos e luxuriosos: Eis que virão dias para vós, e vos levarão, levarão os demônios, nos ganchos, e meterão os restos do vosso corpo em caldeiras a ferver. E vós saireis pelas brechas, uma em frente da outra, e sereis lançados para o Hermon (Am 4,2-3). Hermon significa maldição, porque excomungados e amaldiçoados pela Igreja triunfante, irão para o suplício do inferno. Portanto, tudo isto, a glória e a pena, será retribuído a cada um no oitavo dia, isto é, na ressurreição, conforme o que fez na semana desta vida. Lê-se no livro do Gênesis: Jacó serviu por causa de Raquel sete anos; e os dias pareciam-lhe poucos em comparação com a grandeza do amor (Gn 29,20). Era, de fato, formosa de rosto e de gentil presença (Gn 29,17). E continua: E, passada a semana, casou-se com Raquel (Gn 29,28). E mais adiante: Eu era, de dia e de noite, queimado pelo calor e pelo gelo, e o sono fugia-me dos olhos (Gn 31,40). Ó amor da beleza! Ó beleza do amor! Ó glória da ressurreição, quanto fazes sofrer o homem, até chegar às tuas núpcias! O justo, em todos os sete dias da sua vida, serve na indigência do corpo e na humildade do espírito; de dia, isto é, quando lhe sorri a prosperidade com o calor da vanglória; de noite, quando lhe sobrevém a adversidade e é atormentado pelo gelo da tentação diabólica. Assim, foge dele o sono do repouso, porque dentro há lutas, e fora, temores (cf 2Cor 7,5). Teme o mundo, é combatido por si mesmo, e no entanto, no meio de tantos sofrimentos, os dias parecem-lhe poucos, por causa da grandeza do amor. Com efeito, a quem ama, nada é difícil (Cícero). Ó Jacó, por favor, trabalha com paciência, sofre com humildade. Acabada a semana da presente miséria, gozarás das desejadas núpcias da ressurreição gloriosa, em que serás liberto de todo o trabalho e servidão da corrupção.
5. Depois que se completaram os oito dias para ser circuncidado o menino. Diz menino e não velho. Para saber quem é este Menino, leia o sermão do Natal. Na ressurreição final, todo eleito será circuncidado, porque ressuscitará para a glória, como diz Santo Isidoro, sem vício algum, sem defeito nenhum. Ficará longe toda doença, todo impedimento, toda corrupção, toda privação, e qualquer outra coisa indigna daquele reino do sumo Rei, no qual os filhos da ressurreição e da promessa hão de ser iguais aos Anjos de Deus (cf Lc 20,36). Então existirá a verdadeira imortalidade. A condição primeira do homem foi a faculdade de não morrer.
Por causa do pecado, tocou-lhe a pena de não poder deixar de morrer; espera-o na futura felicidade, a terceira condição: o não poder morrer. Então teremos em modo perfeito o livre arbítrio, que foi dado ao primeiro homem para que não pecasse. Será, de fato, perfeito quando este livre arbítrio alcançará o não poder
pecar. Ó oitavo dia, tão esperado, que circuncidas do menino todos os males!
Santo Antônio de Lisboa, Obras Completas, Vol II, pp.689-694; Lello e Irmão – Editores, Porto, 1987. Compilação feita por Frei Antônio Corniatti, OFM Conv

Justiça e Santidade
Justiça é a virtude com a qual, julgando-se corretamente, é dado a cada um o seu. Justiça é como dizer juris status, isto é, o estado de direito. Justiça é o hábito do espírito em atribuir a cada um a dignidade que lhe pertence, tendo em conta a utilidade comum. Fazem parte da justiça: • o temor de Deus • o respeito à religião • a piedade • a humanidade • o gozo do justo e do bom • o ódio do mal • o compromisso da gratidão. O mundo não possui esta justiça porque não teme a Deus, desonra a religião odeia o bem e é ingrato para com Deus.
Será julgado com relação à justiça que não praticou porque não puniu a si mesmo, segundo a justiça, pelos pecados cometidos. Será julgado com relação ‘a justiça, mas não ‘a sua e sim à daqueles que crêem; e do confronto com eles é que receberá a condenação. Cristo não disse: “O mundo não me verá, mas “Vós”, apóstolos, “não me vereis” e isso contra os mundanos que dizem: “Como podemos acreditar naquilo que não vemos? É justiça verdadeira, isto é, é fé que justifica, crer no que não se vê. Ou então: “julgará o mundo com relação à justiça” dos santos. Com efeito, diz o Senhor pela boca do profeta Zacarias: “Será estendido sobre Jerusalém o fio de prumo” (1,16).
O fio de prumo ou chumbinho é um instrumento do pedreiro; em latim se diz: perpendiculum do verbo perpendo que quer dizer controlar, julgar. Consiste em um chumbo ou uma pedra amarrada num barbante e com ele se controla a perpendicularidade das paredes. A justiça dos santos ( a santidade deles) é que nem o fio de prumo que é estendido sobre Jerusalém, isto é, sobre toda pessoa fiel, para medir e ver se sua vida está conforme ao exemplo deles. Todas as vezes que se celebram as festas dos santos, é estendido este fio de prumo sobre a vida dos pecadores. Por isso é que celebramos as festas dos santos para tirarmos da vida deles uma regra para a nossa. É ridículo, portanto, nas solenidades dos santos querer honrá-los com banquetes, quando nós sabemos que eles mereceram o céu através de jejuns.
Amando o mundo e sua glória, dando ao corpo todos os prazeres e acumulando dinheiro, é claro que não imitamos a vida dos santos. Por isso a justiça deles, isto é, a santidade deles será a prova que nós merecemos a condenação. O Julgamento Observe-se que em todo julgamento exigem-se cinco pessoas: o juiz, o réu, três testemunhas. O juiz é o sacerdote. O acusador e réu é o pecador que deve se acusar como réu. As três testemunhas são: contrição, confissão e satisfação ( ou penitência) que testemunham a favor do pecador verdadeiramente arrependido. Diz Agostinho: “Sobe, ó pecador, até o tribunal da tua mente: seja a razão o teu juiz, a consciência o teu acusador, a dor o teu tormento, o temor o teu carnífice. O lugar das testemunhas seja ocupado pelas obras. Os mundanos que não querem submeter-se a tal julgamento, serão condenados com sentença eternamente irrevogável no exame do último julgamento, juntamente com o príncipe deles, o diabo, que já foi julgado.” O apóstolo Tiago, para alertar esses homens a precaver-se do pecado, a amar a justiça, a temer o julgamento, na segunda parte de sua carta acrescenta: “Sabeis muito bem, irmãos meus caríssimos: todo homem esteja pronto a escutar, lento em falar e também lento na ira, porque a ira do homem não realiza a justiça de Deus” (1,19). Todo homem deve estar pronto a escutar o que diz o Apóstolo: “Fugi da fornicação” (1Cor 6,18). Portanto: “esteja todo homem pronto a escutar”.
Todo homem deveria estar pronto a escutar por natureza. Com efeito em latim a orelha é chamada auris como se fosse ávide rapiens, isto é, que agarra avidamente ou ainda hauriens sonum, isto é, que absorve o som. Observe-se que na parte posterior da cabeça não existe carne nem cérebro. Na parte posterior da cabeça está o aparelho da audição. E isso é justo porque a parte posterior da cabeça tem um vácuo, cheio de ar e o instrumento da audição é “aéreo” e portanto, o homem ouve logo, a menos que se interponha algum impedimento. Na cabeça, isto é, na mente em que não há a carne da própria vontade mas o ar da mente devota, passa bem veloz a voz da obediência e por isso é dito: “Ao ouvir-me, logo obedeceu-me” (salmo 17,45). E Samuel no Primeiro Livro dos Reis diz: “Fala, Senhor, que teu servo escuta!”( 3,10).E para
que a obediência penetre mais veloz, é necessário que seja aérea, pura e sensível às coisas do céu, não se apegando a nada das coisas da terra. “Esteja, portanto, todo homem pronto a escutar”. “E lento no falar”. A própria natureza nos ensinou isso fechando a língua com duas portas para que ela não saísse livremente. Com efeito, a natureza colocou na frente da língua como que duas portas, isto é, os dentes e os lábios, para mostrar que a palavra não deve sair a não ser com grande cuidado. Estas duas portas foram fechadas com cuidado por aquele que dizia: “Coloquei guarda em minha boca e porta ao redor de meus lábios” (Salmo 140,3). E corretamente diz: “porta ao redor” ( em latim ostium circumstantiae), porque deve-se guardar não só das palavras ilícitas mas também das ocasiões de falar ilicitamente. Por exemplo: existem pessoas que se envergonham de falar mal de alguém abertamente, mas depois o fazem sob a aparência do elogio e, o que é pior, fazem isso até na confissão. Preste-se atenção, pois não se deve fechar apenas a porta dos dentes mas também a porta dos lábios. Fecha a porta dos dentes e a porta dos lábios aquele que se recusa seja à calúnia seja à adulação. A língua, “mal rebelde”, como diz Tiago, “cheia de veneno mortal” (3,8), fogo que incendeia a floresta das virtudes, incendeia o curso da nossa vida (Tg 3,5-6), arromba a primeira e a segunda porta, sai pelas praças como uma prostituta, faladora e andarilha, inimiga da calma, leva para todos os lugares a desestabilização (Pv 7,8-11). Diz São Bernardo: “Quem poderá calcular quantas coisas ruins comete o pequeno membro da língua, que acúmulo de lixo se ajunta sobre lábios impuros, como é grande o prejuízo causado por uma boca desenfreada! Ninguém avalie de menos o tempo que se perde em palavras ociosas. Justamente porque agora é o tempo favorável e o dia da salvação, a palavra vai embora sem nunca mais voltar e o tempo passa irrevogavelmente. O estulto não sabe aquilo que perde. E dizem: Pode-se passar muito bem uma hora de conversa! Essa hora quem te concedeu foi a generosidade do Criador para obteres o perdão, procurares a graça, fazeres penitência, ganhares a glória”. Igualmente: não exite em definir a língua do caluniador como mais cruel do que
a lança que transpassou o peito de Cristo. A língua, com efeito, transpassa o corpo de Cristo; mas não o transpassa depois de morto e sim o mata justamente transpassando-o. E nem mais cruéis foram os espinhos que se fincaram em sua cabeça, nem os pregos que perfuraram suas mãos e pés, se colocados em confronto com a língua do caluniador que transpassa o próprio coração. Diz o Filósofo: “Não digas coisas torpes. Pouco a pouco, por meio das palavras, acaba-se perdendo até a vergonha”. “Às vezes me arrependi por ter falado, nunca por ter calado”. “Usa mais vezes o ouvido do que a língua”. Portanto, todo homem “seja lento no falar” e assim poderá imitar a justiça dos santos, pois, como afirma Tiago, “aquele que não peca com a palavra é um homem perfeito” (3,2). Seja “lento na ira”, pois ela impede a alma distinguir a verdade. A propósito diz o Filósofo: “Quanto menos reprimires a ira, pela ira tanto mais serás excitado”. “A pessoa irritadiça, quando pára de irar-se, ira-se contra si mesma”. “A ira jamais foi capaz de reflexão”. Por isso é com justiça que se diz: “A ira do homem não realiza a justiça de Deus”. Seja, portanto, todo homem “lento na ira” para não ser golpeado no dia da ira pela irrevogável sentença da condenação, juntamente com o diabo. (IV Domingo de Páscoa, Sermões, Ed. Mess. Padova, 1979, volume I, páginas 322-327) Tradução: frei Geraldo Monteiro, OFM Conv

Quaresma, tempo de misericórdia, a misericórdia de Deus
Sede misericordiosos como misericordioso é vosso Pai. Não julgueis e não sereis julgados. Não condeneis e não sereis condenados. Perdoai e sereis perdoados. Dai e vos será dado” (Lc 6,36-38). Observe-se que nesta parte do Evangelho estão em evidência cinco mandamentos muito importantes: • Ter misericórdia • Não julgar • Não condenar • Perdoar • Dar. Queremos encontrar a concordância de tudo isso com cinco contos do segundo livro dos Reis (ou segundo livro de Samuel). Primeiro mandamento. “Sede misericordiosos como misericordioso é vosso Pai!”. É chamado de misericordioso quem sofre partilhando da miséria dos outros. Esta “compaixão” é chamada “misericórdia”
porque torna o “coração mísero” (em latim: misericordia, miserum cor) sofrendo com a miséria do outro. Em Deus, ao contrário, a misericórdia é “sem a miséria do coração”. Com efeito, a misericórdia de Deus diz-se “comiseração” (em latim miseratio, como se quisesse dizer “ação de misericórdia” ( em latim misericordiae actio). Neste sentido é que o Senhor diz: “Sede misericordiosos”. E observe-se que, como é tríplice a misericórdia do Pai celeste com relação a ti, assim também, de três modos deve ser tua misericórdia com relação ao próximo. A misericórdia do Pai é graciosa, espaçosa e preciosa. Graciosa porque purifica dos vícios. Diz o Eclesiástico: “Cheia de graça é a misericórdia de Deus no tempo da tribulação, como as nuvens portadoras de chuva no tempo da seca” (35,26). No tempo da tribulação, isto é, quando a alma, atormentada por causa de seus pecados, é inundada pela chuva da graça que a restaura e lava e cancela os pecados.
Espaçosa porque se alarga com o tempo e se expande nas obras boas. Com efeito, diz o Salmo: “A tua misericórdia está diante de meus olhos e me alegro com a tua verdade” (25,3) porque até para mim tornou-se odiosa a minha maldade. Preciosa nas delícias da vida eterna, da qual diz Ana no livro de Tobias: “Quem te honra tem a certeza de que, se sua vida foi colocada à prova, será coroado; se passou através das tribulações, será libertado; se foi oprimido e perseguido, ser-lhe-á concedido entrar na tua misericórdia” (3,21).
A propósito diz o profeta Isaías: “Eu me lembrarei das misericórdias do Senhor e hei de louvar o Senhor por todas as coisas que tem feito por nós e pela multidão de benefícios por ele feitos à casa de Israel, segundo a sua benignidade e segundo a multidão de seus atos de misericórdia” ( 63,7). A tua misericórdia para com o próximo também deve ser de três modos: • deves perdoá-lo, se ele pecou contra ti, • deves instruí-lo, se ele se desviou do caminho da verdade, • deves restaurar suas forças, se ele for um faminto. No primeiro caso, diz Salomão: “É por meio da fé e da misericórdia que são expiados os pecados” ( Pr 15,27). No segundo caso, diz Tiago: “Quem fizer um pecador converter-se de sua vida de pecado, salvará sua alma da morte e cobrirá uma multidão de pecados”( Tg 5,20). No terceiro caso, enfim, diz o Salmo: “Bem-aventurado aquele que tem cuidado do indigente e do pobre” (40,2). Portanto, é com muito boa razão que se diz: “Sede misericordiosos como misericordioso é o vosso Pai!”
4. Concorda com tudo isso aquilo que lemos no segundo livro dos Reis onde se conta que Davi disse a Merib-Baal: “Não temas, porque quero tratar-te com misericórdia por amor a Jônatas, teu pai. Te restituirei todos os campos de Saul, teu avô e tu comerás sempre o pão junto à minha mesa” (2R 9,7=2Sm 9,7). Neste passo é indicada a tríplice misericórdia que se deve ter para com o próximo. Primeiro, quando diz: “por amor de Jônatas”, quer dizer, por amor de Jesus Cristo, o qual disse: “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem”( Lc 23,34). Com respeito àquele que peca contra ti, deves usar de misericórdia com o coração e com a boca, para perdoá-lo com a boca e com o coração. Em segundo lugar, quando acrescenta: “Restituirei a ti todos os campos de Saul, teu avô”. Campo em latim se diz ager, da palavra ágere que quer dizer fazer, porque nele se faz alguma coisa e simboliza a graça infusa com a unção no batismo: o batizado a recebe para exercitá-la depois nas obras boas. Mas quando Saul, isto é , a alma ungida com o óleo da fé, morre por causa do pecado, então perde a graça e tu lhe restituis quando convertes o batizado de sua vida de pecado. Em terceiro lugar, quando conclui: “E tu comerás sempre o pão junto à minha mesa”. Com efeito, diz Salomão: “Se teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber”( Rom 12,20=Pr 25,21). Por isso é com muito boa razão que se diz: “Sede misericordiosos”. Portanto: sejamos misericordiosos imitando aquelas aves chamadas grous, das quais se diz que , quando querem chegar a um dado lugar, voam bem alto, quase como querendo localizar, a partir de um observatório mais alto, o território a ser alcançado. Aquela que conhece o percurso vai à frente do bando, sacode-lhe a fraqueza do vôo animando com sua voz. E, se a primeira perde a voz ou fica rouca, imediatamente entra uma outra. Todas têm um grande cuidado para com aquelas que se cansam, de modo que, se alguma estiver cansada, todas se unem, sustentam aquelas cansadas até que com o descanso recuperem as forças. Mesmo quando estão no chão, o cuidado delas não diminui: dividem-se os turnos de guarda de modo que uma sobre dez esteja sempre acordada vigiando. As que estão vigiando ficam segurando nas patas uns pequenos pesos que, se eventualmente caem no chão,  logo as avisam que estão cochilando e as acordam. Um grito dá o alarme se surgir um perigo a ser evitado.
Essas aves-grous fogem diante dos morcegos. Sejamos, portanto, misericordiosos como essas aves grous: colocados num observatório mais alto da vida, preocupemo-nos por nós e pelos outros. Sirvamos de guias para quem não conhece o caminho. Com a voz da pregação animemos os preguiçosos, sacudamos os indolentes. Façamos a troca na hora do cansaço, porque, sem alternar o cansaço com o descanso, ninguém consegue resistir por muito tempo. Carreguemos nos ombros os fracos e os doentes para que não venham a cair no meio do caminho. Sejamos vigilantes na oração e na contemplação do Senhor. Seguremos com firmeza entre os dedos a pobreza do Senhor, a sua humildade e a amargura da sua paixão. E se algo de imundo quiser insinuar-se em nós, gritemos logo por socorro e, sobretudo, fujamos dos morcegos, isto é, da vaidade cega do mundo. E por tudo isso, rezemos: Senhor Jesus Cristo, pai misericordioso, Infundi em nós a vossa misericórdia Para que também nós a usemos para conosco e para com os outros, Não julgando nunca a ninguém, Não condenando nunca a ninguém, Perdoando sempre a quem nos ofende E dando sempre nós mesmos e nossas coisas A quem nos pedir. E tudo isso no-lo conceda o próprio Senhor Que é bendito e glorioso Pelos séculos dos séculos. Amém.
(Sermones, Pádua, 1979, Volume I, pp. 459-461) Tradução: Frei Geraldo Monteiro, OFM Conv

A ressurreição do Senhor
1. “A amendoeira florescerá, o gafanhoto engordará, o tempero perderá seu sabor” (Ecl 12,5). Exórdio:
Na Ressurreição, a humanidade de Cristo floresceu como a vara de Aarão.
2. Nós lemos no Livro dos Números que a “vara de Aarão germinou, floresceu ficou cheia de brotos e produziu amêndoas” (Nm 17,23). Aarão, sumo pontífice, é figura de Cristo, o qual, “entrou no santuário não com sangue de bodes ou bezerros, mas com o próprio sangue” (Hb 9,12). Ele é o pontífice que “fez de si uma ponte” para que, através dele pudéssemos passar da margem da mortalidade à margem da imortalidade: hoje floresceu a sua vara! A vara é sua humanidade sobre a qual se diz: “A vara do teu poder estende o Senhor desde Sião” (Sal 109,2). Com efeito, a humanidade de Cristo por meio da qual a divindade exercia o seu poder teve origem em Sião, isto é, o povo judeu “porque, como é dito no Evangelho, a Salvação, isto é, o Salvador, vem dos Judeus” (Jo 4,22). Esta vara permaneceu quase seca no sepulcro por três dias e três noites, mas depois floresceu e produziu fruto, porque ressuscitou e nos trouxe o fruto da imortalidade.

I. Sermão Alegórico
3. “Florescerá a amendoeira”. Diz Gregório que a amendoeira é a primeira entre todas as plantas a dar flores; e diz o Apóstolo que “Cristo é o primogênito daqueles que ressuscitam dos mortos” (cf Col 1,18) porque ele ressuscitou por primeiro. Observe-se que a pena dada ao homem era dupla: a morte da alma e a morte do corpo. “No dia em que comeres – disse o Senhor – morrerás “de morte” ( Gn 2,17), da morte da alma e não poderás subtrair-te à lei da morte. Com efeito, uma outra tradução diz com maior precisão “tornar-te-ás mortal”. Veio o nosso samaritano, Jesus Cristo, e sobre estas duas feridas derramou vinho e óleo, porque com o derramamento de seu sangue destruiu a morte da nossa alma. Diz muito bem Oséias: “Eu os livrarei da mão da morte, eu os resgatarei da morte. Ó morte, eu serei a tua morte! Eu serei a tua mordaça, ó inferno!”
(13,14). Do inferno ele pegou uma parte, e outra parte ele deixou à maneira daquele que morde e com a sua ressurreição aboliu a lei da morte, porque deu esperança de ressurgir: “E não haverá mais a morte” (Ap 21,4). A ressurreição de Cristo é indicada pelo óleo que fica acima dos líquidos. A alegria provada pelos apóstolos na ressurreição de Cristo superou qualquer outra alegria por eles experimentada, quando Jesus ainda estava com eles em seu corpo mortal. Também a glorificação dos corpos superará qualquer outra alegria: “Os discípulos se alegraram ao verem o Senhor” (Jo 20,20).
4. “E o gafanhoto engordará”. Aqui é representada a Igreja primitiva que com a flor da ressurreição do Senhor tornou-se grande e encheu-se de maravilhosa alegria. Escreve Lucas: “Pois que pela grande alegria ainda não acreditavam e ficavam emocionados, Jesus lhes disse: “Tendes aqui algo para comer?
“Ofereceram-lhe então uma porção de peixe frito e um favo de mel” (24,41-42). Peixe frito é figura do nosso Mediador que sofreu a paixão, preso com o laço da morte nas águas do gênero humano, “frito”, por assim dizer, no tempo da paixão; ele é para nós também o favo de mel, por causa de sua ressurreição que hoje celebramos. O favo apresenta o mel na cera e isso representa a divindade revestida pela humanidade. É nesta mistura de cera e mel que se indica que Cristo acolhe no eterno repouso, no seu corpo aqueles que quando sofrem tribulações por causa de Deus, não desistem do amor para com a eterna doçura. Os que, aqui na terra, são por assim dizer “fritos” pela tribulação, serão saciados no céu com a verdadeira doçura. Observe-se que hoje o Senhor apareceu cinco vezes: primeiro a Maria Madalena, depois novamente a ela junto com outros, quando saiu correndo a dar o anúncio aos discípulos; depois a Pedro; depois a Cléofas e seu companheiro e finalmente aos discípulos, a portas fechadas, após o retorno dos dois discípulos de Emaús. Eis, portanto, em que sentido o gafanhoto engordou com a flor da amendoeira, quer dizer, em que sentido a Igreja primitiva se alegrou pela ressurreição do Senhor. O gafanhoto, quando o sol queima, salta e voa.
Assim a Igreja primitiva: quando no dia de Pentecostes o Espírito Santo a inflamou, saltou e voou pelo mundo inteiro através da pregação. “Por toda a terra ecoou o som de sua voz” (Sal 18,5).
Assim engrandecida a Igreja, dissipou-se o tempero que é uma plantinha que se gruda na pedra e representa a Sinagoga a quem foi dada lei escrita sobre a pedra para mostrar sua dureza à qual permaneceu sempre apegada. “Este é um povo de cabeça dura” (Ez 34,9). Quanto mais a Igreja crescia, tanto mais a
Sinagoga se dispersava, isto é, perdia o eu sabor. Está de acordo com tudo isso o que se lê no Livro dos Reis: “Houve uma longa luta entre a casa de Saul e a casa de Davi. A casa de Davi crescia e tornava-se cada vez mais forte enquanto a casa de Saul enfraquecia dia-a-dia.” (2R 3,1). A casa de Davi é a Igreja. A casa de Saul – que quer dizer “aquele que abusa” – representa a Sinagoga que, abusando dos dons especiais de Deus, recebeu o libelo do repúdio e abandonou o tálamo do esposo legítimo. Quão longa tenha sido a luta entre a Igreja e a Sinagoga, mostram-no os Atos dos Apóstolos. A Igreja crescia porque “a cada dia o Senhor acrescentava a ela aqueles que eram salvos” (2,47). Ao invés, a Sinagoga, a cada dia diminuía. “Chama o seu nome de ‘Não meu povo’ porque vós não sois o meu povo e eu não serei o vosso Deus”. E ainda: “Eu me esquecerei totalmente deles. Ao contrário, terei misericórdia da casa de Judá” (Os 1,9), isto é, da Igreja. A Jesus Cristo honra e glória por todos os séculos do séculos. Amém. Sermões Dominicais e Festivos, 1979 Ed. Messaggero, Padova, Volume III, pp. 179-182
Tradução: Frei Geraldo Monteiro, OFM Conv

A Ascensão do Senhor

II. O envio dos Apóstolos para a pregação: sentido moral
6. Eis os sinais que acompanharão aqueles que crerem. Àqueles que derem o coração a Deus, acompanhá-los-ão sinais, porque já sobre o seu coração há o sinal de que se lê nos Cânticos: Põe-me como um sinal em cima do teu coração (Cant 8,6). Quando queremos defender dos ladrões os nossos bens ou a nossa casa, costumamos pôr ali a insígnia ou a bandeira do rei ou de algum grande homem, para que à sua vista temam seguir para a frente. Também se queremos defender o nosso coração dos demônios, ponhamos sobre ele Jesus, que é salvação. E onde há salvação, ali há saúde. Eis os sinais: Em meu nome expulsarão demônios (Mc 16,17).
Aos demônios chamam os gregos daimones, isto é, peritos ou sabedores de coisas. A palavra demônio, em grego, significa o que sabe muito. Os demônios são a sabedoria da carne e a esperteza do mundo. Quais demônios, elas atormentam o espírito do homem e afligem o corpo com preocupações. A sabedoria da carne é o demônio noturno, a esperteza do mundo, o demônio meridiano. A sabedoria da carne é cega, embora esteja convicta que é de visão muito aguda – de noite é de visão muito aguda, como se fora um gato. A esperteza do mundo, porque arde com o calor da malícia, é semelhante ao sol do meio-dia. Aquele que deu o coração a Deus, lança fora de si estes demônios, e faz ainda todos os outros sinais dos quais fala o Evangelho. Falarão em novas línguas. A língua do mundo é língua velha, porque fala coisas velhas a respeito do homem velho. Aqueles a quem os sobreditos demônios atormentam, falam esta língua, mas os lançam fora de si, falam línguas novas, em vida nova. Diz Isaías: naquele dia, haverá cinco cidades na terra do Egito a falar a língua de Canaã e a jurar pelo Senhor dos exércitos: Uma será chamada Cidade do Sol (Is 19,18). A terra do Egito, que se interpreta trevas, é o corpo do homem, cheio de trevas pela pena e pela culpa. Nele há cinco cidades, os cinco sentidos do corpo, dos quais um, a vista, se chama Cidade do Sol. Assim como o sol ilumina todo o mundo, a vista ilumina todo o corpo. Estas cidades falam a língua de Canaã, isto é, mudada. Com a mudança da direita do Altíssimo, depõem o homem velho com os seus atos e revestem o novo, vivendo em justiça e verdade.
Assim como a fala exterioriza a palavra escondida no coração, os cinco sentidos do homem, já mudados e convertidos a Deus, falam dele externamente, tal que é no interior. Isto é o que significa jurar, afirmar a verdade. A verdade, pois, da consciência afirma-se com o testemunho da vida santa, para louvor do Senhor dos exércitos, Senhor dos Anjos. Sobre isto ainda se ajunta: Pegarão em serpentes (Mc 16,18). As serpentes simbolizam a adulação e a detração, que serpenteiam e injetam veneno. O adulador serpenteia, o detrator injeta veneno. Aqueles que falam novas línguas tiram estas serpentes de si. Retirem as coisas velhas da vossa boca (1Reis 2,3). A saliva do homem em jejum mata a serpente; a língua em jejum é uma espécie
de língua nova, cujo antídoto anula o veneno. Mas a antiga serpente como que adulava Eva, quando dizia: De forma alguma morrereis de morte (Gn 3,4). Como que detraía de Deus, quando acrescenta: Deus sabe que, na hora em que comerdes dela, se vos abrirão os olhos e sereis como deuses, conhecendo o bem e o mal (Gn 3,5). Como se dissesse: Deus, cheio de inveja, proibiu-vos, não querendo que vos assemelhásseis a ele na ciência. Eis como o adulador se insinua e o detrator injeta o veneno. Aquele, porém, que está em jejum, cospe na boca da serpente, mata-a, e assim se livra dela.
7. Segue: E se beberem algum veneno mortífero, nada sofrerão. Comentário da Glossa: Quando ouvem as sugestões pestilentas, mas não as transformam em obras, isso não lhes faz mal, ainda que bebam algo de mortífero. Diz Isaías: Não beberão vinho cantando árias. A bebida será amarga para os que a beberem (Is 24,9). Por isso, não lhes fará mal. Não bebe o vinho da sugestão diabólica cantando árias quem não consente nela, antes a rejeita, se dói e lamenta. Por isso a própria bebida, a sugestão diabólica, é amarga para os que
a bebem para os que a ouvem e a sofrem. Ao contrário, Joel: Despertai, ó ébrios, e chorai e uivai todos os que pondes as delícias em beber, porque ele foi tirado da vossa boca (Joel 1,5). Assim é a letra, porque as delícias do vinho depressa desaparecem da boca, desde que passa a garganta. Brevíssima demora da doçura quantos males gera aquele que bebe o vinho da sugestão diabólica, consentindo em espírito e em obras! Diz-se aos ébrios com tal vinho: Despertai, recordando o vosso pecado, chorai, arrependendo-vos de coração, uivai, confessando-vos. Portanto, todo o que possuir em si aqueles quatro sinais dos quais falamos, poderá fazer bem o quinto: Imporão as mãos sobre os doentes, e estes ficarão curados. Chama-se doente, por precisar de remédio ou medicamento. Doente é o pecador, que precisa muito de medicamento, do
exemplo de boas obras. Põe as mãos sobre ele para o curar, para voltar à penitência, aquele que o conforta não só com a palavra da pregação, mas também com o exemplo da obra santa. Amém. Santo Antônio de Lisboa, Obras Completas, Lello & Irmão – Editores, Porto, vol. II, pp. 925-929. Compilação: Frei Antônio Corniatti, OFM Conv

Domingo de Pentecostes

V. Os frutos da graça do Espírito Santo
14. E todos repletos do Espírito Santo começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito lhes concedia se exprimissem (Atos 2,4). São repletos do Espírito Santo. Ele é o único que pode tornar cheia a alma, visto que nem todo o mundo a pode encher. Não recebem outro Espírito, porque não pode receber mais quem está cheio. Por isso, foi dito a Maria Santíssima: Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo; bendita és tu entre as mulheres (Lc 1,28). Nota que no meio das palavras: cheia de graça e bendita és tu entre as mulheres, se diz: o Senhor é contigo. O mesmo Senhor conserva não só interiormente a plenitude da graça, mas também opera, no exterior, a bênção da fecundidade, isto é, das obras santas. Com muita razão ainda, depois de cheia de graça se diz: o Senhor é contigo, já que sem Deus nada podemos fazer ou possuir, nem
sequer conservar o que possuímos. Por isso, depois da graça, é necessário que o Senhor esteja conosco e guarde o que só Ele deu. Quando, pois, ao dar a graça, nos previne, somos seus cooperadores ao guardá-la. E Ele só vigia sobre nós quando também nós vigiamos com Ele. Aparece claro que o Senhor exige de nós esta vigilante cooperação quando diz aos Apóstolos: Não fostes capazes de vigiar comigo por uma hora! Vigiai e orai, para que não entreis em tentação (Mt 26,40-41).
Acertadamente se diz, portanto: E todos ficaram repletos do Espírito Santo. Dele diz o Senhor no Evangelho de hoje: Mas, o Paráclito, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que eu vos disse (Jo 14,26). O Pai enviou o Paráclito em nome do Filho, isto é, para glória do Filho, para manifestar a glória do Filho. Ele vos ensinará, para que saibais; recordar-vos-á, isto é, exortar-vos-á, para que queirais. De fato, a graça do Espírito Santo dá o saber e o querer. Por isso, canta-se hoje na Missa: Vem, Espírito Santo, enche os corações dos teus fiéis, para que possuam ciência, e acende neles o fogo do teu amor, para que queiram realizar o que tiverem aprendido (Seqüência da Missa de Pentecostes). Canta-se ainda: Envia o teu Espírito, e todas as coisas serão criadas com a tua ciência, e
renovareis a face da terra com a boa vontade (cf Sl 103,30). Sobre estas duas coisas há concordância nas Lamentações de Jeremias: Ele do alto enviou fogo sobre os meus ossos e me deu uma lição (Lm 1,13). O Pai no dia de hoje enviou do alto, isto é, do Filho, fogo, a saber, o Espírito Santo, sobre os meus ossos, isto é, sobre os Apóstolos, diz a Igreja, e por ele me deu uma lição, para que saiba e queira.
15. Diga-se, portanto, e todos ficaram repletos do Espírito Santo. A este respeito há concordância no Gênesis: O Senhor fez soprar um vento sobre a terra, e as águas diminuíram; e fecharam-se as fontes do abismo e as cataratas do céu; e foram retidas as chuvas que caíam do céu (Gn 8,1-2). Veja estas quatro coisas: as águas, as fontes, as cataratas e as chuvas. As águas designam as riquezas; as fontes do abismo; as cataratas do céu, os olhos; as chuvas, a abundância de palavras. Quando, pois, o Senhor traz o Espírito Santo para a terra, isto é, o leva ao espírito do pecador, então, diminuem as águas das riquezas, porque são distribuídas aos pobres. Destas águas se escreve no Gênesis: Ao conjunto das águas chamou mares (Gn 1,10).
O amontoar de riquezas não é mais do que amargura de tribulação e de dor. Donde a palavra de Habacuc: Ai daquele que acumula o que não é seu! Até quando amontoará ele contra si o denso lodo? (Hab 2,6). O esterco reunido em casa exala mau cheiro; esparramado, fecunda a terra. Também as riquezas, quando se acumulam sobretudo do que não é seu, mas do alheio, geram o mau cheiro do pecado e da morte. Se, porém, são distribuídas aos pobres e restituídas aos próprios donos, fecundam a terra do espírito e fazem-na frutificar. Abismo é o coração do homem. Dele diz Jeremias: Depravado é o coração do homem e impenetrável; quem o poderá conhecer? (Jr 17,9). As fontes deste abismo são os pensamentos. Fecham-se quando é infundida a graça do Espírito Santo.
Sobre este assunto há concordância no segundo livro das Crônicas: Ezequias juntou muita gente, e taparam todas as fontes e o regato que corria por meio do território, dizendo: Não aconteça que venham os reis dos Assírios e encontrem abundância de água (2Cr 32,4). Ezequias é figura do justo, que deve juntar grande multidão de bons pensamentos e fechar as fontes dos pensamentos iníquos e perversos e o regato das concupiscências, não vão os demônios, logo que achem abundância de águas, por ela destruírem a cidade da alma. As cataratas do céu são as janelas. As janelas assim se chamam por trazerem luz ou porque através delas vemos para fora. Phós em grego significa luz. Na cabeça, colocada no firmamento, há dois luzeiros, dois olhos, semelhantes a duas janelas, através das quais vemos. Estão fechadas à vaidade do mundo quando na alma se infunde a luz da graça.
As chuvas, vocábulo parecido em latim com rios, são as palavras, que sem impedimento correm abundantes por toda parte. Refere Salomão nas Parábolas: O que começa brigas é como o que abre um dique de águas (Prov 17,14). E por isso aconselha o Eclesiástico: Não dês à tua água a mais ligeira abertura (Ecl 25,34). Estas águas são retidas quando, por graça do Espírito Santo, a língua se move para louvar o Criador e confessar o crime. Portanto, diz-se bem: E todos foram repletos do Espírito Santo.
16. E começaram a falar outras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia se exprimissem. O que está cheio do Espírito Santo fala várias línguas. As várias línguas são os vários testemunhos de Cristo, tais como a humanidade, a pobreza, a paciência e a obediência. Falamos com estas virtudes quando as mostramos aos outros em nós mesmos. A linguagem é viva, quando falam as obras. Cessem, por favor, as palavras; falem as obras. Estamos cheios de palavras, mas vazios de obras, e, por isso, somos amaldiçoados pelo Senhor. Ele mesmo amaldiçoou a figueira em que não encontrou fruto, mas somente folhas. Ao pregador foi dada a lei, escreve São Gregório, de realizar aquilo que prega. Em vão se gaba do conhecimento da lei
quem destrói com as obras a doutrina. Mas, os Apóstolos falavam conforme o Espírito Santo lhes concedia se exprimissem. Ditoso o que fala segundo o dom do Espírito Santo, não segundo o seu ânimo. Há, de fato, alguns que falam do seu espírito; roubam as palavras dos outros e propõem-nas como próprias e atribuem-nas a si.(Santo Antônio de Lisboa, Obras completas, Vol. I, págs 505-509, Lello & Irmão – Editores,Porto – 1987.)Compilação: Frei Antônio Corniatti, OFM Conv

Natividade da Santíssima Virgem Maria

Exórdio
1. Digamos: A gloriosa Virgem Maria foi como a estrela da manhã entre as nuvens.Escreve o Eclesiástico: A beleza do céu é a glória das estrelas, que ilumina o mundo (Eclo 43, 10). Nestas três palavras observam-se os três fatos que resplandeceram admiravelmente na Natividade de Maria Santíssima. Primeiramente, a exultação dos Anjos, quando se diz: A beleza do céu. Conta-se que um homem santo, mergulhado em devota oração, ouviu a doce melodia dum canto angélico no céu. Passado um ano, no mesmo dia, voltou a ouvi-lo e perguntou ao Senhor que lhe revelasse o que vinha a ser aquilo. Foi-lhe respondido que nesse dia nascera Maria Santíssima. Por esse motivo, os Anjos no céu cantavam louvores ao Senhor. Esta a razão de se celebrar nesse dia a Natividade da gloriosa Virgem. Na segunda palavra observa-se o segundo fato, a pureza da sua Natividade, quando se afirma: A glória das estrelas. Assim como uma estrela difere de outra estrela em claridade (1Coríntios 15,41), assim a Natividade da Virgem Maria difere da natividade de todos os santos. Na terceira palavra observa-se o terceiro fato, a iluminação de todo o mundo, quando se diz: Que ilumina o mundo. A natividade da gloriosa Virgem iluminou o mundo, coberto de trevas e da sombra da morte. E por isso diz bem o Eclesiástico: Como estrela da manhã no meio da névoa etc. Maria Santíssima, mensageira do Salvador e perfeita em tudo 2. A estrela da manhã é chamada de Lúcifer, por luzir mais claramente entre todos os astros. Por isso é chamada a estrela por excelência. Lúcifer, precedendo o sol e anunciando a manhã, com a luz do seu fulgor afasta as trevas da noite. A estrela da manhã ou Lúcifer é Maria Santíssima, que, nascida no meio da névoa, afugentou a névoa tenebrosa, e na manhã da graça anunciou o sol da justiça aos que habitavam nas trevas. Dela diz o Senhor a Jó És tu porventura que fazes aparecer a seu tempo a estrela da manhã (Jó 38,32).Quando chegou o tempo da misericórdia (Salmo 101,14), o tempo de edificar a casa do Senhor, o tempo aceitável e o dia da salvação, o Senhor fez aparecer a estrela da manhã, Maria Santíssima, para luz dos povos. Os povos devem dizer o que disseram a Judite, como se lê no seu livro: O Senhor abençoou-te com a sua fortaleza, porque ele por ti aniquilou os nossos inimigos… Ó filha, tu és bendita do Senhor Deus altíssimo, sobre todas as mulheres que há sobre a terra. Bendito seja o Senhor, que criou o céu e a terra, que te dirigiu para cortares a cabeça ao príncipe dos nossos inimigos. Porque hoje engrandeceu o teu nome tanto, que nunca o teu louvor se apartará da boca dos homens (Judite 13, 22-25). Foi, portanto, Maria Santíssima, na sua Natividade, como a estrela da manhã. Dela diz ainda Isaías: Sairá uma vara do tronco de Jessé, e uma flor brotará da sua raiz (Isaías 11, 1). Repare-se que Maria Santíssima se chama vara, por causa das cinco propriedades que esta possui: é longa, reta, sólida, grácil e flexível. Maria Santíssima foi longa na contemplação, reta na perfeição da justiça, sólida na estabilidade do entendimento, grácil na pobreza, flexível na humildade. Esta vara saiu da raiz de Jessé, pai de Davi, de quem proveio Maria, da qual nasceu Jesus, que se chama o Cristo (Mateus 1, 16). Por isso se lê no Evangelho de hoje: Livro da geração de Jesus Cristo, filho de Davi (Mateus 1,1).
3. Sairá uma vara da raiz de Jessé e uma flor sairá das suas raízes. Vejamos o que significam, no sentido moral, as três palavras: raiz, vara, flor. A raiz significa a humildade de coração; a vara, a retidão da confissão e a disciplina da satisfação; a flor, a esperança da felicidade eterna. Jessé interpreta-se ilha ou sacrifício, e significa o penitente, cujo espírito deve ser uma espécie de ilha. Chama-se ilha, por estar situado no sal, isto é, no mar. O espírito do penitente situa-se no mar, ou seja, na amargura. O penitente é batido pelas ondas das tentações e, todavia, fica firme. E oferece ao Senhor um sacrifício em odor de suavidade. A raiz de Jessé é a humildade da contrição, de que sai a vara da confissão reta e a disciplina da discreta mortificação. E observe-se que a flor não brota do cimo da vara, mas da raiz. Uma flor brotará da sua raiz, porque a flor, ou a esperança da felicidade eterna, brota, não da mortificação do corpo, mas da humildade do espírito. Com tudo isto concorda o que se lê no Evangelho de hoje, em que São Mateus, descrevendo a geração de Cristo, primeiro põe Abraão, em segundo lugar Davi, em terceiro a transmigração da Babilônia. Abraão que disse: Falarei ao meu Senhor, embora eu seja pó e cinza (Gênesis 18, 27), designa a humildade do coração; Davi, cujo coração reto esteve com o Senhor: Encontrei Davi, um homem segundo o meu coração
(Atos 13, 22), a retidão da confissão; a transmigração de Babilônia, a disciplina da mortificação e a tolerância da tribulação. Se existirem em ti estas três gerações, conseguirás a quarta geração, a de Jesus Cristo, que nasceu da Virgem Maria, de cuja Natividade se diz hoje: Como a estrela da manhã no meio da névoa. 4. E enfim: E como a lua cheia brilha durante a sua vida. Maria Santíssima chama-se lua cheia, porque perfeita sob todos os aspectos. A lua é imperfeita no quarto crescente ou minguante, porque tem mancha e pontas. Mas a gloriosa Virgem nem na sua Natividade teve mancha, porque foi santificada no ventre materno e guardada pelos Anjos, nem durante a vida possuiu as pontas da soberba, e, por isso, brilha plena e perfeita. Chama-se luz, por diluir as trevas. Rogamos-te, portanto, Senhora nossa, que tu, Estrela da manhã, afastes com o teu esplendor a névoa da sugestão diabólica, que encobre a terra do nosso espírito; tu que és a lua cheia, enchas o nosso vazio, diluas as trevas dos nossos pecados, a fim de que mereçamos chegar à plenitude da vida eterna, à luz da glória sem falha. Auxilie-nos o Senhor, que te criou para seres a nossa luz.
Para nascer de ti, fez-te nascer hoje. A Ele seja prestada honra e glória pelos séculos dos séculos. Amém. Santo Antônio de Lisboa, Obras Completas, Lello & Irmão- Editores, 1987, Volume I, pp. 901-905.
Compilação: Frei Antônio Corniatti, OFM Conv

Sermão aos penitentes ou religiosos e a confissão
1. Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: Haverá sinais no sol , na lua e nas estrelas (Lc21,25). 2. Diz Isaías: Naquele dia achar-se-á o germe do Senhor em magnificência e o fruto da terra é sublime (Is. 4,2). Esta expressão é aplicada, no sentido moral, ao pecador convertido. O dia é o sol que resplende sobre a terra. Quando o sol da graça ilumina a terra, isto é, a mente do pecador, então ela produz por si só o germe do Senhor, que simboliza a contrição. Com efeito, Isaías diz: A chuva e a neve descem do céu e inebriam a terra e fecundam-na e fazem-na germinar, a fim de que dê semente ao que semeia e pão ao que come (Is 55,10). A chuva e a neve representam a graça do Espírito Santo. Como a chuva e a neve, a graça desce do céu, isto é, da misericórdia divina. E inebria a terra, quer dizer, o pecador voltado para as coisas da terra, a fim de que a elas se torne insensível; se arrependa até às lágrimas e se manifeste o segredo do seu pecado.
De fato, a embriaguez produz estes três efeitos: torna insensível, provoca as lágrimas, e descobre os segredos. E fecundam-na com o espírito de pobreza, da qual diz Isaías: Sobre nós se derrame o espírito lá do alto (Is 32,15), para que não arda, como refere Jó, sobre ela a sede da cobiça (Jó 18,9). E a faz germinar maravilhosamente. Isto acontece quando o pecador se arrepende de modo absoluto de todos os pecados cometidos e de todas as omissões. Então, produz a semente das boas obras ao que semeia, ou seja, ao penitente que semeia entre lágrimas; e pão ao que come porque colherá em meio à alegria. Portanto, naquele dia achar-se-á o germe do Senhor em magnificência. E em glória.
Do germe da contrição procede a glória da confissão. Desta escreve Isaías à alma penitente: Ser-lhe-á dada a glória do Líbano, a formosura do Carmelo e de Saron (Is.35,2). Líbano se interpreta a brancura;
Carmelo, a circuncisão; e Saron, o canto de tristeza. A confissão produz estes três efeitos: branqueia a alma, elimina as coisas supérfluas e chorando, canta tristemente a melodia: A minha alma está triste até à morte (Mt 26,38). De fato, a mulher quando dá à luz está em tristeza (Jo 16,21). Da brancura da alma, livre do pecado, diz Isaías: Isto acontecerá quando o Senhor tiver limpado as manchas das filhas de Sião e lavado o sangue do meio de Jerusalém com espírito de justiça e em espírito de ardor (Is 4,4). As manchas indicam a imundície dos pensamentos. De fato, diz Jeremias: As suas manchas chegam até aos seus pés (Lam 1,9), isto é, aos afetos; o sangue significa a luxúria da carne, que o Senhor limpou às filhas de Sião, isto é, às almas de Sião, as almas que pertencem à Igreja; com espírito de justiça, que é a confissão, na qual o penitente se julga e se condena a si mesmo; e em espírito de ardor, que é a contrição, pela qual a alma abrasada prorrompe em lágrimas de compunção. Sobre as coisas supérfluas que devem ser eliminadas pela confissão, Isaías diz: Naquele dia, o Senhor, com uma navalha afiada, ou tomada emprestada, conduzida contra aqueles que estão da banda de além do rio, rapará a cabeça, o pêlo dos pés e a barba toda (Is 7,4). A navalha, como que faz o homem novo, significa a confissão, que realmente torna novo o espírito do
homem. Diz Jeremias: Preparai o terreno abandonado e não semeeis sobre espinhos (Jr 4,3), para que estes ao nascer não vão sufocar a palavra da confissão. Esta navalha se diz afiada, ou tomada emprestada: afiada, porque corta o pecado e as suas circunstâncias; tomada emprestada, porque o pecador, na obra da sua salvação, deve como que emprestá-la por uma certa soma, que é a devoção e a humildade. Com esta navalha, o Senhor rapará a cabeça dos que estão da banda de além do rio, os que transpuseram o rio, ou
seja, os que receberam o batismo. A cabeça e os pés significam o princípio e o fim da vida; a barba significa a intrepidez em praticar as boas obras. Com o corte afiado de uma verdadeira confissão, o Senhor rapa no penitente os vícios, significados nos pêlos, desde o início da sua conversão até o fim de sua vida. Rapa ainda toda a barba¸ a fim de que não confie em nenhuma obra realizada, como se fora dele próprio. Devemos confiar, pois, só naquele que nos fez, e não naquilo que nós fizemos. Quem nos fez é todo o bem, o sumo bem; mas, o bem feito por nós assemelha-se ao pano de uma mulher menstruada. Pensa, pois, tu mesmo em que bem se deve confiar. Na verdade, deve-se confiar no bom Senhor Jesus, de quem o profeta diz: Tu és bom (Salmo 118,68).
Escreve Isaías do canto de tristeza: Pela colina de Luit subirá cada um chorando e pelo caminho de Oronaim irão dando gritos de aflição(Is 15,5). E o fruto da terra é sublime. O fruto da terra é a satisfação da penitência. Diz Isaías: Todo o fruto será a expiação do seu pecado (Is 27,9). O fruto da terra é sublime, quando o penitente é humilde, humilhando-se ao sublime e humilde verdadeiro sol, Cristo, que escondeu o esplendor da sua luz com o cilício da nossa condição mortal. Por isso, o Evangelho de hoje diz: Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas.
Santo Antônio de Lisboa, Obras Completas, Lello & Irmão – Editores, 1987 Compilação: Frei Antônio Corniatti, OFM Conv

Natal do Senhor: o Nascimento do Salvador
5. O Nascimento do Salvador: E aconteceu que enquanto lá estavam (Lc 2,6). Onde é o lá? Na casa do pão; e Maria é a casa do pão. O pão dos anjos se transformou em leite para os pequeninos, para que os pequeninos se tornassem Anjos. Deixai, portanto, as crianças virem a mim (Mc 10,14) para que suguem e sejam saciados no seio da sua consolação. Veja: o leite é de sabor doce e de aspecto agradável! Assim Cristo, como diz o Boca de Ouro (São João Crisóstomo), com a sua doçura atraía a si os homens, assim como o diamante atrai o ferro. Ele diz de si mesmo: Os que me comem terão mais fome e os que me bebem terão mais sede (Eclesiástico 24,29). É ainda de aspecto agradável: Para Ele os Anjos desejam olhar (cf 1Pd 1,12). Completaram-se os dias em que devia dar à luz (Lc 2,6). Eis a plenitude do tempo (cf Gl 4,4), o dia da salvação (cf 2Cor 6,2), o ano da benignidade (cf Sl 64,12). Desde a queda de Adão até a vinda de Cristo foi tempo vazio. De fato diz Jeremias: Olhei para a terra e eis que estava vazia e sem nada (Jr 4,22), porque o Diabo tinha destruído tudo; foi dia de dor ou de enfermidade; diz o Salmo: Sempre estiveste perto da cama da sua dor (Sl 40,5); foi ano de maldição, de fato é dito no livro do Gênesis: Maldita seja a terra nas tuas obras
(Gn 3,17). Hoje, porém, cumpriram-se os dias de dar à luz. Da plenitude deste dia todos nós recebemos. E o Salmo: Seremos cheios dos bens da tua casa (Sl 65,5). A ti, Virgem Santíssima, seja dado louvor e glória, porque hoje fomos cheios pela bondade da tua casa, ou seja, do teu ventre. Antes vazios, estamos agora cheios; antes enfermos, agora sãos; antes amaldiçoados, agora abençoados; porque como se diz nos Cânticos: O que vem de ti é um paraíso (Ct 4,13).
6. Continua o Evangelista: E deu à luz o seu Filho primogênito (Lc 2,7). Eis a bondade, eis o paraíso. Correi, portanto, famintos, avarentos e usurários, para quem o dinheiro vale mais do que Deus, e comprai sem dinheiro e sem nenhuma permuta (Is 55,1) o grão de trigo, que hoje a Virgem tirou do tesouro do seu ventre. Deu, portanto, à luz um Filho. Que Filho? O Filho de Deus, Ele mesmo Deus. Ó felicidade acima de toda felicidade! Deste um Filho a Deus Pai! Qual não seria a glória duma mulher pobrezinha, se desse um filho a um imperador deste mundo? Quão maior não é a glória de Maria Virgem que deu um Filho a Deus Pai! Deu à luz o seu Filho. O Pai deu a divindade; a Mãe, a humanidade; o Pai, a majestade; a Mãe, a fraqueza. Deu à luz um Filho, o Emanuel, ou seja, o Deus conosco (cf Mt 1,23). Quem, portanto, está contra nós (cf Rm 8,31). Como escreve Isaías: E pôs sobre a sua cabeça o capacete da salvação (Is 59,17). O capacete é a humanidade; a cabeça, a divindade. A cabeça escondida debaixo do capacete é a divindade escondida debaixo da humanidade. Não se deve, portanto, ter medo. A vitória está da nossa parte, porque conosco está Deus armado. Graças sejam dadas a ti, Virgem gloriosa. Por teu intermédio, Deus está conosco. Deu, portanto, à luz o seu Filho primogênito, gerado do Pai antes de todos os séculos, ou o primogênito dentre os mortos, ou então, o primogênito entre muitos irmãos (cf Rm 8,29).
7. E envolveu-o em panos e reclinou-o numa manjedoura (Lc 2,7). Ó pobreza! Ó humildade! O Senhor do universo é envolvido em paninhos; o Rei dos anjos é reclinado num estábulo. Envergonha-te, insaciável avareza! Desaparece, ó soberba humana! Envolveu-o em panos. Note-se que Cristo no princípio e no fim da vida é envolvido em panos. José (de Arimatéia) diz São Marcos, tendo comprado um lenço e tirando-o da cruz, envolveu-o num lençol (Mc 15,46). Feliz aquele que terminar a sua vida envolvido nos panos da inocência batismal! O velho Adão, quando foi expulso do paraíso terrestre, vestiu uma túnica de peles (cf Gn 3,21). Esta, quanto mais se lava, tanto mais se gasta. Isto significa a carnalidade de Adão e dos seus descendentes. O novo Adão, porém, foi envolvido em panos. O seu brilho representa-nos a pureza da sua Mãe, a inocência batismal e a glória da ressurreição final. E reclinou-o numa manjedoura, porque não havia lugar para ele na estalagem (Lc 2,7). Eis, como está escrito no livro dos Provérbios, a corça é benquista e o veado é cheio de graça (Pr 5,19). Diz a História Natural que a corça dá à luz em caminho freqüentado. Também a Virgem Santa deu à luz no caminho, porque não havia lugar na estalagem (Lc 2,8). A estalagem se diz em latim diversorium, porque para este lugar se chega por diversos caminhos. Santo Antônio de Lisboa, Obras Completas, Vol II, pp 621-624. Lello e Irmão – editores, 1987. Compilação de Frei Antônio Corniatti, OFM Conv

Dos Sermões de Santo António de Lisboa, presbítero
(I, 226) (Sec. XIII)

A linguagem é viva, quando falam as obras
Quem está cheio do Espírito Santo fala várias línguas. As várias línguas são os vários testemunhos sobre Cristo, como a humildade, a pobreza, a paciência e a obediência; falamo-las, quando mostramos aos outros estas virtudes na nossa vida. A linguagem é viva, quando falam as obras. Cessem, portanto, as palavras e falem as obras. De palavras estamos cheios, mas de obras vazios; por este motivo nos amaldiçoa o Senhor, como amaldiçoou a figueira em que não encontrou fruto, mas somente folhas. Diz São Gregório: «Há uma norma para o pregador: que faça aquilo que prega». Em vão pregará os ensinamentos da lei, se destrói a doutrina com as obras. Mas os Apóstolos falavam conforme a linguagem que o Espírito Santo lhes concedia. Feliz de quem fala conforme o Espírito Santo lhe inspira e não conforme o que lhe parece!
Há alguns que falam movidos pelo próprio espírito e, usando as palavras dos outros, apresentam-nas como próprias, atribuindo-as a si mesmos. Desses e de outros como eles, fala o Senhor pelo profeta Jeremias: Eis- Me contra os profetas que roubam uns aos outros as minhas palavras. Eis-Me contra os profetas, oráculo do Senhor, que forjam a sua linguagem para proferir oráculos. Eis-Me contra os profetas que profetizam sonhos mentirosos – oráculo do Senhor – e, contando-os, seduzem o povo com mentiras e jactância, não os tendo Eu enviado nem dado ordem alguma a esses que não são de nenhuma utilidade para este povo – oráculo do Senhor.
Falemos, por conseguinte, conforme a linguagem que o Espírito Santo nos conceder; e peçamos-lhe, humilde e devotamente, que derrame sobre nós a sua graça, para que possamos celebrar o dia de Pentecostes com a perfeição dos cinco sentidos e a observância do decálogo, nos reanimemos com o forte vento da contrição e nos inflamemos com essas línguas de fogo que são os louvores de Deus, a fim de que, inflamados e iluminados nos esplendores da santidade, mereçamos ver a Deus trino e uno.


O fingido e o verdadeiro morto
Os Fioretti (Pequenas flores) foram escritos em latim, no século XIII, recolhendo historietas e milagres que se contavam de Francisco de Assis. Também nasceram “Fioretti” em torno da vida de Antônio, de Lisboa ou de Pádua. O “Livro dos Milagres” foi escrito por Arnaldo de Serranno, na segunda metade do século XIV, dentro da visão e da mentalidade da época, que todos sabemos compreender. Selecionamos aqui “O fingido e o verdadeiro morto”.
Durante o seu giro missionário pelo Friuli e pela Ístria, Santo Antônio chegou aos arredores de Údine. Lá os franciscanos ainda não eram conhecidos. Ele mesmo era uma figura que suscitava mais desconfiança do que simpatia, mais aversão do que acolhimento. Desejoso de pregar ao povo, trepou numa árvore. Todavia, como referem as tardias tradiçôes locais, em vez de provocar ao menos a curiosidade dos que se achegavam, causou entre o povo reações de insolência, caçoadas e insultos. O Santo jamais enfrentara tal situação na sua vida de pregador. Por isso, imitando o gesto de indignação ensinado por Cristo, sacudiu a poeira dos pés e se afastou. Impressionado, o povo se arrependeu de sua aspereza e acabou abrindo o coração a uma sincera devoção para com o arauto de Cristo. Passou então a Gemona, onde sua pregação colheu grandes frutos entre a população. Aquela gente o levou a erigir uma capela em honra da Virgem Santíssima. Para construí-la iniciaram-se os trabalhos numa atmosfera de intenso entusiasmo. As despesas, naturalmente, corriam por conta das esmolas livres dos devotos.
Um belo dia passou por aquelas paragens um agricultor guiando uma carroça. Antônio lhe pediu ajuda no transporte de pedras. Respondeu o camponês que não podia fazê-lo, porque, infelizmente, estava levando para o cemitério o corpo do seu próprio filho que jazia no fundo do carro. “Seja como dizeis”, replicou o Santo. O vilão prosseguiu sua viagem. Chegando a uma distância onde não podia ser ouvido pelo homem de Deus, aproximou-se do rapaz e o despertou, para juntos rirem-se do frade. Mas o sorriso se lhe apagou súbito na boca, pois, por mais que o chamasse e sacudisse, o jovem não respondeu. Estava morto de fato. Assaltado pelo remorso, o camponês zombeteiro apressou-se em retornar ao Santo, e, entre gemidos, lhe contou tudo. Antônio se enterneceu e confortou o pobre homem. Então, aproximando-se da carroça, com um sinal da cruz, devolveu o jovem à vida.

Sobre Paz e Bem
Peçamos humildemente a Jesus Cristo que nos conceda alegrar-nos só nele, viver modestamente, menosprezar as inquietações do mundo, manifestar-lhe todas as nossas necessidades, a fim de que, protegidos por sua paz, possamos um dia viver na pacífica Jerusalém do céu. Auxilie-nos aquele que é bendito e glorioso pelos séculos eternos. E toda alma pacífica diga: Amém! Aleluia! (3Ad 6d).Busca a paz dentro de ti, em ti mesmo; se a encontrares, terás paz com Deus e com o próximo (5Pn 16a).
Os olhos misericordiosos do Senhor estão sobre os que procuram a paz (5Pn 16a). Coisas necessárias a qualquer justo: a paz do coração, a separação dos bens terrenos, o silêncio da boca, o êxtase da contemplação, a lembrança da própria fragilidade (Pp 18c).
O azeite é o mais excelente de todos os líquidos; a paz de consciência excede o gozo dos bens temporais (Ft 15a). Quem possuir a paz do coração merece de verdade ser chamado filho de Deus Pai, ao qual, juntamente com seu Unigênito, diz na hora da morte: Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito, porque da paz do coração passa à paz da eternidade (23Pn 18a). Quem em vida estabelecer com o Senhor a aliança da reconciliação, depois, no reino celeste, repousará na formosura da paz (9Pn 15c).De Deus provém todo o bem que nós possuímos (6Pn 12b). O bem é sempre simples (l0Pn 13a). Jesus Cristo é o Bem, o bem substancial, de quem todas as coisas prendem bondade. Tudo o que há e se move, vive ou existe no céu, como nos anjos, na terra ou debaixo da terra, no ar, na água, dotado de inteligência e de razão, procede daquele Sumo Bem, causa de todas as coisas e fonte de bondade (Ft 9a). A coroa de todo o bem é a humildade (1Qr2 4c). Afasta-te do mal, mas isto ainda não basta: é preciso praticar o bem (5Pn 16a). Note-se que há quatro espécies de orgulho: quando alguém possui um bem e julga ter ele vindo de si mesmo; ou, se dado por Deus, considera-o dado em razão dos seus méritos; ou jacta-se de possuir o que não possui; ou despreza os outros e procura pôr em evidência o que possui (11Pn 3a). Do Livro “Ensinamentos e Admoestações de Santo Antônio de Pádua”, Vozes, 1999.

acesso em: 28/08/2015 

Santo Antônio distribui pão para os pobres


U.I.O.G.D