Dom Gilvan Francisco dos Santos, O.S.B
(Monge Beneditino)
Salvador, Bahia – 17 de dezembro de
2019
Poucos sabem, que aqui em nossas terras do Brasil, já no século XVI,
precisamente na cidade do Salvador da Bahia, havia uma grande veneração a
Santíssima Mãe de Deus. E os louvores
em sua honra eram celebrados no dia 18 de dezembro, dia que ficou marcado como
a sua memória litúrgica. Essa devoção foi iniciada com muito amor e
dedicação por uma índia da tribo Tupinambá convertida ao catolicismo. Tão bela
e muito eficaz foi essa devoção que ainda neste século XVI se espalhou para
outras regiões do continente. Por isso podemos ver na história da cidade de
Santos no estado de São Paulo, uma capela dedicada à mesma devoção, no ano de
1562. Pena que na urbanização da cidade de Santos, esta capela foi demolida no
ano de 1903. Tão conhecida era a história da índia baiana, grande devota da Mãe
de Deus, a qual lhe tinha construído para os louvores da Virgem Maria, uma
ermida com o título de NOSSA SENHORA DA GRAÇA no
atual bairro da Graça, Salvador, no ano de 1535. Outros autores colocam também
como no ano de 1530.
A seu pedido, o
marido construiu uma hermida de taipa que posteriormente passou a ser de pedra
e cal, para onde foi trasladada e começou a ser venerada a imagem sob a
invocação de Nossa Senhora da Graça em atenção à prodigiosa graça da aparição
“em sonhos da Mãe de Deus a Catarina” (Mello Moraes).
Outro escritor assim nos fala reportando-se ao ano de 1535.
“Caramuru, constrói a
pedido de Catharina, um oratório de taipa para abrigar a imagem da Virgem
Maria. Essa capela, atual Igreja de Nossa Senhora da Graça, foi o primeiro
templo religioso na Bahia e o primeiro mariano no Brasil”. (PORTO FILHO, 2012,
p. 27)
E ainda: “Estava assim, em 1535,
erguida a primeira igreja na Bahia, dedicada a Mãe de Jesus, que depois
receberia o nome de Ermida de Nossa Senhora da Graça”. (PORTO FILHO, 2012,
p. 18)
E depois trazendo a memória o ano de 1585 nos diz:
“Catharina
Paraguassú, introdutora da devoção mariana no Brasil, comanda as festividades
pelos 50 anos da construção da sua capela, erguida em louvação à Nossa Senhora
da Graça”. (PORTO FILHO, 2012, p. 28)
Assim, para perpetuar o mesmo culto a soberana Senhora da Graça, essa
ermida foi doada a recém-chegada Ordem do Patriarca São Bento em 16 de julho do
ano de 1586 da qual até os dias de hoje os monges beneditinos cuidam com muito
zelo desse importante patrimônio da Bahia. O interessante é que não foi doada
apenas a ermida mas uma grande extensão de suas terras para a subsistência da
nova Ordem recém-fundada no Brasil, no ano de 1582. Hoje, o imponente Mosteiro
de São Bento da Bahia, o arquicenóbio do Brasil.
Sempre que mencionamos a devoção a NOSSA SENHORA DA GRAÇA, às pessoas pensam ser esta
devoção aquela nascida na cidade de Paris no ano de 1830, na qual a Virgem
Santíssima apareceu a Santa Catarina Labouré, pedindo-lhe que fosse cunhada uma
medalha, a qual posteriormente ficou conhecida mundialmente como a Medalha Milagrosa de Nossa Senhora das
Graças, por causa dos muitos milagres ocorridos pela intercessão de Nossa
Senhora das Graças, imagem revelada a Santa Catarina. Não é desta linda e
eficaz devoção que aqui me refiro. O meu desejo é fazê-los conhecer um pouco da
história da importante, e da mais antiga devoção que vem desde os primórdios do
nosso Brasil, a DEVOÇÃO A NOSSA SENHORA DA GRAÇA. Neste mesmo dia, essa memória
também é conhecida com o nome de Expectação do parto de Maria Santíssima.
Porque a Graça é o Cristo Salvador que Maria nos traz.
Essa devoção à Virgem da Graça já existia
em Portugal desde o século XIV, quando uns pescadores resgataram uma bela
imagem da Virgem Maria, e com o descobrimento da imagem da Santíssima Senhora, ocorreu
também um milagre. Os pescadores vendo-se diante de uma pesca milagrosa onde
veio em suas redes juntamente com a imagem de Nossa Senhora uma grande
quantidade de peixes, com isso, eles deram a essa imagem o título de Nossa
Senhora da Graça. Esse fato milagroso ocorreu na cidade de Cascais,
em Portugal.
Porém, aqui no Brasil essa devoção apareceu
no século XVI, através de uma importante figura que hoje é conhecida como a
Matriarca do Brasil. Uma ilustre senhora dos primórdios do nosso continente
brasileiro. Essa personalidade chamava-se Catarina
Paraguaçu (1512-1589), uma
índia Tupinambá, filha do cacique Taparica. Catarina, após a sua conversão para
o catolicismo ao receber o sacramento do santo Batismo, ela recebeu o nome de Catherine du Brezil. Esta era a esposa
do português náufrago, Diogo Álvares
Correa, o Caramuru (1490-1554).
Existem muitas lendas sobre a história dessa índia e da sua relação matrimonial
com Diogo Álvares. Mais aqui, não desejo falar desses pormenores. O meu intento
é mostrar sua devoção à Senhora da Graça, a qual ela tanto amou e honrou
construindo-lhe uma ermida/capelinha para os louvores da Santíssima Senhora. Vejamos
um pouco da história que é bastante contada nos antigos documentos.
Houve uma
história em terras baianas que marcou o início dessa devoção, mesmo antes da
colonização oficial do Brasil (entre 1500 e 1532). Numa manhã, Catarina revelou
a Diogo Álvares que, durante a noite, tivera um sonho repetido várias vezes:
contemplava em uma grande praia um barco destroçado, com homens brancos
passando fome e frio, e junto deles uma bela senhora com uma criança nos
braços. Devido à credulidade da época e à insistência da jovem Paraguaçu,
Caramuru mandou explorar a costa, mas nada foi achado. Mais uma vez o sonho se
repetiu, mais uma investigação, e desta vez realmente acharam o tal navio (que
era espanhol) e sua tripulação, na ilha de Boipeba. Sem demora foi o socorro
prestado, mas, quanto à presença de uma mulher entre os castelhanos, não foi
confirmada. Estando a índia Paraguaçu
triste pelo não encontro da senhora, visto que esses assuntos eram muito sérios
naqueles dias, durante a noite a senhora apareceu nos sonhos da índia e disse
que a fossem buscar e lhe fizessem uma casa. Acordando, insistiu com
seu esposo, e ele, devido ao sucesso das primeiras informações, acreditou que
poderia encontrar alguma coisa. Uma nova expedição foi feita, até que encontrou uma imagem da Virgem
Maria em uma palhoça, recolhida por um nativo do lugar; era a imagem da Mãe de
Jesus com seu filho nos braços, que foi transportada para sua aldeia. Erigiu-se
uma pequena capela em 1530, dando-lhe o nome de Nossa Senhora da Graça pelo
efeito extraordinário ali ocorrido. Essa mesma ermida foi doada aos monges
da Ordem de São Bento em 1586 pela própria Catarina Paraguaçu e seu esposo -
assim ficavam garantidos o culto e a continuação de sua obra tão pia. Mais
tarde, foi substituída por uma igreja de maior porte. (Francisco Carballa*)
Essa história ficou muito conhecida
popularmente a ponto de chegar até a Vila de Santos, como já mencionado acima,
onde também foi construída uma capela para a mesma Senhora da Graça. Esta
Capela da Graça, que possivelmente seria do ano de 1562, permaneceu até o ano
de 1903, e era localizada na antiga Rua Santo Antônio, atualmente a Rua do
Comércio, denominada Rua do Sal.
Incentivados
pelo ocorrido, quando os portugueses começaram sua colonização, os padres que
por aqui estavam evangelizando os ameríndios, sabedores dos fatos ocorridos na
Bahia, encontraram nessa simples história um sinal do céu para seu sucesso na
empreitada. Assim, os padres Manuel da Nóbrega e José de Anchieta muito devem
ter contado e recontado esse evento pelo litoral e interior, onde trabalhavam
evangelizando e cuidando do rebanho de Cristo, daí inúmeras capelas com esse
mesmo título ou humildes peanhas receberam uma imagem sob essa invocação da
Virgem Maria. (Francisco Carballa*)
A igreja de Nossa Senhora da Graça é uma
pérola da cidade do Salvador da Bahia e também do Brasil, pois é a mais antiga
em honra a Nossa Senhora. Vejamos o que nos diz o escritor Ubaldo Marques ao se
referir a uma celebração na cidade do Salvador ocorrida no ano de 1549, ano da
fundação desta cidade:
No dia 31
de março, em solenidade presidida pelo jesuíta Manuel da Nobrega, foi celebrada
a primeira festa mariana do Brasil, na Ermida de Nossa Senhora da Graça, com
uma missa em honra à chegada de Tomé de Souza, que esteve presente, juntamente
com membros da sua comitiva, de vários índios e do primeiro casal cristão do
Brasil, Catharina e Caramuru. (PORTO
FILHO, 2012, p. 27)
Nos registros da capela podemos ver com o
tempo os melhoramentos dos seus espaços para as celebrações litúrgicas bem como
outros trabalhos aí realizados. No ano de 1770 o nosso muito Reverendíssimo
Dom Abade Frei Ignacio da Piedade Peixoto reedifica a capela, data que
podemos ver atualmente no frontispício da igreja. Inscrição: “Frei Ignacio da Piedade Peixoto mandou
principiar a reedificar esta Igreja de Nossa Senhora da Graça aos 11 de outubro
de 1770”. Tanto a igreja como o mosteirinho anexo a ela, passaram por
várias reformas nos anos de 1881, 1924, 1935 etc. E atualmente foi feita a
restauração de toda a igreja e alguns reparos na parte do mosteiro para uma
utilização mais adequado dos seus espaços em 2017-2018. Também aí foi criado o COMPLEXO
CULTURAL NOSSA SENHORA DA GRAÇA o qual está ligado ao Mosteiro de
São Bento da Bahia o proprietário deste Santuário de Nossa Senhora. Esses
espaços serão usados para eventos culturais e outras atrações (cf. endereço abaixo).
Um registro bastante importante que não
poderíamos deixar de citá-lo aqui é as datas referentes a criação do Mosteiro
de Nossa Senhora da Graça chegando a ser uma Abadia. A qual anos mais tarde foi
supressa pela Sé Apostólica e anexada ao Arquicenóbio da Bahia o Mosteiro de
São Bento que se encontra no centro da cidade do Salvador. Assim nos deixou
escrito o monge Dom José Lohr Enres, O.S.B, monge da Arquiabadia de São
Sebastião da Bahia o registro muito importante sobre o Mosteiro da Graça.
Fundado no
ano de 1647 e Presidência a 13 de janeiro de 1694, foi ereto em Abadia a 05 de
fevereiro de 1697. Voltou a ser Presidência no ano de 1707 e foi 2ª vez elevado
à Abadia a 27 de fevereiro de 1720. Por Decreto da Santa Sé de 20 de janeiro de
1906 foi supresso e incorporado à Abadia de São Sebastião do Salvador da Bahia,
continuando até o presente como Priorado Claustral (ENDRES, p. 74).
A VALIOSA
E SAGRADA IMAGEM DE NOSSA SENHORA DA GRAÇA
A sagrada imagem de Nossa Senhora da Graça é bem
distinta e de uma beleza ímpar. Possivelmente a sua policromia atual não é a
mesma, aquela do século XVI do tempo de Dona Catarina Paraguaçu. Atualmente
imagem está bem preservada. Podemos ver a Santíssima Senhora de pé, com seu
amado Filho Jesus Cristo em seus sagrados braços, o
rosto lindamente sereno, com os cabelos soltos, coberto com um véu, tendo a mão
direita numa posição de segurar um cetro ou algum outro objeto. Não se sabe que
objeto estaria segurando. Certamente perdeu-se ao longo dos anos. A linda
Senhora está com uma bela coroa de prata em sua cabeça, pois Ela é a nossa Mãe
e Rainha. A seus santos pés vemos lindos Anjos, por ser, Ela, a Rainha dos Anjos.
O sagrado menino Jesus também sereno e de grande beleza, vemo-lo como num gesto
de movimentar-se em seus braços materno, trazendo na sua cabeça um lindo
esplendor de prata.
Um outro autor assim nos deixou o relato
em relação a Sagrada Imagem da Mãe da Graça:
A imagem
da Mãe de Deus que a piedade venera no altar-mor da Igreja, bela escultura de
madeira, perfeitamente trabalhada, tendo no braço esquerdo a Jesus Menino, é a
mesma do sonho de (Catarina)
Paraguassú, aquela milagrosa Imagem que, destinando-se às terras do Prata, quis
ficar conosco.
Que bela devoção! Quantos milagre deu a
esta cidade do Salvador, e a outras regiões do nosso querido continente
americano, a Santíssima Mãe do bom Deus na invocação de Nossa Senhora da Graça! Devoção tão antiga quanto o nosso
Brasil.
Tudo podemos alcançar se pedirmos com fé a
Mãe de Deus, pois Ele tudo lhes concede. Nenhum rogo de Maria diante de Deus,
dos Anjos, ou dos Santos, ficam sem resposta. Através dela, alcançaremos de
Cristo nosso Senhor e Salvador, tudo o que lhe pedimos. Por isso, sempre a
invoquemos com fé a sua materna intercessão e proteção. Ó Augusta Rainha dos
céus, Ó Soberana Senhora dos Anjos e dos Santos! Vós que recebestes do Senhor o
poder de ser a nossa intercessora e protetora, concedei-nos o que Vos pedimos
com fé. Por Cristo nosso Senhor. Amém.
Santíssima Virgem da Graça, intercedei a
Deu por nós agora e na hora da nossa morte. Amém.
ORAÇÃO
A NOSSA SENHORA DA GRAÇA
Ó Deus, eterno e todo-poderoso,
bondade infinita, que cumulastes de graças a Santíssima Virgem Maria, com a
encarnação do vosso Verbo Divino em seu seio, pelo poder do Espírito Santo. Ele,
que é a verdadeira Graça. Pelo amor que tendes por nós, e para nos
enriquecer mais com vossos dons e auxílio, fizestes que a tua serva Catarina
Paraguaçú, já nos primórdios do nosso continente, recebesse de vossa Santíssima
Mãe, uma admirável visita em sonho, para o louvor do vosso nome e honra da
mesma Virgem, nesta terra de Santa Cruz. Sendo Ela, venerada em nossa terra
com o título de Virgem da Graça. Pela intercessão da augustíssima Senhora da
Graça, concedei-nos, vos pedimos com fé e perseverança, se assim for da vossa
vontade, a graça de .............. que tudo seja para o crescimento do Vosso
Reino e, no final da nossa vida alcançarmos a vossa Salvação. Por Cristo,
Senhor nosso. Amém.
Composição:
Dom
Gilvan Francisco dos Santos, O.S.B
Salvador, 28 de julho de 2019
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ENDRES, Lohr José. Catálogo dos Bispos- Gerais-Provinciais-Abades
e mais cargos da Ordem de São Bento do Brasil 1582-1975. – Salvador – BA:
Editora Beneditina Ltda, 1976.
PORTO FILHO, Ubaldo Marques. Catharina Paraguassú, matriarca do Brasil
/ Ubaldo Marques Porto Filho. Salvador: Acirv, 2012.
* http://www.novomilenio.inf.br/santos/h0188x.htm - Acessado em 02/12/2019.
Ut In Omnibus
Glorificetur Deus (RB 57, 9)