Dom Gilvan
Francisco dos Santos, O.S.B
(Monge Beneditino)
Salvador, Bahia
– 16 de julho de 2022
“Tudo aquilo, portanto, que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles, pois esta é a Lei e os Profetas.” (Mt 15,10)
A língua
é um membro pequeno do nosso corpo, porém, ela tem o poder de trazer grandes
bens, mas também uma multidão de males para nós, a nossa sociedade e para o
mundo. Portanto, fiquemos atentos em relação a esse órgão importante, no
entanto, perigoso. Porque com o mal uso dele, podemos acarretar uma série de
problemas graves como: mau relacionamentos entre familiares, amigos, males sociais,
guerras, mortes, intrigas etc. E pasmem! A nossa língua mata tanto quanto uma bala.
Quantos males em nossa humanidade
poderíamos ter evitado se tivéssemos guardado a nossa língua em nossa boca, não
pronunciando palavras alguma em certas situações da nossa vida. É por isso que
as Escrituras tanto nos adverte sobre este membro tão importante para o corpo,
e para as nossas relações humanas. Um órgão salvador de vidas, mas, também
mortífero. Daí o grande cuidado que devemos ter em relação a nossa língua.
O Patriarca São Bento de Núrsia,
abade (480-547), no capítulo quarto
de sua Regra, adverte os seus monges sobre o perigo desse membro, dizendo: “Não levantar falso testemunho.” (RB
4,7), e mais adiante ele praticamente explica como se deve proceder
quanto à tentação da língua quando diz: “Guardar
sua boca da palavra má ou perversa. Não gostar de falar muito. Não falar
palavras vãs ou que só sirvam para provocar riso.” (RB 4,51-53). São Bento
sabia muito bem quais eram os riscos que os seus monges estavam sujeitos a
caírem.
As Sagradas Escrituras nos mostra muito
bem, em inúmeras das suas passagens, este cuidado que devemos possuir em
relação a este pequeno órgão do nosso corpo.
A Carta de São Tiago vem nos
alertar contra o pecado da cólera. O Apóstolo assim nos adverte: “Isso podeis saber com certeza, meus amados
irmãos. Que cada um esteja pronto para ouvir, mas lento para falar e lento para
encolerizar-se; pois a cólera do homem não é capaz de cumprir a justiça de
Deus. [...]. Se alguém pensar ser religioso, mas não refreia a língua, antes se
engana a si mesmo, saiba que sua religião é vã.” (Tg 1, 19b-20.26).
Com isso, São Tiago não nos manda
ficarmos sempre calados ou que sejamos omissos às coisas que acontecerem ao
nosso redor. O pronto para ouvir e o lento para falar, que ele nos alerta,
creio que seja em relação ao bom uso da razão para o uso adequado da palavra
certa, no momento certo. Nem sempre o falar pouco é sinônimo de virtude. O
pecado da omissão pode se esconder sob a forma do silêncio. Pode ser também medo,
fraqueza de caráter e omissão o que pode acarretar em curto ou longo prazo,
sérios problemas para uma comunidade.
Fiquemos atentos e nos apoiemos nas
palavras inspiradas do Apóstolo São Tiago, que em outro versículo da sua Carta
nos ensina contra a intemperança da língua. Pois, através dela podemos fazer
grandes coisas, boas e más. Escutemos mais uma vez o Apóstolo: “Irmãos, não queirais todos ser mestres,
pois sabeis que estamos sujeitos a mais severo julgamento, porque todos tropeçamos
frequentemente. Aquele que não peca no falar é realmente um homem perfeito,
capaz de refrear todo o corpo. Quando pomos freio na boca dos cavalos, a
fim de que nos obedeçam, conseguimos dirigir todo o seu corpo. Notai que também
os navios, por maiores que sejam, e impelidos por ventos impetuosos, são,
entretanto, conduzidos por um pequeno leme para onde quer que a vontade do
timoneiro os dirija. Assim também a língua, embora seja pequeno membro do
corpo, se jacta de grandes feitos! Notai como pequeno fogo incendeia a
floresta imensa. Ora, também a língua é fogo. Como o mundo do mal, a língua
é posta entre os nossos membros maculando o corpo inteiro e pondo em chamas o
ciclo da criação, inflamada como é pela geena. Com efeito, toda espécie de
feras, de aves, de répteis e de animais marinhos é domada e tem sido domada
pela espécie humana. Mas a língua, ninguém consegue domá-la: é mal
irrequieto e está cheia de veneno mortífero. Com ela bendizemos ao Senhor,
nosso Pai, e com ela maldizemos os homens feitos à semelhança de Deus. Da mesma
boca provêm bênção e maldição. Ora, tal não deve acontecer, meus irmãos.
Porventura uma fonte jorra, pelo mesmo olheiro, água doce e água salobra?
Porventura, meus irmãos, pode a figueira produzir azeitonas ou a videira produzir
figos? Assim, a fonte de água salgada não pode produzir água doce.” (Tg 3,
1-12).
Muitas
vezes não percebemos a gravidade de certos atos nossos que vem pela nossa
língua. É muito forte essa exortação do Apóstolo, quando nos diz que: “Mas
a língua, ninguém consegue domá-la: é mal irrequieto e está cheia de veneno
mortífero. Com ela bendizemos ao Senhor, nosso Pai, e com ela maldizemos os
homens feitos à semelhança de Deus. Da mesma boca provêm bênção e maldição.” (Tg
3,8-10). E, mais adiante no capítulo quarto, ele nos adverte novamente.
“Não
faleis mal uns dos outros, irmãos. Aquele que fala mal de um irmão ou julga o
seu irmão, fala mal da Lei e julga a Lei. Ora, se julgas a Lei, já não praticas
a Lei, mas te fazes juiz da Lei.” (Tg 4,11). Um bom estudo
da Carta de São Tiago nos esclareceria muitas coisas em relação a nossa
vivência em sociedade. E refrearíamos mais a nossa língua em ocasiões
desnecessárias da vida.
Vejamos
agora uma passagem livro do Eclesiástico que nos mostra muitas passagens em
relação ao falar e ao calar. “Aquele que
refreia sua língua viverá sem disputas, aquele que odeia o palavreado escapa do
mal. Não repitas jamais um boato e não serás em nada diminuído. Não contes nada
de um amigo nem de um inimigo, e, se não incorres em culpa, nada reveles. Pois
o que ouviu não confiará mais em ti e chegado o momento, te odiará. Ouviste
alguma coisa? Sê como túmulo.” (Eclo 19,6-10).
E ainda
diz: “Faze para as tuas palavras balança
e peso; para a tua boca, porta e ferrolho. Vela para não dares passo em falso
com a língua, cairias diante daquele que te espreita.” (Eclo
28, 29).
Muitas
outras passagens das Sagradas Escrituras, tanto no Antigo Testamento como no
Novo, nos lembrarão sobre este órgão do nosso corpo, e a sua importância seja
em relação ao falar ou no calar. Vejamos algumas delas nos dois Testamentos.
Antigo Testamento: Cf. Eclo 20,30-31; Ecl 3,7; Pr 4,24; Jn 2,3-10 clamor; Sl 5; Sl 9; Sl 11; Sl 16; Sl 35,28 – a língua que medita a
justiça de Deus; Sl 36,4 – quanto a
maldade do ímpio; Sl 38; Sl 49; Sl 56; Sl 63 – sobre a
língua afiada; Sl 72; Sl 77; Sl 91 – anúncio das maravilhas de Deus; Sl 119; Sl 139; Sl 146 – canta a bondade de Deus. Aqui
são apenas umas poucas citações no que diz respeito a nossa língua e como
devemos usá-la. O Antigo Testamento tem muitos outros livros que abordam este
assunto.
No Novo Testamento podemos mostrar certas
passagens muito necessárias para a nossa caminhada em sociedade. Já tendo visto
acima algumas passagens da Carta de São Tiago, confiramos mais uma vez outras
passagens do Testamento. Cf. Mt 5,9 –
a promoção da paz; Mt 7,1 – não
julgar a ninguém; Mt 12,33-37; Mt 15,10; Mc 5,19 – anúncio das misericórdias de Deus; Mc 7,35-37; Mc 9, 34 –
sobre o silêncio; Ef 4,25, etc.
Muitos
santos da Igreja, guiados por estas e muitas outras passagens das Escrituras,
tiveram revelações e iluminações do Espírito Santo a respeito das vantagens e
desvantagens do falar e do calar. Como exemplo cito aqui algumas passagens do belo
e importante Diário de Santa Maria Faustina Kowalska
(1905-1938) que muito foi agraciada
por Jesus Cristo em relação a língua e suas implicações na vida em sociedade. Cf.
Diário
n. 92 – uma prece após a sagrada comunhão para a cura da língua; Diário
n. 163 – devemos calar diante dos sofrimentos; Diário n. 375 – quanto a
abnegação da nossa língua; Diário n. 896 – sempre fugir da
murmuração; Diário n. 1760 – fugir das murmurações como de uma peste.
Fiquemos
muito atentos a nossa língua, pois ela mata tanto quanto uma bala no revolver a
ser disparada contra uma pessoa. Mas, também é um bálsamo para os que estão
sofrendo e precisando de uma palavra amiga, encorajadora, estimuladora, podendo
assim salvar vidas. Apenas sejamos atentos as ocasiões quando formos usar este
órgão tão importante do nosso corpo. Se seguirmos os sábios conselhos das
Sagradas Escrituras e dos santos, que já venceram suas batalhas, muitos feitos
bons poderemos fazer para nós, nosso próximo e para o mundo, através da nossa
língua.
REFERÊNCIAS
BÍBLIA DE JERUSALÉM. Nova edição, revista e ampliada. São Paulo: Paulus, 2002.
ENOUT, Evangelista
João. A Regra de São Bento. Latim-Português. Tradução D. João
Evangelista Enout, O.S.B; Rio de Janeiro: LUMEM CHRIST, 1992.
KOWALSKA, Faustina Santa. Diário: da serva de Deus Irmã Faustina Kowalska Professa perpétua da Congregação de N. S. da Misericórdia. 1ª Edição. [Tradução: Prof. Mariano Kawka]. – Curitiba, Paraná – Congregação dos Padres Marianos, 1982.
Ut In Omnibus Glorificetur Deus (RB 57, 9)