Dom Gilvan Francisco dos Santos, OSB
(Monge Beneditino)
Salvador, Bahia – 16 de março de 2025
2º Domingo da Quaresma
A verdadeira Vocação
acontece quando ouvimos a voz de Deus que nos diz: “Sai da tua terra” ou
“Segue-me” e, ao ouvi-lo, deixamos imediatamente tudo e o seguimos com
ardor e amor ao seu chamado; fortalecendo-se sempre a cada dia pela oração e os
trabalhos diários esse convite de Deus, em união com Jesus Cristo nosso Mestre,
para o crescimento do seu Reino na terra. (Dom Gilvan
Francisco, O.S.B).
A Vocação, seja ela qual for, é um presente de
Deus para nós. Pois, ela é um chamado de Deus para uma missão ou uma função
específica para ser desempenhada na vida social, leiga, matrimonial e
profissional ou especificamente na vida eclesial, ou seja, na vocação
sacerdotal e religiosa.
É importante estarmos
sempre atentos a que tipo de vocação nós fomos chamados a desempenhar e se
verdadeiramente somos felizes na missão que recebemos de Deus e aceitamos. Por
esse motivo, é importante sempre nos perguntarmos: Qual a missão que eu recebi de Deus? Como eu devo agir diante da missão que eu recebi? Eu sou
feliz na missão que Deus me concedeu? Essas perguntas são importantes
para sabermos se estamos no caminho certo indicado pelo Senhor. Sabemos que
cada chamado acontece de forma individual, mesmo sendo este para uma mesma
missão, a forma do chamado e o trabalho que será executado em qualquer
instituição, será sempre diferente para cada pessoa. É bom sempre sabermos que
que o chamado divino é também um precioso convite para uma grande aventura da
fé, pois sempre haverá incertezas na caminhada missionária e grandes desafios,
caminhos estreitos, pedregosos, espinhosos e portas apertadas para entrar (cf. Mt
7,13-14; 10,38; Lc 9,62; 10,1-16; 13,24; At 20,23-24). Nós cristãos já
conhecemos bem a história do Patriarca Abraão, o pai da fé, o primeiro a ser
chamado por Deus nas Escrituras; vemos isso com clareza na narração do livro do
Gênesis. Como Deus outrora falou para Abraão, assim nos fala ainda hoje: “Sai da tua terra” (Gn 12,1) e,
no Evangelho, Jesus vai chamar os seus primeiros discípulo dizendo: “Segue-me” (Mt 4,19.21), tanto
Abraão, quanto os discípulos de Jesus, não hesitaram em escutar e seguir
imediatamente ao chamado de Deus.
Para uma melhor
compreensão do termo Vocação,
etimologicamente essa palavra vem do latim vocare, que significa "chamar", "convocar" ou
"escolher". A cada pessoa Deus chama, escolhe de um modo
diferente. Chamado e vocação estão interligados. A Vocação é um chamado específico de Deus para uma missão
específica a ser desempenhada. Portanto, não esqueçamos que todos nós somos
chamados por Deus, por primeiro, para santidade. Pois, essa é a missão de todo
cristão. E dentro desse chamado a santidade, somos escolhidos para uma missão
específica; o que chamamos propriamente de vocação.
A resposta a Deus caberá
somente a nós; pois, temos a liberdade de dizermos sim ou não ao seu chamado. Um
outro grande presente de Deus, ou seja, a nossa liberdade. Ele nada impõe ao
ser humano. Essa é a beleza do cristianismo.
Para uma melhor
análise da questão vocacional, vejamos quais são os tipos de vocação
propriamente ditas? São elas: A Vocação laical, a Vocação
religiosa, Vocação sacerdotal, Vocação
matrimonial e Vocação profissional. Todas
elas tem o seu próprio campo de ação pastoral. Nenhuma delas é menos importante
que a outra.
Já vimos que nas
sagradas Escrituras, Abraão é a primeira pessoa a ser chamado por Deus para uma
vocação e missão específica. (Gn 12,1-3). Dele, partem todos os outros chamados
do Antigo e do Novo Testamento. Por esse motivo, temos Abraão como o pai da fé.
Iahweh disse a Abrão:
Sai da tua terra, da tua parentela e da casa do teu pai e vai para a terra que
eu te mostrarei. Eu farei de ti um grande povo, eu te abençoarei, engrandecerei
teu nome; sê uma bênção! Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te
amaldiçoarem. Por ti serão benditos todos os clãs da terra. E Abrão partiu,
como lhe disse Iahweh. (Gn 12,1-4).
Interessante que Deus
usa o verbo hebraico halak e, este é usado no imperativo,
ou seja, “Sai” (sair, partir, andar). E Abraão na sua liberdade tem duas opções, aceitar
ou não ao chamado de divino. Mas ele aceitou a proposta de Deus. “Abraão creu no Senhor, e lhe foi tido em
conta de justiça” (Gn 15,6). No Novo Testamento, São Paulo, nas suas cartas,
vai se valer dessa passagem de Gênesis (cf. Rm 4; Gl 3,6ss).
No Novo Testamento,
Jesus, faz o seu primeiro chamado. Ao encontrar os dois irmãos Simão Pedro e
André, os convoca para segui-lo: “Estando
ele a caminhar junto ao mar da Galileia, viu dois irmãos: Simão, chamado Pedro,
e seu irmão André, que lançavam a rede ao mar, pois eram pescadores.
Disse-lhes: “Segue-me e eu farei de vós pescadores de homens”. Eles
deixando imediatamente as redes, o seguiram” (Mt 4,18-20). E, mais
adiante, Jesus chama a Tiago filho de Zebedeu, e também o seu irmão João. “Continuando a caminhar, viu outros dois
irmãos: Tiago filho de Zebedeu, e seu irmão João, no barco com seu pai Zebedeu,
a concertar as redes. E os chamou. Eles, deixando imediatamente o barco e o
pai, o seguiram” (Mt 4,21-22).
Assim Jesus vai
escolhendo todos os seus seguidores. Com Levi (Mateus), o cobrador de impostos, Jesus faz a mesma proposta dos
primeiros a serem chamados: “E tornou a
sair para a beira-mar, e toda a multidão ia até ele; e ele os ensinava. Ao
passar, viu Levi, o filho de Alfeu, sentado na coletoria, e disse-lhe: “Segue-me”.
Ele se levantou e o seguiu” (Mc 2,14; Mt 9,9; Lc 5,27-28). Atualmente
não é diferente o chamado que Jesus nos faz. O “Segui-me” está direcionado a todos os cristãos que amam a
Deus.
Só seremos
verdadeiros discípulos de Jesus, quando vivemos com amor e ardor a nossa
verdadeira vocação recebida de Deus. Assim, com a nossa vida podemos glorificar
a Deus com a missão que nos concedeu. O próprio Jesus nos ensina: “Meu Pai é glorificado quando produzis
muito fruto e vos tornais meus discípulos” (Jo 15,8). Por isso, uma vocação
frustrada não poderá glorificar a Deus e nem dá frutos para a vida eterna; e,
dessa maneira, não seremos discípulos de Jesus. Daí a importância de sempre nos
perguntarmos: Será que esta é
verdadeiramente a Vocação / Missão a que Deus me chamou, ou é apenas um
capricho meu, uma fuga? A isso, somente cada um poderá responder para
Deus e para si mesmo.
Há muitas vocações
frustradas que nada fazem para o Reino de Deus; e ainda perturbam os que querem
seguir verdadeiramente ao seu chamado. Geralmente aqueles que não se
encontraram na sua vocação, sofrem, e fazem outros sofrerem com ele, por
diversos meios comunitários e sociais. Por isso, nós devemos ter a certeza do
que queremos e o amor ao que abraçamos. É muito importante o discurso de Jesus
para aqueles que desejavam segui-lo, mas sem a certeza da missão divina que
receberiam. Por esse motivo, ouçamos o Evangelho:
Enquanto prosseguiam
viagem, alguém lhe disse na estrada: “Eu te seguirei para onde quer que vás”.
Ao que Jesus respondeu: “As raposas têm tocas e as aves do céu, ninhos; mas o
Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça”. Disse a outro: “Segue-me”.
Este respondeu: Permite-me ir primeiro enterrar meu pai”. Ele replicou: “Deixa
que os mortos enterrem seus mortos; quanto a ti, vai anunciar o Reino de Deus”.
Outro disse-lhe ainda: “Eu te seguirei, Senhor, mas permite-me primeiro
despedir-me dos que estão em minha casa”. Jesus, porém, lhe respondeu: “Quem
põe a mão no arado e olha para trás não é apto para o Reino de Deus” (Mt 9,57-62).
Dando seguimento a
esse discurso do chamado, Jesus envia em missão setenta e dois discípulos dando-lhes
as instruções e as propostas da missão, “[...]
A colheita é grande, mas os operários são poucos. Pedi, pois, ao Senhor da
colheita que envie operários para a sua colheita” (Lc 10,1-12). Interessante
que Jesus nesse capítulo do envio, ele vai proferir alguns “ais” para aqueles
que não receberem bem os seus enviados. “Mas
em qualquer cidade em que entrardes e não fordes recebidos, saí para as praças
e dizei: ‘Até a poeira da vossa cidade que se grudou aos nossos pés, nós a
sacudimos para deixa-la para vós. [...]. Ai de ti, Corazim! A de ti, Betsaida!
[...]. E tu, Cafarnaum, te elevarás até o céu? Antes, até o inferno descerás!
(Lc 10,10-15). E termina o seu discurso dizendo: “Quem vos ouve a mim ouve, quem vos despreza a mim despreza, e quem me
despreza, despreza aquele que me enviou” (Lc 10,16).
Todos nós temos uma
vocação na vida e quem tem a certeza da sua vocação no mundo, creia que isso é
uma grande graça de Deus.
É preocupante e muito
triste vermos muitas pessoas com vocações erradas e infelizes na sua escolha de
vida. Porém, muitas das vezes o comodismo e a vida fácil para eles, em algumas
das instituições que escolheram, os levaram a fazerem essa escolha; porém, a
curto ou longo prazo, aparecerão os problemas próprios da tal escolha que
fizeram. Por isso, vemos tantos escândalos espalhados pelo mundo em todas as
esferas sociais e religiosa. O Papa Francisco constantemente alerta a Igreja e
o mundo para essa situação delicada.
Nos últimos anos, o
Papa Francisco tem denunciado repetidamente a dinâmica de poder dentro da
Igreja, criticando abertamente os padres movidos por ambições pessoais,
chamando-os de "carreiristas", "mundanos" e "clericais".
No entanto, observando as realidades eclesiais, emerge claramente que o
problema mais urgente e em muito maior quantidade são os "leigos
autoritários", que usam a Igreja como um espaço para consolidar seu poder
pessoal. [...] relatou frequentemente episódios que destacam como alguns
indivíduos, para emergir no panorama eclesial, recorrem a métodos vergonhosos
com falsas acusações para destruir aqueles que não lhes deram o que queriam ou
que são aqueles que os impedem de obtê-lo. Este fenômeno é transversal e está
presente em vários contextos: paróquias, oratórios, dioceses, conventos,
seminários e até mesmo no Vaticano. Muitas vezes, são jovens que, não
conseguindo encontrar seu próprio espaço na sociedade civil, buscam refúgio em
estruturas eclesiásticas. Alguns tentam entrar em seminários ou mosteiros,
mas são rejeitados por falta de adequação. Contudo, o que os atrai não é o
desejo de servir a Deus e à sua Igreja, mas sim a possibilidade de usar um
hábito – a batina ou o hábito – como símbolo de autoridade. (Cf. https://silerenonpossum.com/it/pontificioateneosantanselmo-marcocardinali-scandalo).
Em relação a estes
problemas estamos atravessando uma crise gigantesca em todas as esferas sociais
e eclesiais. Seja do lado do clero ou dos leigos, todos se encontram
enquadrados nesse mal atual. Por isso, devemos cultivar, regar e ter a certeza
da nossa vocação, seja ela qual for. Essa certeza nos faz felizes e nos ajuda a
superar qualquer obstáculo que nos apareça. Daí a sua grande importância.
Para um melhor
esclarecimento leiamos todo o capítulo terceiro da segunda carta de São Paulo a
Timóteo, que tem como título: Advertência contra os perigos dos últimos tempos,
o qual nos ensina com muita sabedoria e inspiração do Espírito Santo sobre os
assuntos atuais que estamos tratando. Ele, assim nos fala:
Sabe, porém, o
seguinte: nos últimos dias sobrevirão momentos difíceis. Os homens serão
egoístas, gananciosos, jactanciosos, soberbos, blasfemos, rebeldes com os pais,
ingratos, iníquos, sem afeto, implacáveis, mentirosos, incontinentes, cruéis,
inimigos do bem, traidores, atrevidos, enfatuados, mais amigos dos prazeres do
que de Deus; guardarão as aparências da piedade, negando-lhe, entretanto, o
poder. Afasta-te também destes. Entre estes se encontram os que se introduzem
nas casas e conseguem cativar mulherzinhas carregadas de pecados, possuídas de
toda sorte de desejos, sempre aprendendo, mas sem jamais poder atingir o conhecimento
da verdade. Do mesmo modo como Janes e Jambres se opuseram a Moisés, assim
também estes se opõem à verdade; são homens de espírito corrupto, de fé
inconsistente. Mas eles não irão muito adiante, pois a sua loucura será
manifesta a todos, como o foi a daqueles. Tu, porém, me tens seguido de perto
no ensino, na conduta, nos projetos, na fé, na longanimidade, na caridade, na
perseverança, nas perseguições, nos sofrimentos que conheci em Antioquia, em
Icônio, em Listra. Que perseguições eu sofri! E de todas me livrou o Senhor!
Aliás, todos os que quiserem viver com piedade em Cristo Jesus serão
perseguidos. Quanto aos homens maus e impostores, progredirão no mal, enganando
e sendo enganados. Tu, porém, permanece firme naquilo que aprendeste e aceitaste
como certo; tu sabes de quem o aprendeste. Desde a infância conheces as
sagradas Letras; elas têm o poder de comunicar-te a sabedoria que conduz à
salvação pela fé em Cristo Jesus. Toda Escritura é inspirada por Deus e útil
para instruir, para refutar, para corrigir, para educar na justiça, a fim de
que o homem de Deus seja perfeito, qualificado para toda boa obra. (2Tm 3,1-17).
Esse capítulo é muito
importante porque faz uma análise minuciosa da época, mostrando assim as
dificuldades no seguimento de Cristo, os erros daqueles que não querem seguir
os caminhos de Jesus, terminando com importantes conselhos e pistas para uma
boa vida e vivência cristã, bem como os que permanecem firmes na fé e na
vocação que abraçaram, certos que estão no caminho indicado por Deus, ou seja,
a verdadeira Vocação.
Por isso, ouçamos sempre
o nosso Mestre Jesus Cristo: “Disse,
então, Jesus aos judeus que nele haviam crido: “Se permanecerdes na minha
palavra, sereis verdadeiramente meus discípulos e conhecereis a verdade, e a
verdade vos libertará”. (Jo 8,31-32). Esse permanecer significa a prática
dos ensinamentos divinos.
Peçamos sempre a
iluminação do Espírito Santo na nossa caminhada de fé cristã, para que sejamos
felizes na nossa missão recebida de Deus. Pois, repito com toda a certeza que: A nossa Vocação é um presente de Deus
para nós!
TEXTOS BÍBLICOS SOBRE
O CHAMADO
- Mc
3,14 –
Jesus ora, escolhe e chama.
- Mt
19,16-22 –
O jovem rico.
- Lc
6,12-13 –
Jesus ora, escolhe e chama. (A escolha
dos 12 Apóstolos).
- Lc
5,10 –
Vocação dos quatros primeiros discípulos. A eles jesus diz: “Não tenhas medo”.
E a Pedro diz: “Serás pescador de homens”.
- Cl
2,2 –
Ânimo nos corações. O ardor na missão recebida.
- 2Cor
4,7 –
Tesouro em vaso de barro.
- 2Cor
12,9 –
Vencedor na fraqueza.
REFERÊNCIAS
BÍBLIA DE JERUSALÉM.
Nova edição, revista e ampliada. São Paulo: Paulus, 2002.
Acesso em 03 de março
de 2025:
https://silerenonpossum.com/it/pontificioateneosantanselmo-marcocardinali-scandalo/?fbclid=IwZXh0bgNhZW0CMTAAAR1HnrHYxqOWPOeas7cOdCdVmEKxE10AHlOGYEXgzhBdciudK4O6tpqUfVE_aem_uuHuj3h5wOYZRXg_lTEC1g
Ut In Omnibus
Glorificetur Deus (RB 57, 9)