segunda-feira, 25 de novembro de 2024

ALGUMAS DIFICULDADES ATUAIS NA CAMINHADA DA VIDA CRISTÃ (III)

 

Dom Gilvan Francisco dos Santos, O.S.B

(Monge Beneditino)

Salvador, Bahia – 25 de novembro de 2024


"É necessário que o Filho do Homem sofra muito, seja rejeitado pelos anciãos, chefes dos sacerdotes e escribas, seja morto e ressuscite ao terceiro dia”. (Lc 9,22)

Dou início a essa reflexão com o versículo acima citado onde São Lucas nos ensina a termos forças para seguir a Jesus Cristo, nessa perícope ele vem nos mostrar que o percurso da vida humana não é fácil; principalmente em relação ao seguimento religioso. Mas, fiquemos certos de que Deus não se alegra com os sofrimentos dos homens, pois se ele sentisse prazer nisso, ele seria um Deus masoquista, sádico, e isso não faz parte da sua natureza. Ele nos criou para a felicidade, porém com o ingresso do mal no mundo, ingressou também o pecado e os sofrimentos. (Cf. Gn 3,1-24; 4,1-26). Portanto, vivemos imersos nas alegrias e também nas amarguras, as quais nos seguirão até alcançarmos a felicidade plena e eterna como nos prometeu Jesus Cristo em seus ensinamentos. Os verdadeiros cristãos devem ter essa consciência das promessas de Jesus.

Constantemente vemos uma parcela significativa de pessoas que não conseguem mais enxergar a vida como um conjunto de sentimentos, ações, relações. Uns ficam presos na busca desenfreada pela felicidade plena aqui neste mundo, e sabemos bem que isso não é possível; enquanto outros acreditam na inexistência da felicidade vivendo num constante sofrimento o que também não é correto pensar. Enquanto estivermos nesse corpo mortal viveremos as duas realidades, ou seja, momentos de alegrias e sucessos, bem como momentos de tristezas, perdas e fracassos. Podemos até dizer que isso é natural em nossa existência humana.

Na vida cristã há diversas dificuldades a serem enfrentadas por nós e será algumas delas que iremos analisar aqui.

A primeira delas é o avanço da secularização um fator preocupante em relação a busca de Deus e da felicidade e também das relações humanas. Por causa disso, os homens estão se isolando praticamente de tudo o que é necessário para a vida em sociedade. Não sabendo ele que esse comportamento a longo ou curto prazo lhe trará sérios problemas corporais, espirituais e psicológicos.

Com a chegada das redes sociais e o seu mau uso o homem tornou-se mais pobre de conhecimentos sólidos, portanto, suscetível a abandonarem suas crenças, abalando assim a sua fé e seu credo. Com isso não desejo dizer que as redes sócias sejam ruim; ela é uma ferramenta extraordinária para fazer o bem, para evangelizar, para a ciência e tantas outras áreas do conhecimento. O problema está no uso incorreto desses meios de comunicação. Vemos e escutamos todos os dias tantos e variados crimes cometidos através da internet e outros meios de comunicações sociais. É devido a esse mau uso que os homens ficam titubeante e perdidos num turbilhão de informações de todos os tipos que aparecem constantemente em nossas casas ou setores de trabalhos, em relação não só a fé, mas a outras realidades de nossas vidas. Por essa razão, eles não conseguem enxergar ou com muito custo, analisarem questões sociais e religiosas a sua volta, assim não sabendo firmar-se numa linha de pensamento e muito menos ancorar-se naquilo que lhe foi passado pelos seus antepassados, seus pais e educadores. Eis o grande problema atual. A cada avanço e a cada dia percebemos claramente ser uma geração enfraquecida. Existem muito vazio, e daí nascem muitas doenças psicológicas, psicossomáticas, depressão, ansiedades, desavenças entre famílias, entre amigos, nos setores de trabalho e muitas coisas nocivas à saúde e a vida do homem na terra.

Diante dessa realidade perigosa, e sufocante a fé fica comprometida e os homens tornam-se fracos em todos os aspectos, gerando situações nunca vistas, mudando assim o curso de suas vidas e o curso natural da história universal.

É interessante que todos esses problemas atuais atingem de forma significativa a nossa fé cristã e também a todos os outros credos. Jesus já advertia os apóstolos quando perguntava aos discípulos: “que diz os homens que eu sou?” Eles responderam: “uns pensam que és Elias ou alguns dos Profetas”. Mas Jesus lhes pergunta querendo assim saber se eles estavam mesmo firmes no que acreditavam: “e voz quem dizeis que eu sou?” Fazendo essa pergunta, Jesus quer deixar claro que devemos ter certeza do que acreditamos e o que seguimos, e a resposta de São Pedro é bem direta. “Tu és o Cristo filho de Deus vivo”. Isso sim, é ter a certeza no que se acredita. Isso é ter fé.

Se formos a segunda epístola a São Timóteo, assim ele se expressa: “Eis por que sofro estas coisas. Todavia não me envergonho, porque eu sei em quem depositei a minha fé, e estou certo de que ele tem o poder para guardar o meu depósito, até aquele dia”. (2Tm 1,12). Ou seja, até o dia da nossa pascoa definitiva para Deus. Portanto a certeza no que e em quem acreditamos é imprescindível para a caminhada cristã de fé.

As constantes e as rápidas mudanças, bem como as muitas informações que são transmitidas e muitas vezes impostas sobre nós, continuam a nos empobrecer a cada dia mais. Tornando assim mais difícil conseguirmos nos firmar num assunto ou mesmo em uma linha de pensamento que nos ajude nas nossas questões pessoais, religiosas e sociais. Muitos não conseguem mais ter consistência e uma certa consciência no que expõem e bem menos no que acreditam. As vezes ficam mirabolando em assuntos que nem tem competência para expor, falando e fazendo coisas absurdas em relação a sua crença e as dos outros. Uma coisa detestável aos olhos de Deus. Pois Deus é pura verdade e caridade (amor). Em razão disso, vemos tantas pessoas com deficiências cognitivas, com défice de atenção, falando e fazendo tantas coisas estranhas que as vezes custamos a acreditar em certas atitudes e falas de muitos. Vivendo de aparências. Pessoas de plástico.

Essas pessoas que vivem de aparências geralmente em nada conseguem se firmar e na mais das vezes não tem a capacidade de aprenderem o que quer que seja. As suas mentes estão atrofiadas. Isso é uma questão humana muito séria. Por isso vemos os conflitos nos relacionamentos o esfriamento nas amizades, a preguiça para as resoluções de questões sociais sérias, e necessárias, bem como muitos outros males que surgem a cada dia.

Portanto, nós cristãos devemos estar atentos todos os dias as nossas atitudes humanas e as nossas relações humanas; principalmente aos nossos comportamentos em relação a fé e a religião que seguimos e acreditamos. A nós que dizemos seguir e amar a Jesus Cristo nosso Mestre, dizemos constantemente sermos cristãos, mas, muitas vezes as nossas ações dizem o contrário. Cuidado! E cuidemo-nos! Só seremos cristãos verdadeiros se realmente nos configurarmos a Cristo o Senhor da vida e da História. Por conseguinte, devemos nos perguntar todos os dias ou mesmo várias vezes durante o dia:  Somos bons e verdadeiros cristãos? (Cf. verdadeiros cristãos. I) Eu estou configurado ao meu Senhor Jesus Cristo a quem eu acredito, amo e sigo? (Cf. Os absurdos atuais em relação a fé cristã. II) Basta aqui essas duas perguntas para refletirmos na nossa caminhada de fé.  Em detrimento de ambas, a resposta nós a daremos com as nossas ações e o conhecimento que tivermos do Cristo Jesus.

Analisando várias situações diárias, quantas vezes nós dizemos em vários momentos que seguir a Cristo não é fácil. Pois para isso, implica renúncias, dores físicas e espirituais, humilhações e perdas e tantas outras dificuldades e muitos sofrimentos. Fazemos belos discursos, homilias, conferências para retiros, etc, em relação a esse seguimento e ao amor que devemos ter para com Jesus, mas na prática tudo é bem diferente das teorias e das palavras que proferimos. É muito comum o nosso desejo de seguir a Cristo com uma vida cômoda, feliz, isento de problemas e dores. É verdadeiramente aí que nascem as complicações da vida e da caminhada de fé. A falta de coerência, a hipocrisia e outros vícios que cultivamos e mimamos em nossas almas.

Não há outro caminho para seguir a Cristo que não seja pelo sofrimento. Isso não quer dizer que o homem deve ser amargurado, abatido. Nada disso. O verdadeiro cristão não se abate e muito menos se amargura diante dos sofrimentos. Ele vive e enfrenta tudo com força, resignação e fé n’Aquele que ele diz ser seu Deus e o seu Mestre, o próprio Jesus Cristo. Vemos que muitas vezes as dificuldades e dores são para nos fortalecermos mais na fé. Sabemos que o sucesso sempre vem pelos trabalhos que desempenhamos bem, ou seja, o nosso coroamento pelas fadigas enfrentadas com coragem.

Jesus na sua humanidade era um homem pleno, apesar de tantos sofrimentos desde o seu nascimento, infância, juventude, até a sua morte a qual foi tão violenta. Mas no final dos sofrimentos humanos ele ressuscitou glorioso como o Senhor de tudo com o Pai. Por isso, ele nos ensinou: Dizia ele a todos: “Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia e siga-me. Pois aquele que quiser salvar sua vida a perderá, mas o que perder sua vida por causa de mim, a salvará. Com efeito, que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se se perder ou arruinar a si mesmo? Pois quem se envergonhar de mim e de minhas palavras, o Filho do Homem dele se envergonhará, quando vier em sua glória e na do Pai e dos santos anjos. (Lc 9,23-26). Cf. Lc 14,27; Mt 10,38; 16,24-27; Mc 14,27; Jo 12,25.

Então diante das dificuldades que aparecerem na nossa caminhada da vida cristã não fujamos dela; enfrentemo-la com coragem. Não sejamos como o Profeta Jonas que ao ser chamado por Deus para ir a pregar na cidade de Nínive, ele foge da missão recebida. Muitas vezes essa também é a nossa atitude diante da missão que recebemos de Deus. Fugirmos da sua face e missão. “A palavra de Iahweh foi dirigida a Jonas, filho de Amati: “Levanta-te, e vai a Nínive, a grande cidade, e anuncia contra ela que a sua maldade chegou até mim”. E Jonas levantou-se para fugir para Társis, para longe da face de Iahweh. Ele desceu a Jope e encontrou um navio que ia para Társis, pagou a passagem e embarcou para ir com eles para Társis, para longe da face de Iahweh”. (Jn 1,1-3). Nós somos como Jonas. É bom lermos todo o livro para que entendamos bem o que Deus lhe pede. E ainda podemos ver no capítulo quarto o profeta aborrecido com a ação de Deus. (Jn 4,6-11). Esse livro é importante para a nossa missão.

Realmente as coisas acontecem dessa maneira: quando estamos bem de saúde, de vida estabilizada, de bem com os amigos e familiares, etc. Falamos a Deus que o amamos e jamais o deixaremos; bem como tantas outras juras de amor fazemos diante d’Ele, no entanto, quando acontece qualquer sofrimento ou perda ou até um aborrecimento qualquer, as vezes dificuldades pequenas e já mudamos de atitude diante de Deus. Já o vemos com outros olhos. Tudo o que dissemos anteriormente, parece que esquecemos completamente. Dizemos que ele nos puniu, nos esqueceu, nos abandonou, perguntamos onde Ele estava? Por que deixou isso acontecer comigo ou com o outro? E outros inúmeros questionamentos sem fundamento nenhum que verdadeiros cristãos que dizemos ser, jamais deveríamos fazer a Deus, que é onisciente (sabe de tudo). Pois é! É bom constantemente nos perguntarmos. Onde está o bom cristão que dizíamos ser enquanto estávamos bem? Estas são algumas das dificuldades atuais; a falta de conhecimento e de fé no que acreditamos. A cada dia a Igreja encontra e enfrenta inúmeras dificuldades diante de uma geração enfraquecida e perdida nos seus conceitos principalmente os da fé. Geração que trazem muitas bagagens teóricas, porém, pouco aprofundamento nelas. Portanto, tudo isso atinge de modo direto e indireto a caminhada e a vida da Igreja. Diante de todas essas e outras dificuldades que nos aparecer estejamos atentos para não sermos enganados pelo inimigo de Cristo. Peçamos sempre a luz do Espírito Santo para que ele nos guie e nos ilumine na grande caminhada que nos conduz a Deus. Também nos lembremos sempre do que nos disse o nosso bom Pastor Jesus Cristo: “Eu sou o bom pastor; conheço as minhas ovelhas e as minhas ovelhas me conhecem, como o Pai me conhece e eu conheço o Pai. Eu dou minha vida pelas minhas ovelhas”. (Jo 10,14-15).


Cf. Devemos ser verdadeiros cristãos. (I)

Cf. Os absurdos atuais em relação a fé cristã. (II)


REFERÊNCIAS

BÍBLIA DE JERUSALÉM. Nova edição, revista e ampliada. São Paulo: Paulus, 2002.

Ut In Omnibus Glorificetur Deus (RB 57,9)