sábado, 28 de setembro de 2024

DEVEMOS SER VERDADEIROS CRISTÃOS. (I)

 

Dom Gilvan Francisco dos Santos, O.S.B

(Monge Beneditino)

Salvador, Bahia – 28 de setembro de 2024


"Aquele que não toma sua cruz e não me segue não é digno de mim”. (Mt 10,38). 

 Em todas as religiões, bem como nas outras denominações cristãs, ouvimos constantemente os seus seguidores falarem: Eu sou cristão! Eu sigo a Jesus Cristo! Eu pratico os seus ensinamentos. E, tantas outras justificativas que damos quando nos perguntam sobre a nossa religião e o nosso seguimento cristão. Mas, será que isso é uma verdade? Seguimos verdadeiramente a Cristo? Somos mesmo verdadeiros cristãos? Estas são perguntas importantes para nós todos que nos denominamos cristãos. Mas, o que é ser um verdadeiro cristão? A resposta, entre muitas outras, a mais correta e direta é: O verdadeiro cristão é aquele que está configurado com Jesus Cristo. Ou seja, estar sempre caminhando com Jesus, ajustado aos seus ensinamentos, fazendo a opção de segui-lo em tudo e ser sempre fiel a essa promessa. Sabemos que está configurado implica no permanecer nas definições as quais foram configuradas por nós. Pois, configurar é uma definição de opções ou parâmetros, um ajuste a uma pessoa, a um sistema informático, um objeto ou a algum equipamento.

Mas, quando e onde surgiu essa nomenclatura de cristãos para os discípulos seguidores de Jesus? Se formos aos Atos dos Apóstolos, veremos que o autor desse livro nos diz: “Entretanto, partiu Barnabé para Tarso, a procura de Saulo. De lá, encontrando-o, conduziu-o a Antioquia. Durante um ano inteiro, conviveram na Igreja e ensinaram numerosa multidão. E foi em Antioquia que os discípulos, pela primeira vez, receberam o nome de “cristãos”. (At 11,25-26). Foram os ensinamentos, e mais ainda, os testemunhos de Paulo e Barnabé, com os outros discípulos os quais trabalhavam incansavelmente, pondo em prática com firmeza tudo o que pregavam. Esse foi o motivo de serem chamados cristãos, ou seja, eles estavam de acordo com a doutrina e ensinamentos de Jesus Cristo, portanto, configurados com ele. Só assim seremos verdadeiros cristãos. Não há outra maneira. O verdadeiro cristão vive configurado ao Cristo. Dessa resposta partem todas as outras possibilidades de seguimentos e resoluções na caminhada para Deus.

É muito reconfortante e revigorante para nós que verdadeiramente seguimos a Jesus Cristo, sabermos os caminhos que deveremos percorrer e os ensinamentos verdadeiros que devemos seguir, para que assim possamos chegar a glória do Pai. Mas, quais ensinamentos devemos seguir e quais caminhos percorrer? O próprio Jesus nos dirá que deveremos seguir os seus ensinamentos, os quais são verdadeiros, e percorrer os caminhos do amor, dos sofrimentos, da paz, da esperança, etc, porém, todos eles passam pela cruz. É justamente essa configuração com a cruz do Senhor, que muitos fogem, como fez o jovem rico que não quis distribuir as suas posses para os pobres e seguir o Mestre. Interessante nesse diálogo, é, que, após, Jesus, lhes mostrar os Mandamentos de Deus, o jovem lhe responde que guarda a todos, e pergunta a Jesus, o que me falta ainda? Quando Jesus lhe diz: “se desejas ser perfeito, venda tudo o que tens e dê para os pobres”, então, o moço, se entristece e vai embora. (cf. Mt 19,16-22). Aqui, vemos como abraçar a cruz é custoso para nós cristãos.

Todos nós que nos denominamos cristãos deveremos estar em conformidade com a sua doutrina e sua cruz. Por isso, o verdadeiro cristão segue com serenidade os difíceis caminhos. Foi o próprio Senhor quem nos mandou percorrê-los, e foi ele quem nos mostrou com a sua santa vida, como seriam estes caminhos. Não foram os anjos. Os profetas do Antigo Testamento. Os Apóstolos e os santos. Não! Nenhum deles nos mandou nem nos mostrou, por primeiro, estes seguimentos. O próprio Jesus nos ensinou e nos mostrou o caminho para o Pai.

Em várias passagens dos Evangelhos e de todo o Novo Testamento, os autores sagrados nos mostram e afirmam com ênfase quem nos mandou percorrê-los, na alegria e paciência, para assim podermos permanecer firmes nos difíceis caminhos para o céu. Sabemos bem que as vitórias não se conquistam com facilidade, e, em vista disso, costumo dizer sempre para as pessoas que vem em busca de conselhos, que: “Ninguém vai para o céu de sapatilhas”, ou seja, temos que pisar em pedras, espinhos, lamas, ter perdas, as vezes nos rebaixarmos para não gerar contendas, nos calarmos, etc, para lá chegar. Tudo isso, foi o próprio Jesus Cristo quem nos ensinou. Como deveremos segui-lo e como deveremos nos configurarmos a ele, quando ele nos fala: Aquele que não toma sua cruz e não me segue não é digno de mim. Aquele que acha a sua vida, a perderá, mas quem perde sua vida por causa de mim, a achará”. (Mt 10,38). Pois bem! Jesus não vem a nós com meias palavras, dando aquele jeitinho como nós costumamos fazer. Ele diz: Tome a sua cruz e siga-me. Ou seja, não há outra maneira de imitar-me senão pela cruz. Venham atrás de mim e não errarão jamais. Por causa disso, vemos na história da humanidade uma constelação de pessoas de todas as idades, raças, línguas e condições sociais que se santificaram por que levaram a sério em suas vidas a configuração ao Cristo Jesus, nosso Senhor.

Portanto, não basta apenas crê, é preciso praticar os ensinamentos daquele a quem temos por Mestre. Muitas vezes ficamos apenas na teoria, dizendo tenho fé, sou cristão, mas não progredimos no seguimento de Jesus. Por isso, Jesus fala para os judeus: “Disse, então, Jesus aos judeus que nele haviam crido: “Se permanecerdes na minha palavra, sereis verdadeiramente meus discípulos e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”. (Jo 8,31-32). Esse permanecer significa a prática dos ensinamentos. Jesus, assim falou, porque sabia bem que os judeus conheciam bastante os mandamentos, mas tinham dificuldades em praticá-los. Por isso, vemos em outras passagens onde Jesus vai ser bem categórico e duro com eles, dizendo que eles impunham fados pesados sobre os ombros dos outros, onde não tocam nem com um só dedo, e, assim, lança sobre os fariseus e escribas, aqueles que tem essa prática, sete maldições (cf. Mt 23,13-39). “[...] não imiteis suas ações, pois dizem mas não fazem. Amarram fardos pesados e os põem sobre os ombros dos homens, mas eles mesmos nem com um dedo se dispõem a movê-los. Praticam todas as suas ações com o fim de serem vistos pelos homens”. (Mt 23,2-5). Jesus abomina a hipocrisia e a injustiça.

Por isso ele nos ensinou: Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia e siga-me. Pois aquele que quiser salvar sua vida a perderá, mas o que perder sua vida por causa de mim, a salvará. Com efeito, que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se se perder ou arruinar a si mesmo? Pois quem se envergonhar de mim e de minhas palavras, o Filho do Homem dele se envergonhará, quando vier em sua glória e na do Pai e dos santos anjos. (Lc 9,23-26). (cf. Mt 10,38; 16,24-27; Mc 8,34-38; Lc 14,27 e Jo 12,25). Estas são passagens importantíssimas para os verdadeiros cristãos, e para os que desejam ser.

Como já foi dito, conhecer apenas os mandamentos, isso não nos torna verdadeiros cristãos. Devemos conhecê-los e praticá-los. Isso é abraçar a cruz de Cristo.

Lembremo-nos da passagem em que Filipe conhecia bem os mandamentos e andava com Jesus, pois era o seu discípulo, mas ainda não conhecia bem o seu Mestre. Quando Jesus falava do Pai, ou seja, de si mesmo, Filipe ficava confuso e, por isso, ele lhe pergunta: “Senhor, mostra-nos o Pai e isso nos basta!” Diz-lhe Jesus: “A tanto tempo estou convosco e tu não me conheces, Filipe? Quem me vê, vê o Pai. Como podes dizer: ‘Mostra-nos o Pai!’? Não crês que estou no Pai e o Pai está em mim? As palavras que vos digo, não as digo por mim mesmo, mas o Pai que permanece em mim realiza suas obras. Crede-me: eu estou no Pai e o Pai em mim”. (Jo 14,8-10). Com isso, Jesus quis mostrar que, se ele estava no Pai, os seus discípulos também deveriam permanecer nele. E seguir os seus passos em tudo. Assim sendo, São Paulo na carta aos Gálatas nos diz: “Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim. Minha vida presente na carne, vivo-a pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou a si mesmo por mim”. (Gl 2,20). E prossegui: “Doravante ninguém mais me moleste. Pois trago em meu corpo as marcas de Jesus”. (Gl 6,17).

Um belo Apoftegma dos Padres do deserto (antigos monges) traduzido do copta, exprime para nós, de modo muito belo a importância da vida interior, a perseverança que devemos ter na caminhada para Deus, e o foco que todos nós cristãos devemos ter na pessoa de Jesus Cristo.  Isso indispensável a toda existência e vivência cristã. A vida monástica a qual o texto se refere, cada um saberá na sua caminhada do que se tratará. Vejamos:


“Um monge encontra outro e lhe pergunta: “Por que tantos abandonam a vida monástica? Por quê? E o outro monge respondeu: “A vida monástica é como um cão que percebe uma lebre. Ele corre atrás da lebre latindo; muitos outros cães, ouvindo seu latido o alcançam e correm todos juntos atrás da lebre. Mas no fim de algum tempo, todos os cães que correm sem ver a lebre dizem: mas aonde é que nós vamos? Por que corremos? Eles se cansam, se perdem e param de correr, um depois do outro. Somente os cães que veem a lebre continuam a persegui-la até o fim, até que eles a apanhem”. E a história conclui: apenas aqueles que têm os olhos fixados na pessoa de Cristo na Cruz perseveram até o fim...

Portanto, devemos abraçar a cruz e permanecermos seguros no Cristo e nos seus ensinamentos, os quais nos conduzirão ao Reino de Deus. 

PASSAGENS RELATIVAS A

 CONFIGURAÇÃO COM CRISTO.

 

- Mt 19,16-22 – O jovem rico.

- Mt 23,27-32 – Crítica aos fariseus.

- Jo 6,60-69 – Alguns que não creem.

- At 11,26 – Chamados cristãos pela primeira vez.

- At 20,23-24 – Os sofrimentos.

- 1Cor 2,2 – Saber apenas do Cristo crucificado.

- 1Cor 1,23-24 – Pregar Jesus e não se escandalizar.

- 1Jo 5,4-5 – Vence o mundo quem nasce de Deus.

- Fl 3,18 – Inimigos de Cristo.

- Gl 2,20 – A glória da cruz. Crucificados com Cristo.

- Gl 5,24 – Crucificar a carne por amor a cristo.

- Gl 6,14-17 – Gloriar-me na cruz de Cristo. 


Cf. Os absurdos atuais em relação a fé cristã. (II)

Cf. Algumas dificuldades atuais na caminhada de fé da vida cristã (III).

REFERÊNCIAS

BÍBLIA DE JERUSALÉM. Nova edição, revista e ampliada. São Paulo: Paulus, 2002.

Ut In Omnibus Glorificetur Deus (RB 57, 9)