segunda-feira, 1 de agosto de 2022

O VALOR DE UMA AMIZADE VERDADEIRA

 

Dom Gilvan Francisco dos Santos, O.S.B

(Monge Beneditino)

Salvador, Bahia – 1º de agosto de 2022


Uma Amizade verdadeira não tem preço. Pois, um bom e verdadeiro Amigo é um tesouro incalculável. (Dom Gilvan Francisco, O.S.B).

 

Em oferecer uma pequena flor, num toque, num olhar, numa simples palavra, podemos muito bem perceber o grau de carinho ou de amizade do outro ser. (Dom Gilvan Francisco dos Santos, O.S.B).

N o nosso mundo atual com a Era Digital e a globalização, muitos conceitos importantíssimos à vida humana enfraqueceram ou se tornaram obsoletos ou até mesmo se perderam. Por isso, devemos de vez em quando voltarmos a analisar estes conceitos relativos a nossa sobrevivência na terra. A Amizade é um desses. Fala-se muito de amizade, mas nem todos sabem o que é verdadeiramente uma Amizade verdadeira.


O assunto sobre a Amizade é muito vasto. Aqui ponho algumas partes da minha tese do curso de Licenciatura em Filosofia – 2009-2011, que teve como tema: AMIZADE E FELICIDADE SEGUNDO ARISTÓTELES. Desejando contribuir um pouco no esclarecimento desse conceito tão importante para a nossa sociedade. Falarei também não só na parte filosófica, mas também pincelarei num cunho teológico, porém muito resumido devido a vastidão do assunto. Aos interessados, poderão se aprofundar na linha desejada. Aristóteles na sua obra Ética a Nicômaco, escreveu dois livros nos quais ele discorre sobre a natureza da Amizade. São eles: Os livros VIII e IX.


Entre milhares de textos que foram escritos pelos séculos, de uma multidão de frases e demonstrações de afetos de todos os tipos, os quais as pessoas constantemente dirigem uma para com as outras, deixo aqui uma pequena contribuição para os meus leitores, nesse pequeno e simples texto, alguns conceitos sobre este assunto, que muito aprecio. Isto é, a AMIZADE VERDADEIRA e o seu valor no convívio social. Pois, a Amizade verdadeira para mim é uma das coisas mais importantes e sérias e creio que também para a vida de todos aqueles que se encontram em sociedade. A Amizade verdadeira é reciprocidade; e nela não pode haver nenhum vício que possa prejudicar o outro a quem se dirige o seu respeito, amor, afeto e outros bens que sustentam esse vínculo amistoso entre duas pessoas. Pois, só assim, ela se sustentará e não se acabará.


Chamar a outro de amigo, isso não quer dizer que sejam verdadeiros amigos. O coleguismo ou o companheirismo pode estar na relação de Amizade, mas apenas essas relações não se configura numa Amizade verdadeira. Tem uma frase que diz: Tenho muitos conhecidos, mas poucos Amigos.” Isso é a pura verdade. Não confundamos a Amizade com formas de companheirismos ou coleguismos. Pois, ela está muito além dessas formas de relação.


A plataforma do Facebook, sabendo bem das vantagens e o valor do conceito de amizade, colocou nesta o termo amigo, para que com isso tivesse mais resultados de aceitação e procura entre as pessoas nas suas contas. Porém, o conceito de uma Amizade verdadeira ficou muito prejudicado, porque as pessoas não veem mais o sentido verdadeiro de uma amizade em sua origem, seja ela filosófica ou teológica, e por causa desse, e outros fatores sociais, ela tornou-se uma coisa comum e desgastada. Digo sempre que a Amizade nunca foi e jamais será uma coisa comum. Se estudarmos os antigos veremos bem como eles falaram e trataram o conceito de Amizade, seja entre os seres humanos ou os animais. Para mostrar um pouco sobre isso, darei pinceladas com algumas passagens filosóficas e teológicas, para assim tentar esclarecer um pouco o valor de uma Amizade verdadeira.


Pois bem! Certo dia discorrendo vários assuntos durante uma discussão, o grande filósofo Aristóteles (*385 a.C +322 a.C) se vê obrigado a falar sobre a Amizade. Seria esta uma virtude? Ou implicaria uma virtude? Para o homem grego, a virtude é um valor moral recebido na sua formação como cidadão da Polis. A Amizade está relacionada à existência em toda a sua dimensão racional e irracional, a saber: do ser humano e dos animais, visto que, sem amigos todos os outros bens humanos e, materiais, possuído pelos indivíduos não promoveriam ou proporcionariam satisfação.


Logo, Aristóteles aponta a Amizade como uma necessidade intrínseca ligada à vida, às realidades humanas. Porque, sem amigos ninguém escolheria viver, ainda que possuísse todos os outros bens.” (Ética a Nicômaco, VIII 1, 1155a; p. 379).


O que podemos observar é que os conceitos de Amizade e Felicidade estão por vezes correlacionados seja na linha direta aristotélica, a saber, seus escritos sobre o assunto, discursos e aforismos, seja na dos outros expoentes deste conceito, tais como Platão, Sócrates, Sêneca, etc.


Se dissermos que a Amizade passa através da relação entre pessoas que se amam e se respeitam mutuamente, a Felicidade é conseqüência, também gerada, a partir, mesmo dessa experiência do outro. Para Aristóteles tudo o que se busca é encontrado de certa maneira. Você busca para si uma Amizade que te fará feliz e que contribua de alguma maneira te acrescentando algo mais. Não se busca a si mesmo no outro, nem se procura tirar proveito do que o outro tem de bom, mas tudo acontece como que por relação e participação, por antonomásia. Nós nos completamos de certa maneira e enxergarmos o amigo como um espelho de nós mesmos.


O conceito que sempre segui é o do filósofo Aristóteles. A meu ver este é o conceito mais belo de Amizade que também está ligado ao conceito da Felicidade. O filósofo nos diz que só existe Amizade entre iguais e suas espécies. Para ele existem várias formas de amizade, porém estas são pautadas em três tipos. Espécies desiguais são espécies diferentes, o que Aristóteles, quer dizer, é, para que a amizade seja igual é preciso haver semelhança com a espécie. Espécies iguais, a saber, os homens entre si e os animais com os da sua raça e espécie.


As espécies se atraem diz o filósofo. Ou seja, se esta é uma afinidade, logo as pessoas boas estão propensas a buscar amigos bons, ou melhor, buscar nos seus semelhantes algo que elas possuem em si mesmas. Aristóteles nos mostra nos seus aforismos que “igual com igual” ou os “semelhantes se atraem”. “Semelhante busca o semelhante”. O filósofo descreve três tipos de amizade. São elas: 1) A de utilidade, (ÚTIL). 2) A boa, (VERDADEIRA). 3) A AGRADÁVEL ou PRAZEROSA. No entanto, na Amizade verdadeira está também a utilidade, o agradável e o prazer.


Por fim, a Amizade é verdadeira quando é desinteressada. E o grupo dos pitagóricos ainda intensifica estes conceitos dando suas contribuições também já um pouco diferenciadas, ampliando o horizonte. Eles dizem que a Amizade é: “um sentimento forte, não comum, que não se dá a todos ou não se recebe de todos, mas que liga apenas homens que tenham uma comunhão de sentimentos”. (HYPNOS: Da Amizade, São Paulo: EDUC; PAULUS; TRIOM, 1996; n. 22/2009; p.3).


Tendo explanado um pouco esse conceito na linha filosófica, entremos na linha teológica e outros conceitos básicos atuais.


Visando um conceito teológico, vejamos algumas narrações bastante importante nas sagradas Escrituras, que muitas vezes nos passam despercebidas e que falam sobre o conceito de uma Amizade verdadeira.


Citando a primeira delas, leiamos com atenção o capítulo 11º do Evangelho segundo São João, que narra a Amizade de Jesus com Marta, Maria e Lázaro, bem como a tristeza e choro de Jesus pela perda do seu amigo Lázaro o qual ele o ressuscitou da morte. “Havia um doente, Lázaro, de Betânia, povoado de Maria e de sua irmã Marta. [...]. As duas irmãs mandaram, então, dizer a Jesus: “Senhor, aquele que amas está doente”. [...]. Ora, Jesus amava Marta e sua irmã e Lázaro. [...]. “Nosso amigo Lázaro dorme, mas vou despertá-lo”. [...]. “Jesus, porém, falava de sua morte e eles julgaram que falasse do repouso do sono. Então, Jesus lhes falou claramente: “Lázaro morreu. Por vossa causa alegro-me de não ter estado lá, para que creiais. Mas vamos para junto dele!”. Ao chegar, Jesus encontrou Lázaro já sepultado havia quatro dias. [...]. “Onde o colocastes?” responderam-lhe: “Senhor, vem e vê!” Jesus chorou. Diziam, então os judeus “vede como ele o amava!” (Cf. Jo 11,1-44). Essa é uma passagem muito importante diante do conceito de Amizade, pois vemos Jesus se comover por três vezes diante da morte do seu amigo.


Outra passagem muito bela é aquela ocorrida durante a prisão de Jesus quando o Senhor sabendo bem quem era Judas Iscariotes, e os planos que este possuía, ainda o chama de Amigo. Assim nos narra o Evangelista São Mateus: “E enquanto ainda falava, eis que veio judas, um dos Doze acompanhado de grande multidão com espadas e paus, da parte dos chefes dos sacerdotes e dos anciãos do povo. Seu traidor dera-lhes um sinal, dizendo: “É aquele que eu beijar; prendei-o”. E logo, aproximando de Jesus, disse: “Salve Rabi!” e o beijou. Jesus respondeu-lhe: Amigo, para que estás aqui?” Então, avançando, deitaram a mão em Jesus e o prenderam.” (Cf. Mt 26,47-50; Mc 14,43-52; Lc 22,47-53; Jo 18,2-11). O interessante é que só São Mateus narra que Jesus chamou o seu traidor Judas, de amigo, ou seja, mostrando assim um conceito de Amor e verdadeira Amizade para com ele e os seus discípulos. Portanto, essa pergunta: Amigo, para que estás aqui? tem um grande significado teológico e  também filosófico. Jesus amava incondicionalmente os seus Amigos. Por isso, não pode haver dúvidas e desconfianças entre os amigos, pois, se tens dúvidas de uma pessoa, não és amigo dela. Esse é mais um conceito da Amizade que poucos se atentam. Na Amizade verdadeira não há lugar para dúvidas em relação a pessoa do outro. Ou és amigo ou não és.


Outra bela forma de Amizade verdadeira podemos ver entre o jovem Davi e Jônatas filho primogênito do rei Saul. “Aconteceu que terminado ele de falar com Saul, Jônatas apegou-se a Davi. E Jônatas começou a amá-lo como a si mesmo...” (1Sm 18,1-5). Em outra passagem Jônatas ajuda Davi a livrar-se de seu pai Saul que intentava matá-lo. “Então Davi fugiu das celas de Ramá e veio ter com Jônatas, dizendo: “Que fiz eu? Qual a minha falta? Que crime cometi contra teu pai, para que procure tirar-me a vida?” ...” (Cf. 1Sm 20,1-42). Termos verdadeiros amigos é um bálsamo para a vida. Porque uma Amizade verdadeira não tem preço. Pois, um bom Amigo é um tesouro incalculável. Outra coisa que eu sempre digo aos meus conhecidos é que: quem tem muitos amigos não tem nenhum, porque com tantos, não saberão distinguir o que seja uma Amizade verdadeira.


O belo livro do Eclesiástico no seu capítulo sexto, versículos cinco a dezessete faz um belo elogio a Amizade. Amigo fiel é um poderoso refúgio, quem o descobriu, descobriu um tesouro.” (Eclo 6, 14).


Como foi dito anteriormente que numa Amizade não poderá haver dúvidas, desconfianças e enganações, portanto, ficará mais fácil saber quem são seus verdadeiros Amigos. Se você ama verdadeiramente uma pessoa, jamais minta para ela, pois a mentira é a pior forma de traição que você poderá cometer contra quem ama. Ser sincero e verdadeiro é uma forma de amor e nos torna dignos, fortes e credíveis a todos. Isso servirá para ambas as partes.


O Sábio filósofo Platão (*428/427 a.C +348/347 a.C) nos diz: Onde não há igualdade, a Amizade não perdura.” No conceito do filósofo, eu busco no Amigo a semelhança perdurando assim a Amizade. Ambos se completam.


O escritor Gerardo Castillo diz no seu livro: Educar para a amizade, que: “Estamos assistindo, em conseqüência, a um processo de desvalorização do conceito de amizade. As pessoas pensam que, para terem muitos amigos, têm que dar razão aos outros sistematicamente, usar de bajulação e incentivar a vaidade alheia.” (CASTILLO, 1999; p.7). Isso é o que mais vemos hoje nas redes sociais. Eu sou seu amigo enquanto falo tudo o que você quer ouvir, mas quando ouvem algo que deveriam ouvir, logo a amizade acaba. Não quero dizer aqui que devemos atirar aquilo que achamos ser a verdade, para todos os lados. Não. Devemos estar atentos às situações de cada indivíduo e outros aspectos sociais convenientes para o esclarecimento do assunto que será tratado entre ambos. Como escrevi em outro texto, devemos ter muito cuidado com a nossa língua, porque isso poderá acarretar muitos problemas sociais.


Entre os verdadeiros Amigos há uma forma de atenção diferenciada que supera qualquer barreira. Se não existir esse sentimento atencioso, creia que aí não existe a verdadeira Amizade, o que pode existir é um coleguismo, companheirismo ou são apenas conhecidos que se dão muito bem nas coisas comuns da vida; o que é diferente da Amizade verdadeira. Duas frases de marketing que me chamaram bastante a atenção a esse respeito, diz: Tem gente que gosta da sua utilidade, não de você. Quando você deixa de ser útil não serve mais.” Aqui podemos perceber claramente aquele conceito aristotélico da amizade de utilidade. A segunda frase nos diz:Alguns falam com você quando sobra um tempo e alguns arrumam tempo para falar com você. Aprenda a diferença!”  (@marketingdeninja). Pois bem, quem fala que não tem tempo e passa semanas, meses sem uma comunicação com aqueles que chamam de amigos, isso é apenas uma desculpa. Não se enganem! Quando são verdadeiros Amigos, sempre se arruma um tempinho para eles. Se isso não acontece com aquele que diz ser teu amigo, é porque você não é tão importante assim para ele. Saiba disso. Eu, mesmo, com os muitos trabalhos que possuo, arrumo sempre um tempinho para os meus amigos. Mas, ao perceber que alguns não dão valor a nossa amizade, ou não desejam criar vínculo, então eu permaneço na minha e me comunico apenas com aqueles que se comunicam comigo. Creio que cada um já traçou a sua forma de comunicação o que é bastante importante.


Muito importante para se evitar chateações ou até mesmo desavenças numa relação entre pessoas, sabermos o que é ser colegas, companheiros, o que é diferente de uma Amizade verdadeira.


Os colegas, mesmo estando sempre perto de você, eles se distanciam e não criam vínculos com você, pois eles te procuram quando não estão bem, você muitas vezes o ajuda mais depois ele esquece da sua ação; desaparece e aparece conforme os seus interesses e muitas vezes não quer saber de você. Claro que isso não é via de regra para todos. Lembremos que aqui estamos falando sobre a Amizade verdadeira.


Quanto aos amigos, é aquele que te dá a mão em todos os momentos da vida, principalmente nas horas mais difíceis. Pois são nestes momentos de dificuldades que você saberá com certeza quem são os seus verdadeiros Amigos. Como diz o provérbio, os homens não podem conhecer-se mutuamente enquanto não houverem “provado sal juntos. (ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco, VIII n. 3. 25). No livro de Jó há uma bela passagem que mostra muito bem o que é ser Amigo verdadeiro. No sofrimento de Jó os seus amigos fica com ele na sua grande aflição. Três amigos de Jó – Elifaz de Temã, Badad de Suás e Sofar de Naamat – ao inteirar-se da desgraça que havia sofrido, partiram de sua terra e reuniram-se para ir compartilhar sua dor e consolá-lo.... (Cf. 2,11-13).  Isso sim é ser verdadeiros Amigos. Quando tudo vem contra você, eles cuidam, amparam, lhe seguram para você não permanecer prostrado no sofrimento e cuidam do seu coração. O Amigo verdadeiro é aquele que entende e sabe o verdadeiro significado do amor. Por isso dizemos ter ele, um preço incalculável. “Quem o encontra, encontra um tesouro.” (Eclo 6, 14).


Finalizo este pequeno texto com uma bela frase do grande filósofo Aristóteles sobre a Amizade verdadeira. Assim ele nos diz: “Acresce que uma amizade dessa espécie (verdadeira) exige tempo e familiaridade. Como diz o provérbio, os homens não podem conhecer-se mutuamente enquanto não houverem “provado sal juntos” e tampouco podem aceitar um ao outro como amigos enquanto cada um não parecer estimável ao outro e este não depositar confiança nele. (...); porque o desejo da amizade pode surgir depressa, mas a amizade não.” (ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco).


- Acesse o link sobre:

https://dimensaodaescrita.blogspot.com/2024/06/o-lado-nocivo-das-amizades-nos.html




REFERÊNCIAS


ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco. Tradução de L. Vallandro e G. Bornheim, São Paulo: Abril Cultural, 1973.


BÍBLIA DE JERUSALÉM. Nova edição, revista e ampliada. São Paulo: Paulus, 2002.


CASTILLO, Gerardo. Educar para a amizade: um manual para pais e professores; tradução de Roberto Vidal da Silva Martins. - São Paulo: Quadrante, 1999.


DOM GILVAN FRANCISCO DOS SANTOS, OSB. Amizade e Felicidade segundo Aristóteles. Trabalho monográfico apresentado ao Curso de Licenciatura em Filosofia, da Faculdade São Bento da Bahia, como requisito parcial para obtenção do título de Licenciatura em Filosofia. Orientador: Prof. Pe. Jose de Maria Vazquez – Salvador – Bahia, 2011.


HYPNOS: Da Amizade, revista do centro de estudos da Antiguidade Greco-Romano (CEAG). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Ano I, n. 1(1996) São Paulo: EDUC; PAULUS; TRIOM, 1996; n.22/2009; p.3.


Ut In Omnibus Glorificetur Deus (RB 57, 9)


sábado, 16 de julho de 2022

O PODER DA LÍNGUA E SUAS IMPLICAÇÕES EM NOSSA VIDA, NA SOCIEDADE E NO MUNDO.

 

Dom Gilvan Francisco dos Santos, O.S.B

(Monge Beneditino)

Salvador, Bahia – 16 de julho de 2022


Tudo aquilo, portanto, que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles, pois esta é a Lei e os Profetas.” (Mt 15,10

A língua é um membro pequeno do nosso corpo, porém, ela tem o poder de trazer grandes bens, mas também uma multidão de males para nós, a nossa sociedade e para o mundo. Portanto, fiquemos atentos em relação a esse órgão importante, no entanto, perigoso. Porque com o mal uso dele, podemos acarretar uma série de problemas graves como: mau relacionamentos entre familiares, amigos, males sociais, guerras, mortes, intrigas etc. E pasmem! A nossa língua mata tanto quanto uma bala.


Quantos males em nossa humanidade poderíamos ter evitado se tivéssemos guardado a nossa língua em nossa boca, não pronunciando palavras alguma em certas situações da nossa vida. É por isso que as Escrituras tanto nos adverte sobre este membro tão importante para o corpo, e para as nossas relações humanas. Um órgão salvador de vidas, mas, também mortífero. Daí o grande cuidado que devemos ter em relação a nossa língua.


O Patriarca São Bento de Núrsia, abade (480-547), no capítulo quarto de sua Regra, adverte os seus monges sobre o perigo desse membro, dizendo: “Não levantar falso testemunho.” (RB 4,7), e mais adiante ele praticamente explica como se deve proceder quanto à tentação da língua quando diz: “Guardar sua boca da palavra má ou perversa. Não gostar de falar muito. Não falar palavras vãs ou que só sirvam para provocar riso.” (RB 4,51-53). São Bento sabia muito bem quais eram os riscos que os seus monges estavam sujeitos a caírem.


As Sagradas Escrituras nos mostra muito bem, em inúmeras das suas passagens, este cuidado que devemos possuir em relação a este pequeno órgão do nosso corpo.


A Carta de São Tiago vem nos alertar contra o pecado da cólera. O Apóstolo assim nos adverte: “Isso podeis saber com certeza, meus amados irmãos. Que cada um esteja pronto para ouvir, mas lento para falar e lento para encolerizar-se; pois a cólera do homem não é capaz de cumprir a justiça de Deus. [...]. Se alguém pensar ser religioso, mas não refreia a língua, antes se engana a si mesmo, saiba que sua religião é vã.” (Tg 1, 19b-20.26).


Com isso, São Tiago não nos manda ficarmos sempre calados ou que sejamos omissos às coisas que acontecerem ao nosso redor. O pronto para ouvir e o lento para falar, que ele nos alerta, creio que seja em relação ao bom uso da razão para o uso adequado da palavra certa, no momento certo. Nem sempre o falar pouco é sinônimo de virtude. O pecado da omissão pode se esconder sob a forma do silêncio. Pode ser também medo, fraqueza de caráter e omissão o que pode acarretar em curto ou longo prazo, sérios problemas para uma comunidade.


Fiquemos atentos e nos apoiemos nas palavras inspiradas do Apóstolo São Tiago, que em outro versículo da sua Carta nos ensina contra a intemperança da língua. Pois, através dela podemos fazer grandes coisas, boas e más. Escutemos mais uma vez o Apóstolo: “Irmãos, não queirais todos ser mestres, pois sabeis que estamos sujeitos a mais severo julgamento, porque todos tropeçamos frequentemente. Aquele que não peca no falar é realmente um homem perfeito, capaz de refrear todo o corpo. Quando pomos freio na boca dos cavalos, a fim de que nos obedeçam, conseguimos dirigir todo o seu corpo. Notai que também os navios, por maiores que sejam, e impelidos por ventos impetuosos, são, entretanto, conduzidos por um pequeno leme para onde quer que a vontade do timoneiro os dirija. Assim também a língua, embora seja pequeno membro do corpo, se jacta de grandes feitos! Notai como pequeno fogo incendeia a floresta imensa. Ora, também a língua é fogo. Como o mundo do mal, a língua é posta entre os nossos membros maculando o corpo inteiro e pondo em chamas o ciclo da criação, inflamada como é pela geena. Com efeito, toda espécie de feras, de aves, de répteis e de animais marinhos é domada e tem sido domada pela espécie humana. Mas a língua, ninguém consegue domá-la: é mal irrequieto e está cheia de veneno mortífero. Com ela bendizemos ao Senhor, nosso Pai, e com ela maldizemos os homens feitos à semelhança de Deus. Da mesma boca provêm bênção e maldição. Ora, tal não deve acontecer, meus irmãos. Porventura uma fonte jorra, pelo mesmo olheiro, água doce e água salobra? Porventura, meus irmãos, pode a figueira produzir azeitonas ou a videira produzir figos? Assim, a fonte de água salgada não pode produzir água doce.” (Tg 3, 1-12).


Muitas vezes não percebemos a gravidade de certos atos nossos que vem pela nossa língua. É muito forte essa exortação do Apóstolo, quando nos diz que: Mas a língua, ninguém consegue domá-la: é mal irrequieto e está cheia de veneno mortífero. Com ela bendizemos ao Senhor, nosso Pai, e com ela maldizemos os homens feitos à semelhança de Deus. Da mesma boca provêm bênção e maldição.” (Tg 3,8-10). E, mais adiante no capítulo quarto, ele nos adverte novamente. Não faleis mal uns dos outros, irmãos. Aquele que fala mal de um irmão ou julga o seu irmão, fala mal da Lei e julga a Lei. Ora, se julgas a Lei, já não praticas a Lei, mas te fazes juiz da Lei.” (Tg 4,11). Um bom estudo da Carta de São Tiago nos esclareceria muitas coisas em relação a nossa vivência em sociedade. E refrearíamos mais a nossa língua em ocasiões desnecessárias da vida.


Vejamos agora uma passagem livro do Eclesiástico que nos mostra muitas passagens em relação ao falar e ao calar. “Aquele que refreia sua língua viverá sem disputas, aquele que odeia o palavreado escapa do mal. Não repitas jamais um boato e não serás em nada diminuído. Não contes nada de um amigo nem de um inimigo, e, se não incorres em culpa, nada reveles. Pois o que ouviu não confiará mais em ti e chegado o momento, te odiará. Ouviste alguma coisa? Sê como túmulo.” (Eclo 19,6-10).


E ainda diz: “Faze para as tuas palavras balança e peso; para a tua boca, porta e ferrolho. Vela para não dares passo em falso com a língua, cairias diante daquele que te espreita.” (Eclo 28, 29).


Muitas outras passagens das Sagradas Escrituras, tanto no Antigo Testamento como no Novo, nos lembrarão sobre este órgão do nosso corpo, e a sua importância seja em relação ao falar ou no calar. Vejamos algumas delas nos dois Testamentos.


Antigo Testamento: Cf. Eclo 20,30-31; Ecl 3,7; Pr 4,24; Jn 2,3-10 clamor; Sl 5; Sl 9; Sl 11; Sl 16; Sl 35,28 – a língua que medita a justiça de Deus; Sl 36,4 – quanto a maldade do ímpio; Sl 38; Sl 49; Sl 56; Sl 63 – sobre a língua afiada; Sl 72; Sl 77; Sl 91 – anúncio das maravilhas de Deus; Sl 119; Sl 139; Sl 146 – canta a bondade de Deus. Aqui são apenas umas poucas citações no que diz respeito a nossa língua e como devemos usá-la. O Antigo Testamento tem muitos outros livros que abordam este assunto.


No Novo Testamento podemos mostrar certas passagens muito necessárias para a nossa caminhada em sociedade. Já tendo visto acima algumas passagens da Carta de São Tiago, confiramos mais uma vez outras passagens do Testamento. Cf. Mt 5,9 – a promoção da paz; Mt 7,1 – não julgar a ninguém; Mt 12,33-37; Mt 15,10; Mc 5,19 – anúncio das misericórdias de Deus; Mc 7,35-37; Mc 9, 34 – sobre o silêncio; Ef 4,25, etc.


Muitos santos da Igreja, guiados por estas e muitas outras passagens das Escrituras, tiveram revelações e iluminações do Espírito Santo a respeito das vantagens e desvantagens do falar e do calar. Como exemplo cito aqui algumas passagens do belo e importante Diário de Santa Maria Faustina Kowalska (1905-1938) que muito foi agraciada por Jesus Cristo em relação a língua e suas implicações na vida em sociedade. Cf. Diário n. 92 – uma prece após a sagrada comunhão para a cura da língua; Diário n. 163 – devemos calar diante dos sofrimentos; Diário n. 375 – quanto a abnegação da nossa língua; Diário n. 896 – sempre fugir da murmuração; Diário n. 1760 – fugir das murmurações como de uma peste.


Fiquemos muito atentos a nossa língua, pois ela mata tanto quanto uma bala no revolver a ser disparada contra uma pessoa. Mas, também é um bálsamo para os que estão sofrendo e precisando de uma palavra amiga, encorajadora, estimuladora, podendo assim salvar vidas. Apenas sejamos atentos as ocasiões quando formos usar este órgão tão importante do nosso corpo. Se seguirmos os sábios conselhos das Sagradas Escrituras e dos santos, que já venceram suas batalhas, muitos feitos bons poderemos fazer para nós, nosso próximo e para o mundo, através da nossa língua.


REFERÊNCIAS

BÍBLIA DE JERUSALÉM. Nova edição, revista e ampliada. São Paulo: Paulus, 2002.


ENOUT, Evangelista João. A Regra de São Bento. Latim-Português. Tradução D. João Evangelista Enout, O.S.B; Rio de Janeiro: LUMEM CHRIST, 1992.


KOWALSKA, Faustina Santa. Diário: da serva de Deus Irmã Faustina Kowalska Professa perpétua da Congregação de N. S. da Misericórdia. 1ª Edição. [Tradução: Prof. Mariano Kawka]. – Curitiba, Paraná – Congregação dos Padres Marianos, 1982. 

Ut In Omnibus Glorificetur Deus (RB 57, 9)

 


terça-feira, 3 de maio de 2022

PEQUENA BIOGRAFIA DA SERVA DE DEUS ELISABETH LESEUR (1866-1914) UM MODELO DE LEIGA NA VIDA DA IGREJA.

ELISABETH LESEUR UM MODELO DE LEIGA NA VIDA DA IGREJA. 
*16 outubro 1866 
+03 maio 1914 
Sua Memória é celebrada no dia 03 de maio. 

 Dom Gilvan Francisco dos Santos, O.S.B 
(Monge Beneditino)
Salvador, Bahia - 03 de maio de 2022


Meu Deus ajudai-me, e, sem que eu saiba, servi-Vos de mim para fazer um pouco de bem. Fazei que, segundo uma comparação que muito aprecio, eu seja o vaso grosseiro através do qual brilha uma luz que alumia e aquece. Vós que sois essa luz, e, através de mim vinde alumiar as almas que me são infinitamente caras”. (ELISABETH LESEUR, JORNAL E PENSAMENTOS DE CADA DIA, 1954, p. 66).

Desde já peço desculpas aos meus leitores por iniciar esta biografia falando um pouco da minha experiência e de como tive contato com a santa vida de Elisabeth Leseur.

Pois bem! Falar ou escrever sobre Elisabeth Leseur será sempre para mim grande motivo de alegria. Eu tive a graça de ter contato pela primeira vez com uma das suas belas obras, intitulada: CARTAS SOBRE O SOFRIMENTO livro editado no Rio de Janeiro no ano de 1950. Isso ocorreu no ano de 2003, na biblioteca do Mosteiro de São Bento de Garanhuns, Pernambuco, ao qual eu pertencia. Como um amante dos estudos, dei de cara em uma das nossas estantes com o citado livro. Levei-o para minha cela, li-o por inteiro e, percebi de imediato a grandeza da alma de Elisabeth Leseur, até então desconhecida para mim. Fascinado pelo seu espírito, sua convicção cristã, seu silêncio, seus sacrifícios unidos aos de Cristo pela Igreja, seu amor a Deus e ao próximo, tomei-a como guia para certas ocasiões de minha vida juntamente com outros santos de minha devoção. E, não errei ao fazer tal coisa! A cada dia que me debruço sobre os seus preciosos escritos, encontro neles, novas luzes que clareiam a minha pequena fé no bom Deus. Elisabeth Leseur é daquelas almas que vai nos falando, nos ensinando coisas ocultas em relação a nossa fé e, assim, vai nos fascinando, nos fortalecendo e nos enchendo do amor de Deus.

Diante disso, fiz inúmeras citações em folhas soltas e guardei-as para meus estudos pessoais. Porque o livro não me pertencia. Se passaram os anos; porém em 2011 ao iniciar o Curso de Bacharelado em Teologia, o primeiro pensamento que me veio à mente foi: vou fazer o meu trabalho de conclusão do curso sobre Elisabeth Leseur. Porque eu já tinha bastante conhecimento sobre o seu pensamento e a sua santa vida. E, mais uma vez, fiquei surpreso, porque durante o curso teológico, um colega da turma me presenteou com mais uma de suas obras; outro livro que não conhecia. A obra era: A vida espiritual de Elisabeth Leseur editada em 1958. Livro: (cf. LESEUR, Elisabeth. A vida espiritual (Pequenos tratados de vida interior). Rio de Janeiro: Irmãos Pongetti, 1958). Fiquei radiante de alegria por ter agora uma obra para trabalhar na minha tese de conclusão do curso. No entanto, precisava conseguir as outras para iniciar o trabalho monográfico. Pensei. Como conseguirei as outras obras? No Brasil ela é pouco conhecida e não tendo novas edições dos seus escritos ficaria difícil para mim conseguir estes livros. Então entrei nos Sebos pela internet e encontrei todos os seus principais livros. Fiquei muito feliz por isso e, assim, concluí o meu trabalho monográfico sobre aquela que tanto me ajudou e ainda ajuda na minha caminhada de fé e vocação. Por isso, esta serva de Deus é tão importante para mim. Já conhecendo um pouco de como tive contato com tão grande alma, passemos agora a falar da santa vida da serva de Deus.

Para esta biografia usei como referência citando e comentando parte do meu trabalho monográfico apresentado em 2015 na Faculdade de São Bento da Bahia, intitulado: O ESPÍRITO DE SACRIFÍCIO SEGUNDO A SERVA DE DEUS ELISABETH LESEUR.

Quem se depara com as obras de Elisabeth Leseur e não possui uma certa compreensão do conceito de mística, não entenderá ou terá grande dificuldade para compreender certos assuntos, pois a sua linguagem traz um cunho puramente místico. Por exemplo quando ela diz que: O sofrimento faz a vida: ele transforma tudo o que toca e tudo o que atinge (JORNAL E PENSAMENTOS DE CADA DIA, 1954; p. 218). Aqui, os não entendidos de espiritualidade mística se assustarão e não compreenderão tal afirmação. Em uma pequenina frase como esta vem carregada de sentido de amor de Deus, de desapego, de entrega, de oblação, etc. Portanto, os escritos Leseriano tem uma profundidade e iluminação do Espírito Santo que fascina e impressiona os verdadeiros cristãos.

Na primeira parte do seu Jornal, ou seja, seu Diário Espiritual, assim ela se expressa: “Mas, atualmente, todos os desejos, impulsos, afetos que encerra minha alma devem ficar comprimidos e não se expandir senão diante de Deus”. E continua em seu pensamento: “Tudo o que isto representa de sofrimentos, ofereço-o pelas almas que me são caras. Nada se perde, nem um sofrimento, nem uma lágrima”. Nessa meditação de Elisabeth percebemos claramente a sua grandeza de espírito e seu verdadeiro amor por Deus e pelas almas. Sua vida foi toda de muitos sacrifícios oferecidos a Cristo com amor.

Ao ouvir o termo Sacrifício, quantas almas, mesmo cristãs, fogem deste nome, nem sequer deseja ouvi-lo, sem ao menos conhecer os seus frutos, é claro. E estes frutos só virão se os seus sacrifícios forem unidos aos sofrimentos de Jesus Cristo. Assim nos ensina o Apóstolo Paulo: “Agora regozijo-me nos meus sofrimentos por vós, e completo o que falta às tribulações de Cristo em minha carne pelo seu corpo, que é a Igreja” (Cl 1,24). Porque, de outra forma, sem a união com os padecimentos de Cristo e sua conformidade com ele, de que valeriam os sacrifícios que fazemos e os sofrimentos aos quais passamos nesta vida?

Elisabeth é uma leiga parisiense que viveu no final do século XIX e início do XX, uma mulher extraordinária, extremamente culta e de uma vida mística intensa repleta de Deus e de grande amor pelo próximo, assim como nos pede Jesus nas Escrituras Sagradas. “Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros. Como eu vos amei, amai-vos também uns aos outros. Nisso reconhecerão todos que sois meus discípulos se tiverdes amor uns pelos outros” (Jo 13, 34-35).

Toda a vida de Elisabeth foi só doação por si, pelos seus, de modo muito especial pelo seu esposo Félix Leseur o qual era um ateu ferrenho contra a Igreja, ela sacrificava-se pela Igreja e por todo o mundo. Assim, percebemos pela sua vida que esta grande alma correspondeu àquilo que pede nosso Salvador Jesus Cristo. Isto é, o Amor.

No entanto, devido a esse amor pelo seu próximo e entrega ao seu amado Senhor Jesus Cristo, a vida desta serva de Deus foi pautada em muitos sofrimentos, porém, não apenas em sofrimentos, mas em alegrias e até êxtase. Sabemos bem que todos aqueles que se dedicam ao reino de Deus, passam por muitas tribulações mas, também alegrias, pois estes dois momentos da vida humana, nos ensinam novos métodos de seguimento do Cristo. Momentos que se alternam na vida humana e que todos passam por eles. Mas, para os verdadeiros cristãos, os sofrimentos e tribulações não os privam das alegrias da vida, porque eles sempre enxergarão estas tribulações como uma balança onde são pesados e assim cristalizados o nosso amor. Estas duas forças, podemos chamar aqui, quando bem meditadas e vividas com equilíbrio, só nos fortalece, nos encoraja e nos impulsiona a ter uma ligação mais íntima com o Criador e sua criação. Assim aconteceu com essa alma de escol que aqui apresento.

PAULINE ELISABETH ARRIGHI, seu nome de batismo, mais tarde conhecida e chamada de SENHORA ELISABETH LESEUR por contrair núpcias com um afamado médico Felix Leseur no dia 31 de julho de 1889. O senhor Félix Leseur estará ligado a toda a sua história não apenas por ser seu esposo, mas por causa da sua conversão, pois, quase todos os sacrifícios feitos por Elisabeth em segredo, conhecidos apenas por Deus, veio a público após a sua morte, ocorrida no ano de 1914. A conversão de Félix Leseur, só ocorreu após a morte de Elisabeth no mesmo ano, ingressando este como noviço na Ordem dos Pregadores de São Domingos (Dominicanos) no ano de 1919, sendo assim ordenado sacerdote em 1923. Como profetizara muitos antes a sua amada esposa. Por duas vezes Elisabeth faz esta profecia em relação a Félix, que ele ainda seria um bom cristão e se tornaria religioso. No convento, Félix com a aprovação do seu superior, passou a maior parte dos seus vinte sete anos restantes a falar sobre os escritos espirituais da sua esposa. A figura de Félix foi de grande importância para a abertura do processo da causa de beatificação e canonização de Elisabeth Leseur, o qual foi iniciado em 1934.

Elisabeth nasceu no dia 16 de outubro de 1866 na cidade de Paris – França, na “Rue Baillif” perto do museu do Louvre. Esta rua desapareceu para dar lugar à ampliação do Banco de França, sendo demolida a casa onde nascera. Era filha do senhor Antônio Arrighi, “católico não muito praticante, porém possuía uma vida exemplar”; homem de grande valor intelectual e extrema bondade, era de origem Corsa, doutor em direito, advogado da corte imperial, membro do conselho geral da Córsega (eleito em 1867). O Sr. Arrighi faleceu no dia 29 de dezembro de 1889); e da senhora Gatienne Maria Laura Picard, nascida no dia 30 de dezembro de 1842 a qual pertencia a uma família da antiga burguesia. “Mulher religiosa mas um pouco formalista – a quem a filha dedicaria Apelo a vida interior”.  Elisabeth é a primeira no total de cinco filhos do casal; 2) Amélia, nascida em 04 de setembro de 1868), 3) Pedro, nascido em 13 de agosto de 1870), 4) Julieta, nascida em 05 de setembro de 1872), e 5) Maria, nascida 18 de março de 1875). Julieta é a preferida de Elisabeth.

Certa vez, Félix Leseur disse que, quando se pediu para escrever um tema para o diário de sua irmã pequena, Elisabeth escreveu o seguinte: TODA ALMA QUE SE ELEVA, ELEVA O MUNDO. Esta é a frase mais conhecida e comentada de Elisabeth. Citada até por São João Paulo II na sua Exortação Apostólica “Reconciliatio et Penitentia” n. 16.

No ano de 1895 Elisabeth sofre um grave acidente de automóvel. Do qual veio a sofrer por toda a sua vida deixando-lhe uma sequela.

Interessante que no ano de 1897, ela teve uma grande crise de fé. Felix fazia o possível para afastar a sua esposa das práticas da Igreja, e assim, durante uma viagem a Bayreuth para o Festival Wagner, rompeu-se o frágil fio que ainda a prendia à prática da religião. Félix consegue por algum tempo afastar Elisabeth da sua piedade.

Esta crise durou até o verão do ano de 1898. Ela ler: Origens do Cristianismo de Renan (negativista, antigo seminarista de Issy. Ele odiava a pessoa de Cristo) – e A VIDA DE JESUS. Esta obra Elisabeth a confronta com o Evangelho e descobre que tudo neste livro é apenas erros. Tudo em sua alma revive e volta a sua prática espiritual com mais força.

Um fato muito interessante ocorrera na vida de Elisabeth em uma das suas muitas viagens. A do dia 10 de julho de 1910 quando ela vai de Paris a Jougne onde possuía uma propriedade, e faz uma parada em Beaune, que não conhecia, e visita o célebre hospital nesta cidade, nessa visita, ela conhece uma pequena menina chamada MARIA que estava enferma e firma com ela uma bela amizade. A menina Maria falece no dia 16 de dezembro de 1910. Essa criança foi muito importante na vida de Elisabeth, porque foi a partir dela que nasceu uma verdadeira e santa amizade com a IRMÃ MARIA GOBY, religiosa da Congregação das Irmãs Hospitaleiras, que trabalhava nesse hospital. Em 11 de agosto de 1911 Elisabeth se encontra com a Irmã Maria Goby, pela primeira vez, e fica encantada, pois nela, Elisabeth vê a alma que sempre desejava encontrar. Esta irmã foi uma alegria para o seu coração. Dessa santa amizade nasceu mais tarde a sua mais importante Obra intitulada: CARTAS SOBRE O SOFRIMENTO obra que foi editada pelo seu esposo Félix, após a morte de Elisabeth.

Em 1905 junto ao leito da sua irmã Julieta que se encontrava enferma, Elisabeth fez uma profecia em relação ao futuro de Félix Leseur prevendo assim a sua conversão ao cristianismo. Felix não dar nenhuma importância a isso, pensa que seja pela fragilidade diante a doença da sua irmã. Achando tal afirmação absurda.

Passando-se os anos, em 1912 Elisabeth faz mais uma vez aquela mesma profecia que fizera junto ao leito de morte de sua cara irmã Julieta em 1905. Diz mais uma vez a seu esposo Félix: “Quando eu morrer, você se converterá e far-se-á religioso: será Dom Leseur, ou Frei Leseur… sim você será Frei Leseur”. “Se eu tiver de deixar você, Félix, você far-se-á monge. Conheço bem você, e estou absolutamente certa de que no dia em que você voltar a Deus não se deterá em meio do caminho, pois não faz as coisas pela metade”. Muitos sacrifícios que ela fazia era para que o seu amado esposo se convertesse a Deus.

Na sua vida espiritual Elisabeth Leseur teve muitos arroubos d’alma, isto é, aquela união estreita com seu Deus, união que os santos místicos sentiam, a qual deixavam em suas almas um gozo indelével. Certo dia, estando ela em peregrinação na cidade de Roma, no dia 22 de abril de 1903, precisamente na basílica de São Pedro, a Serva de Deus sente um destes arroubos da alma. Em relação a esta união com Deus assim Elisabeth descreve em seu diário: “Fui só, e depois de me ter confessado a um padre que falava francês, fui comungar na capela do Santíssimo. Esses instantes foram completos, e sobrenaturalmente felizes. Senti viver em mim, presente e trazendo-me um inefável amor, o Cristo abençoado, o próprio Deus; aquela alma incomparável falou a minha, e toda a ternura infinita do Salvador passou um instante em mim. Essa marca divina jamais se apagará. O Cristo Triunfante, o Verbo Eterno, Aquele que, homem, sofreu e amou, o Deus Uno e Vivo, tomou posse de minh’alma e eternamente, nesse momento indelével; senti-me por Ele renovada até ao íntimo, pronta para a nova vida, para os deveres, para a obra que quiser a Providência. Dei-me sem restrição, o presente e o futuro.” (JORNAL E PENSAMENTOS DE CADA DIA, 1954, p. 72). Diante dessa proximidade de Deus, Elisabeth se enche de amor, coragem, força, fé etc, para enfrentar as dificuldades do presente e as futuras. Por isso, ela nos diz: “De volta achei-me logo numa atmosfera de ironia, de crítica e de indiferença. Mais, pouco importava; a chama do Cristo ardia ainda dentro de mim.” (JORNAL E PENSAMENTOS DE CADA DIA, 1954, p. 72).

Em seu leito de morte, no mês de abril de 1914 ela profetiza mas uma vez, porém, desta vez foi em relação a grande Primeira Guerra Mundial, três meses antes do início. Desde o dia 12 de agosto de 1914 primeira grande Guerra rugia nas fronteiras (França x Alemanha) como Elisabeth Leseur tinha profetizado em seu leito de morte. Esta primeira Guerra teve início em 28 de julho de 1914 e durou até 11 de novembro de 1918.

No dia 28 de abril ela recebe os últimos Sacramentos (Extrema Unção). E em 29 de abril, deu seu último sorriso para Félix e perde a consciência até o fim.

No domingo no dia 03 de maio de 1914, precisamente na Festa da Invenção da Santa Cruz às 10h e 30min. da manhã ela entrega seu espírito ao Criador. Seu rosto permaneceu doce como o de um ser gozando de uma paz sobrenatural. Assim como foi a sua santa vida.

Esta alma, através dos seus sacrifícios ajudou muitas outras almas que vinham pedir-lhe ajuda. Podemos ver isso numa das suas obras intitulada: Cartas a incrédulos. Onde aconselhava as pessoas que vinham ao seu encontro. Sua grande preocupação era a salvação das almas sacrificando-se por elas. Com estes mesmos sacrifícios conseguiu do seu bom Deus a conversão do seu marido Félix Leseur, que era brilhante médico, um ateu inimigo ferrenho da Igreja Católica e também de muitas outras pessoas que via nela um modelo a ser seguido.

Mesmo diante de tantos sacrifícios, ela possuía uma alegria que contagiava a todos aqueles que se aproximavam dela. Elisabeth não era fechada em si, mesmo sendo uma alma do silêncio; ao contrário, ela era muito amável, compreensiva, caridosa, tinha uma alegria ontológica vinda de Deus. Em relação a essa alegria ontológica, Elisabeth Leseur faz referência em seus escritos dizendo: “Ser alegre sempre” – em certas horas compreende-se o sentido sublime da palavra de São Paulo. Há uma alegria que as maiores dores não aniquilam, uma luz que brilha no meio das trevas mais espessas, uma força que sustenta as nossas fraquezas. Sós, cairíamos por terra, como Cristo carregando a cruz; no entanto, caminhamos, ou nossas quedas são apenas passageiras e logo nos levantamos corajosos. E’ que, “tudo podemos n’Aquele que nos fortalece”. Entes fracos, trazemos em nós a Força infinita, e no fundo de nossa alma brilha a luz que nunca se apaga. Como não ficar alegres apesar de tudo, de uma alegria sobrenatural, quando temos Deus na vida e para a eternidade? (JORNAL E PENSAMENTOS DE CADA DIA, 1954, p. 224).

Porquanto, encerro como bem falou seu esposo Félix Leseur: “Não insistirei mas. Penso ter dito o bastante para fazer apreciar o que foi a piedade de Elisabeth”. No entanto, meditemos nesta oração composta pela Serva de Deus, a qual traz o resumo da sua santa vida. “Meu Deus, deposito a Vossos pés meu fardo de sofrimentos, tristezas e renúncias; ofereço tudo pelo Coração de Jesus e imploro Vosso Amor que transforme essas provações em alegria e santidade para aqueles que amo, em graças para as almas, em dons preciosos para Vossa Igreja. Neste abismo de acabrunhamento físico, de desgostos e de fadiga moral, de trevas nas quais Vós me mergulhastes, deixai passar um reflexo de Vossa luz triunfante. Ou melhor (pois as trevas do Getsêmani e do Calvário são fecundas), fazei com que todo esse mal sirva ao bem de todos. Ajudai-me a ocultar o despojamento interior e a pobreza espiritual sob a riqueza do sorriso e os esplendores da caridade.” (DUHAMELET, 1966, p. 86). 

Elisabeth Leseur é um modelo de leiga a ser seguido na Igreja. Que ela interceda por todos os casais, e principalmente por aqueles que se encontram longe de Deus.

Serva de Deus Elisabeth Leseur, rogai por nós. Amém.


ORAÇÃO

Pedindo a intercessão da Serva de Deus Elisabeth Leseur

Deus, nosso Pai, fortificastes tua serva Elisabeth com prudência admirável e uma profunda vida interior, de modo que ela pudesse dar testemunho de Cristo ante seu marido e no mundo descrente que a cercava. Vós a cumulastes com grande humildade, tornando-a capaz de aceitar seus sofrimentos como uma oração agradável a Ti. Nós te agradecemos, Pai, pelas dádivas concedidas a tua Serva, pelos exemplos que ela deu para as mulheres de hoje, e pelos benefícios obtidos em nossa família através de sua intercessão. Estamos confiantes vos rogamos que, através de sua intercessão concede-nos a graça de… (Pedir a graça desejada). Também pedimos que, se for Vossa vontade, a Igreja reconhecer a santidade da vida de Elisabeth, para a glória da Santíssima Trindade. Nós pedimos por Cristo Nosso Senhor. Amém.

Com aprovação eclesiástica


_________________________________________________

ORAÇÃO PARTICULAR

Para obter a Beatificação da Serva de Deus

ELISABETH LESEUR

Ó Deus, que em Vossa fiel Serva, Elisabeth Leseur, nos destes tão admirável exemplo de intensa vida interior em meio às distrações do mundo, bem como de aceitação e amor do sofrimento, “forma completa de oração” e “poderoso meio de apostolado”, fazei nós Vos pedimos, que, por sua intercessão, possamos imitar suas sólidas virtudes e continuar sua grande ação. E, se for conforme a Vossos misericordiosos desígnios que a Vossa Serva seja glorificada pela Igreja, dignai manifestar, por favores celestes cada vez mais assinalados, o poder que ela goza junto a Vós. Nós Vo-lo pedimos instantemente pelos méritos de Nosso Senhor Jesus Cristo que, com o Espírito Santo, vive e reina por todos os séculos dos séculos. Amém.

 

(Pai-Nosso, Ave-Maria, Glória ao Pai)


Graças alcançadas, favor informar aos promotores 

ENDEREÇOS PARA A CAUSA DE

BEATIFICAÇÃO E CANONIZAÇÃO DA

SERVA DE DEUS DE ELISABETH LESEUR


The cause for the canonization of Elisabeth Leseur

is being handled in Rome by:

Fr. Innocenzo Venchi, O.P.

Postulator Generalis

Curia Generalizia dei Padri Domenicani

Convento Santa Sabina (Aventino),

Piazza Pietro d’Illiria, 100153 Roma (Italia)

Telephone: (39) 6 57 941

Fax: (39) 6 57 50 675


Frei Llewellyn Muscat O.P.

postulatio@curia.op.org


ALGUMAS OBRAS DE 

DA SERVA DE DEUS ELISABETH LESEUR


- LESEUR, Elisabeth. Diário de infância.

- LESEUR, Elisabeth. Jornal e pensamentos de cada dia. Rio de Janeiro: Irmãos Pongetti, 1954.

- LESEUR, Elisabeth. Cartas sobre o sofrimento. Rio de Janeiro: Irmãos Pongetti, 1950.

- LESEUR, Elisabeth. Cartas a incrédulos. Rio de Janeiro: editora – Irmãos Pongetti, 1926.


OBRAS SOBRE ELISABETH LESEUR

 

- LESEUR, Elisabeth. A vida espiritual (Pequenos tratados de vida interior). Rio de Janeiro: Irmãos Pongetti, 1958.

- LESEUR, R. P. M. Albert. Vida de Elisabeth Leseur. Rio de Janeiro: 6. ed. Irmãos Pongetti, 1931.

 

ALGUMAS FRASES E MEDITAÇÕES DA

SERVA DE DEUS ELISABETH LESEUR 


- “Regulei meus dias todos a fim de que eles sejam o mais possível o resumo de toda a minha vida. Oração, minha querida meditação matinal, o trabalho feito conscienciosamente, um pouco de trabalho ou cuidado com os pobres, depois meus deveres de família e de interior. […]. Assim que puder quero me dedicar a alguma obra útil e bela.”

- "Elevando a minha alma e cumprindo o meu dever, posso, segundo uma palavra que admiro, "elevar o nível da humanidade". "Toda alma que se eleva, eleva o mundo."

- “Uma resolução que tomei com energia e comecei a pôr em prática apesar de um estado físico e moral defeituoso, é de ficar “alegre” no sentido cristão da palavra, alegre para a vida, para os outros e para mim mesma, tanto quanto puder. Meu Deus ajudai-me, e “venha a nós o vosso reino.”

- "Não quero mais "arrastar" minhas numerosas enfermidades, mas "carregá-las" com a alma alegre, unindo-as à cruz do doce Salvador."

- “O mundo não compreende a dor, não conhece a piedade e ignora a consolação. Como penetraria ele o infinito do sofrimento quando não põe infinito no amor e na alegria?”

- "Amar por aqueles que odeiam, sofrer por aqueles que gozam, dar-se por aqueles que se poupam."

- "Sejamos como a vela, que consome sua própria substância para dar luz e calor aos que as cercam."

- “As agitações, amarguras, tudo o que vem de fora ou de nosso ser sensível, acalmam-se logo, quando fazemos um pouco de silêncio em nós mesmos e retomamos fôlego junto de Deus.”

- "Quem procura a verdade achará Deus."

- “Aceitar e procurar os sofrimentos e penitências em segredo sem nada fazer que possa atrair a atenção, redobrando, ao contrário, de amabilidade e doçura.”

- "O sofrimento aceito e oferecido constitui a oração por excelência."  

- "As bases de toda a vida cristã: Penitência, humildade. A forma de toda vida cristã: Contemplação, seguida por ação no sacrifício."

- "Ser cristã: plena, razoável, sobrenaturalmente cristã. Orar, agir, trabalhar, amar."

- "Parece-me que o que mais falta a esta geração é o recolhimento."

- "Receber de bom grado a provação pequena ou grande aceitá-la, oferecê-la."  

- "O silêncio é guarda seguro da humanidade."         

- Uma resolução que tomei com energia e comecei a pôr em prática apesar de um estado físico e moral defeituoso, é de ficar “alegre” no sentido cristão da palavra, alegre para a vida, para os outros e para mim mesma, tanto quanto puder. Meu Deus ajudai-me, e “venha a nós o vosso reino.”

REFERÊNCIA 

- DOM GILVAN FRANCISCO DOS SANTOS, O.S.B. O ESPÍRITO DE SACRIFÍCIO SEGUNDO A SERVA DE DEUS ELISABETH LESEUR. Trabalho monográfico apresentado ao Curso de Teologia, da Faculdade São Bento da Bahia, como requisito para obtenção do título de bacharel em Teologia. Orientador: Prof. Me. Jairo de Jesus Menezes – Salvador, 2015. 

ALGUMAS FOTOS E FRASES DA 

SERVA DE DEUS 















Ut In Omnibus Glorificetur Deus (RB 57, 9)